Clima

UNESCO ignora vulnerabilidade de patrimônios mundiais

Novo relatório não prevê impactos de projetos de infraestrutura

Um relatório de grande envergadura adverte que alguns dos locais protegidos mais emblemáticos do mundo estão cada vez mais vulneráveis aos impactos do aquecimento global e da indústria do turismo, mas não cita as ameaças representadas pelo desenvolvimento, infraestrutura e extração de recursos naturais. Destinos turísticos populares como Veneza, na Itália; ilhas Galápagos, no Equador e Cartagena, na Colômbia, estão listados entre os 31 locais em 29 países sob ameaça de elevação do nível do mar, derretimento de geleiras, secas e incêndios florestais, segundo relatório elaborado pela UNESCO, pelo Programa de Desenvolvimento das Organização das Nações Unidas (ONU) e a União dos Cientistas Preocupados (Union of Concerned Scientists, UCS). Há mais de 1.300 locais tombados pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, considerados de especial importância cultural ou física. “Alcançar a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global a um nível bem abaixo de dois graus Celsius é de vital importância para proteger o nosso patrimônio mundial para as gerações atuais e futuras”, disse Mechtild Rössler, diretor do Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO. Além dos impactos adversos do aquecimento do planeta, a própria indústria global do turismo, que está em plena expansão e é responsável por 9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, multiplica as ameaças das mudanças climáticas, pois aumenta as emissões com os meios de transporte e a competição por recursos naturais como a água. A infraestrutura do turismo, sob a forma de hotéis, portos e aeroportos, traz benefícios econômicos para os países em desenvolvimento, mas aumenta as pressões ambientais em locais vulneráveis, diz o relatório. Adam Markham, principal autor do relatório e vice-diretor do Programa de Clima e Energia da UCS, disse que atrações turísticas como as estátuas da Ilha de Páscoa, no Chile, correm o risco de serem tragadas pelo mar devido à erosão costeira. Markham acrescenta que muitos recifes de coral dos mais importantes do mundo vêm sofrendo branqueamento sem precedentes, associado à mudança climática. No entanto, o relatório omite locais importantes vulneráveis às alterações climáticas inclusive o recife de coral mais famoso do mundo: a Grande Barreira de Coral australiana. Ela foi incluída numa versão preliminar do relatório, mas riscada da versão final em virtude de um pedido do ministério do Meio Ambiente do país, informou a BBC. Em um comunicado, o ministério do Meio Ambiente se queixou que o relatório unia, indevidamente, o problema do status dos locais como Patrimônio Mundial e aos riscos causados pelo turismo e pelas mudanças climáticas. Se os impactos sobre um local significam que este não mais apresenta fenômenos especiais, seja de autoria humana ou de ocorrência natural, o local perderia seu status de patrimônio que vale a pena preservar. No comunicado também há queixas sobre o impacto do que o ministério considera “cobertura negativa da imprensa” sobre a indústria turística australiana. Um dos principais locais tombados pela UNESCO na China – a área protegida dos Três Rios Paralelos, na província de Yunan, no sudoeste do país-, também não foi mencionado. Nessa região estão as cabeceiras dos rios Nu (Salween), Mekong e Yangtsé (Jinsha), especialmente vulneráveis às mudanças climáticas. É vizinha ao planalto tibetano, que está se aquecendo a um índice três vezes superior à média global, levando à desertificação generalizada. As propostas de construção de uma cascata de 13 mega-represas no rio Nu também poderiam prejudicar o patrimônio. Os limites da reserva protegida já foram alterados para permitir a mineração de ouro e cobre em grande escala. O relatório aponta os riscos cumulativos sobre locais tombados causados por outros fatores, como a falta de recursos para uma gestão eficaz, a guerra, o terrorismo, a pobreza, a urbanização, a infraestrutura e exploração de petróleo e gás. Contudo, não aborda os riscos decorrentes de outros projetos de infraestrutura não diretamente associados à indústria do turismo. Por exemplo, o potencial impacto das hidrelétricas em construção no parque nacional Los Glaciares, na Argentina, protegido pela UNESCO, estão notavelmente ausentes do relatório. As barragens recentemente aprovadas no rio Santa Cruz ameaçam as geleiras de Perito Moreno, Spegazzini e Upsala, segundo os conservacionistas locais. O projeto, que está sendo planejado há anos e vai aumentar em 5% a capacidade energética da Argentina, obteve sinal verde do governo apesar das queixas de grupos ambientalistas de que nenhum estudo válido de impacto ambiental foi apresentado. Segundo especialistas, as barragens vão mudar o fluxo do rio e a erosão vai comer a parte dianteira da icônica geleira Perito Moreno, impedindo que os blocos de gelo se quebrem, um fenômeno que atrai muitos milhares de turistas a cada ano.