Quando as primeiras palavras de protesto contra o governo da Síria surgiram, em 2011, nas paredes de uma escola em Daraa, cidade rural no sul país, uma longa seca castigava a região. Fragilizados pela falta de apoio para lidar com a escassez de água, indignados com a prisão brutal de estudantes que grafitaram a escola e com a corrupção, os moradores saíram às ruas contra o regime do presidente sírio Bashar al-Assad. Tinha início um dos conflitos mais violentos e longos da atualidade.
O que se viu na Síria desde então foi a morte de mais de um milhão de pessoas, a fuga de mais de 10 milhões de refugiados e o aumento das ações do grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Antes do início da guerra civil, mais de 30 mil famílias de produtores rurais tinham sido afetadas pela seca extrema que assolava o país desde 2007.
Aos poucos, pesquisadores encontram cada vez mais evidências que as mudanças climáticas são uma ameaça crescente à segurança global. Um estudo publicado nesta quinta-feira (20/04) conclui que os riscos e os impactos provocados pelas mudanças climáticas podem contribuir para o crescimento de grupos terroristas como Estado Islâmico, que atua em todo o mundo e Boko Haram, que ataca basicamente no continente africano.
“Áreas que já vivem uma situação de vulnerabilidade são tragadas para um círculo vicioso, levando ao surgimento de grupos terroristas que acabam encontrando uma maior facilidade para operar, o que traz consequência para todos nós”, afirma Lukas Rüttinger, um dos autores do relatório “Insurgência, Terrorismo e Crime Organizado num Mundo de Aquecimento” (tradução livre), da organização alemã Adelphi.
Pressões por todos os lados
No caso da Síria, além das falhas do governo e as tensões entre os diferentes grupos sectários, outros fatores levaram o país ao caos. Estão na lista os eventos climáticos extremos, crescimento populacional, má gestão de recursos hídricos, urbanização e desemprego.
Segundo o estudo, o impacto das mudanças climáticas facilitou, de várias maneiras, o domínio do EI. “A escassez de água por causa da seca teve um papel importante no recrutamento de combatentes que perderam tudo e que receberam a oferta de uma perspectiva econômica, assim como um senso de pertencimento e valorização por parte do EI”, alerta o relatório.
O controle da água virou uma arma de guerra no conflito. A previsão de climatologistas é que o período de secas severas e a temperatura na região aumentem até 2100. “A Síria pode ser vista como o cenário mais pessimista e um sinal de alerta”, dizem os autores sobre os impactos das mudanças climáticas e o surgimento de conflitos armados.
Para além da Síria
Na Guatemala, a violência provocada por grupos armados também é motivo de preocupação. Com índices elevados de pobreza extrema, insegurança alimentar e um legado de conflitos, o país da América Central sofre ainda com a degradação dos recursos naturais, terras improdutivas devido ao desmatamento e uso abusivo de água, o que deixa a população ainda mais vulnerável.
“Os impactos adicionais das mudanças climáticas trarão ainda mais insegurança para a população rural, deixando esses cidadãos mais propensos a seguir alternativas como cooperação com as redes de tráfico de drogas”, avalia o relatório sobre o caso da Guatemala.
Para os autores, diversos casos de conflitos da atualidade dão mostras de que os riscos complexos trazidos pelas mudanças climáticas, populações fragilizadas e conflitos contribuem para o surgimento de grupos armados rebeldes.
No entorno do Lago Chade, região do continente africano, a competição por água e terra alimentaram tensões sociais e conflitos violentos – clima que favoreceu a instalação do Boko Haram.
“Nosso estudo mostra que as mudanças climáticas e seus impactos em larga escala contribuem para criar um ambiente favorável para a ação desses grupos, um espaço aberto que facilita essa ação”, argumentam.
Não só países mais fragilizados ou em conflito podem ser afetados por ações terroristas de grupos armados. Governos mais estáveis também poderão sofrer com a sobrecarga trazida pelas pressões das mudanças climáticas, urbanização, degradação ambiental e aumento das diferenças socioeconômicas”, afirmam os autores do estudo.
Uma das estratégias recomendadas para combater o poder explosivo dessa combinação é entender melhor os impactos das mudanças climáticas e aumentar a capacidade de adaptação das cidades.
“O objetivo é criar estados e sociedades mais resilientes que são capazes de absorver os choques, num significado mais amplo. E transformar os desafios por meio de processos políticos e, ao mesmo tempo, manter estabilidade política e social, prevenindo a violência”, recomenda Rüttinger.