Clima

Brasil corre contra o tempo para lançar mercado de carbono antes da COP30

Iniciativa visa reduzir emissões e financiar preservação de florestas, mas precisa superar disputas políticas e exclusões setoriais para funcionar plenamente
<p>Mulher toca árvore na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. O país desenvolve seu sistema de comércio de emissões no intuito de atrair recursos para projetos de preservação (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2jZyUXh">Leonardo Milano</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/amazoniareal/">Amazônia Real</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/">CC BY-NC-SA</a>)</p>
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Mulher toca árvore na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. O país desenvolve seu sistema de comércio de emissões no intuito de atrair recursos para projetos de preservação (Imagem: Leonardo Milano / Amazônia Real, CC BY-NC-SA)

 

Enquanto o Brasil se prepara para sediar a conferência climática COP30 na cidade de Belém, em 2025, o país está mais próximo de criar um dos maiores sistemas de comércio de emissões de carbono do mundo em desenvolvimento. 

Com a maior área de floresta tropical do mundo, o Brasil desempenha um papel fundamental no fornecimento de uma proteção natural contra o aumento das temperaturas. Analistas esperam que a criação de um mecanismo de precificação de carbono incentive as indústrias pesadas a procurar alternativas mais verdes e, ao mesmo tempo, leve bilhões de dólares a projetos que preservem e restaurem a floresta.

O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Até 2030, o país tem como meta reduzir 53% das emissões de carbono em relação aos níveis de 2005; e, para 2050, firmou o compromisso de atingir a neutralidade de carbono. Para alcançar esses objetivos como parte do Acordo de Paris, a nação deve reduzir drasticamente o impacto do desmatamento e da agropecuária, responsáveis por quase 75% das emissões brasileiras. 

Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2023, um dos efeitos mais imediatos foi a redução pela metade do desmatamento na Amazônia, atingindo as menores taxas em cinco anos. A destruição do bioma havia escalado no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), resultando em duras críticas diante das fracas políticas ambientais e climáticas no período.

Além de reduzir o desmatamento, o Brasil também deve controlar as emissões geradas pelos setores de agricultura, energia e indústria pesada, como aço e cimento.

O governo federal espera aprovar o projeto de lei para criar um mercado de carbono antes da COP30. Mas após anos de expectativa, a proposta está no meio de um cabo de guerra entre as duas casas no Congresso. Enquanto isso, críticos argumentam que o objetivo de reduzir emissões em toda a economia brasileira pode ser severamente prejudicado pela proposta de excluir a agricultura da regulamentação.

Mulheres indígenas participam do Acampamento Terra Livre, mobilização anual realizada em frente ao Congresso Nacional, em abril de 2023
Mulheres indígenas participam do Acampamento Terra Livre, mobilização anual realizada em frente ao Congresso Nacional, em abril de 2023. Territórios de comunidades tradicionais na Amazônia têm sido cobiçados por grandes multinacionais para firmar acordos de créditos de carbono, preocupando autoridades e ativistas (Imagem: Ana Pessoa / Mídia NINJA, CC BY-NC)

Forte potencial, mas com muitas lacunas

O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, em discussão no Legislativo, tem como modelo o mecanismo de precificação de carbono da União Europeia — o mercado europeu, introduzido em 2005, contribuiu para uma redução de quase 40% das emissões nos setores contemplados.

Na América Latina, apenas o México tem um sistema de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês) comparável ao da Europa. Outros países como Índia, Turquia e Indonésia também adotam sistemas de precificação de carbono. Já a China tem o maior ETS do mundo.

Em um sistema de comércio de emissões, também conhecido como cap-and-trade, os governos fixam limites para as emissões permitidas, distribuem cotas de emissão para as empresas e, em seguida, deixam o mercado determinar o preço, já que as empresas compram e vendem as cotas com base em suas próprias emissões. Dessa forma, espera-se que as empresas reduzam suas próprias emissões e forneçam fundos para projetos de redução ou captura de emissões, como iniciativas de reflorestamento.

O esboço do mercado de carbono brasileiro também foi impulsionado pelo crescimento internacional dos créditos de carbono, tanto em sistemas regulamentados (conhecidos como mercados obrigatórios) quanto de programas voluntários. Dado o potencial do país para fornecer soluções baseadas na natureza, há a expectativa de que um mercado de carbono sólido no Brasil possa receber bilhões de dólares de multinacionais e outros atores globais que desejam compensar suas pegadas de carbono, contribuindo para a preservação das florestas.

A consultoria McKinsey estimou que o Brasil poderia receber cerca de US$ 15 bilhões apenas no mercado voluntário até 2030. Enquanto isso, o Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional tem uma expectativa ainda mais ambiciosa: conforme a entidade, seria possível captar US$ 120 bilhões dos mercados obrigatórios e voluntários no mesmo período.

Embora a projeção de ganhos econômicos seja evidente, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir o rigor e a transparência necessários na criação do mercado de carbono. À medida que a proposta avança no Congresso brasileiro, um ponto do projeto de lei tem gerado enorme controvérsia: a isenção total do setor agrícola em relação às obrigações do corte de emissões, apesar de ser um dos grandes responsáveis pela liberação de gases de efeito estufa no país. Se contabilizados apenas os impactos do desmatamento e da agropecuária, o Brasil já seria o sétimo colocado no ranking de países com mais emissões de gases de efeito estufa.

Brigadista do Ibama combate incêndio na Amazônia brasileira, com árvores cortadas e fumaça ao fundo
Brigadista do Ibama combate incêndio na Amazônia brasileira. Emissões de carbono geradas por desmatamento e agropecuária fazem do país um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo (Imagem: Vinícius Mendonça / Ibama, CC BY-SA)

A questão é complexa e gera tensões em outras partes do mundo. Na União Europeia, os produtores rurais também foram isentos das obrigações de corte de emissões. Uma das explicações para isso seria a dificuldade de rastrear as emissões de cada fazenda — porém, segundo especialistas, esse argumento não deveria valer para a agropecuária brasileira.

“A exclusão da agricultura não se justifica neste momento, assim como nenhum outro setor deveria ser excluído agora”, disse Caroline Dihl Prolo, advogada especializada em mercados de carbono. “A lei deveria ser abrangente a todos os setores, para que depois a regulamentação defina quais setores serão abordados inicialmente. Mas a exclusão da agricultura já na lei foi resultado de muita pressão política do setor do agronegócio”.

Baixa credibilidade e grilagem de terras

Conforme o projeto atual do ETS, o governo federal espera que o sistema seja aplicado às empresas com emissões anuais acima de 10 mil toneladas de carbono equivalente, cobrindo os principais setores poluidores, como as indústrias de aço, cimento, produtos químicos e alumínio. As empresas com emissões acima do limite precisariam provar que possuem as cotas necessárias e, se necessário, comprá-las de outras empresas ou projetos de carbono.

O texto legal proposto até agora contém uma inovação em relação ao ETS europeu. Além de comprar créditos no mercado regulamentado, as empresas também poderão adquirir créditos voluntários de projetos específicos que comprovadamente capturem carbono por meios naturais. Essa interoperabilidade significa que os ativos do mercado voluntário poderão migrar para o mercado regulamentado.

Não se pode permitir que um crédito gerado em qualquer lugar do país seja válido em toda parte. O Brasil viraria a lavanderia de carbono do mundo
Alexandre Prado, do WWF Brasil

“A interoperabilidade pode ser interessante, desde que ela tenha um teto baixo para a compra de créditos voluntários por parte das empresas”, avaliou Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF Brasil. “Se você facilitar demais o acesso, a empresa não fará qualquer mudança, pois será muito mais barato comprar um crédito de carbono do que transformar sua matriz tecnológica”.

Especialistas explicam que será necessária uma regulamentação cuidadosa para garantir que os créditos voluntários realmente ajudem a reduzir o desmatamento, já que muitos demonstraram ter pouco impacto no mundo real.

“Não se pode permitir que um crédito gerado em qualquer lugar do país seja válido em toda parte”, disse Prado. “O Brasil viraria a lavanderia de carbono do mundo. Nossos créditos teriam zero valor e perderiam a credibilidade no mercado internacional. Grandes multinacionais, ou mesmo países, deixariam de comprar os créditos do Brasil”.

O projeto de lei que estabelece o sistema de comércio de emissões ainda tramita no Senado e, ao contrário das expectativas iniciais do governo, não foi aprovado no primeiro semestre de 2024. Diante das tensões entre as duas casas do Congresso sobre quem terá a palavra final na redação do texto, espera-se que a proposta seja aprovada no fim do ano ou até mesmo em 2025. Após a criação da lei, uma regulamentação deverá definir quais iniciativas de conservação florestal poderão vender os créditos de carbono.

Ainda falta muito para ser definido no mercado de carbono brasileiro, mas isso não impediu uma verdadeira corrida de empresas em busca de acordos com comunidades indígenas e outras iniciativas de proteção florestal para monetizar a floresta tropical.

Em 2022, a Shell investiu US$ 40 milhões na compra de uma parte da Carbonext, empresa brasileira de créditos de carbono que, desde então, foi acusada de pressionar líderes indígenas na Amazônia a assinar contratos com páginas em branco e oferecer pagamentos antecipados pelos direitos de exclusividade aos créditos de carbono nesses territórios. A empresa nega as acusações.

No mês passado, a Polícia Federal prendeu quatro pessoas suspeitas de envolvimento em um esquema de apropriação ilegal de 500 mil hectares de floresta para gerar créditos de carbono no valor de US$ 32 milhões. Desde então, a Verra, uma das maiores certificadoras de créditos de carbono voluntários, suspendeu três projetos, cujos créditos foram comprados pelas empresas GOL, iFood e Itaú.

Outra ação da Defensoria Pública do Estado do Pará vinculou 18 projetos de crédito de carbono a uma empresa chamada Indigenous Carbon, supostamente ligada a um empresário americano acusado de grilagem de terras públicas.

Especialistas alertam que o caminho será longo até a implementação total do sistema.

“Após a aprovação, ainda serão necessários pelo menos cinco anos para que esse mercado de carbono entre de fato em operação, pois a lei é um menu geral que depois precisará ser implementado”, estimou Guarany Osório, pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas.

“Esse é um componente de uma política climática que deve ser coordenada com diferentes instrumentos. O Brasil tem muitas peculiaridades em diferentes setores, e temos que pensar que esta será uma peça da engrenagem”, explicou Osório. “O mercado de carbono não resolverá os problemas de emissões em todos os setores, mas será uma parte muito importante”.