Clima

Como reduzir as emissões de grandes eventos esportivos?

Explicamos os desafios para reduzir as emissões em competições como as Olimpíadas de Paris, que prometem adotar práticas mais verdes
<p>Avião sobrevoa partida de futebol realizada em junho no Estádio Nacional do Japão, principal palco dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. As Olimpíadas de Paris e a Eurocopa deste ano anunciaram medidas para diminuir pegada de carbono (Imagem: AFLO / Alamy)</p>

Avião sobrevoa partida de futebol realizada em junho no Estádio Nacional do Japão, principal palco dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. As Olimpíadas de Paris e a Eurocopa deste ano anunciaram medidas para diminuir pegada de carbono (Imagem: AFLO / Alamy)

É hora de acrescentar outra palavra ao lema original das olimpíadas: além de “mais rápido, mais alto e mais forte”, o evento promete ser mais verde este ano.

Os Jogos Olímpicos de Paris assumiram o compromisso de reduzir pela metade sua pegada de carbono em relação às edições anteriores.

Para efeito de comparação, os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, e do Rio, em 2016, emitiram, respectivamente, 3,3 milhões e 3,6 milhões de toneladas de CO₂, segundo seus comitês organizadores. Até mesmo as Olimpíadas de Tóquio, sem público devido à pandemia da Covid-19, emitiram 1,96 milhão de toneladas de carbono.

Nesse sentido, o evento de Paris este ano terá três eixos: evitar, reduzir e compensar emissões. Seus organizadores dizem ter desenvolvido uma ferramenta “pioneira” para estimar as emissões e orientar suas decisões. 

Grandes competições esportivas atraem a atenção de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Com grande influência socioeconômica e cultural, esses eventos têm impactos que ultrapassam as emissões geradas e têm poder também na disseminação de mensagens sobre ações climáticas. 

Assim, a sustentabilidade tem um papel cada vez maior em eventos como as Olimpíadas de Paris e as competições futebolísticas da Copa do Mundo de 2022, no Catar, e da Eurocopa de 2024, na Alemanha. Na China, iniciativas de redução de carbono foram introduzidas nos últimos anos aos Jogos Olímpicos de Inverno de Beijing, Jogos Universitários Mundiais de Chengdu e Jogos Asiáticos de Hangzhou. 

Porém, há dúvidas sobre a precisão do cálculo de emissões e a eficácia das compensações de carbono.

Qual é a fonte de emissões no esporte?

A reutilização das instalações dos torneios e a substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis são essenciais para reduzir as emissões em grandes eventos esportivos. 

Cerca de 95% das instalações dos jogos de Paris usarão prédios existentes ou alojamentos temporários — o que pode poupar um milhão de toneladas de emissões se novos prédios fossem construídos. Os jogos de Hangzhou também priorizaram prédios prontos, com 12 dos 56 locais de competição construídos do zero.

As Olimpíadas de Paris se comprometeram ainda a usar 100% de energia renovável no evento — principalmente eólica e solar. Enquanto no evento de Londres de 2012 foram queimados quatro milhões de litros de diesel para a geração elétrica, Paris espera poupar o equivalente a 13 mil toneladas de emissões sem o combustível fóssil. 

As Olimpiádas de Inverno de Beijing em 2022 também adotaram uma política de energia 100% renovável, com fontes solar e eólica. Após os jogos, essa infraestrutura continuou a fornecer 14 terawatts-hora de energia limpa a Beijing todo ano, abastecendo um décimo da demanda da cidade.

No entanto, a maior pegada de carbono dos eventos esportivos costuma ser de viagens dos participantes e espectadores — tanto aéreas quanto terrestres. Por isso, a ausência de público nas Olimpíadas de Tóquio devido à pandemia ajudou a derrubar as emissões. O mesmo ocorreu em Beijing, no qual o público pssou de 2,29 milhões para 1,58 milhão de pessoas, evitando 512 mil toneladas de emissões de carbono.

Com o retorno dos espectadores às arenas esportivas, a União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) espera que mais de 80% da pegada de carbono da Eurocopa de 2024 esteja ligada ao transporte, com base em dados do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha. O país dará incentivos aos torcedores para priorizarem o transporte público. 

Freddie Daley, pesquisador associado da Universidade de Sussex, no Reino Unido, e diretor da The Cool Down, rede que advoga para que o esporte lidere a transição energética, disse ao Dialogue Earth que, embora os organizadores de eventos queiram atingir um público cada vez mais amplo, às vezes é necessário limitar a escala de um evento. O país anfitrião, segundo ele, também deve incentivar os espectadores a usar formas mais sustentáveis de transporte.

A coorganização de eventos esportivos por diferentes países tornou-se comum nos últimos anos, mas isso pode ter um impacto nas emissões dos transportes. A Eurocopa de 2020, adiada para 2021 em função da pandemia e organizada por 11 países, foi muito criticada pela poluição gerada em razão das diversas viagens internacionais.

Daley teme que a Copa do Mundo de 2026, que será realizada conjuntamente por Canadá, EUA e México, tenha impactos semelhantes: “A rede ferroviária na América do Norte não oferecerá transporte com baixo teor de carbono durante os torneios. Os espectadores terão que viajar de avião”.

Conforme o estudo de impacto ambiental dos organizadores desse evento, as viagens internacionais com origem e destino na América do Norte serão responsáveis por 51% do total das emissões do evento. Já as viagens entre os três países-sede gerarão 34% das emissões.

Compensações de carbono

Quando as emissões não podem ser evitadas, as compensações são o último recurso ao evento esportivo que deseja ser neutro em carbono.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Beijing, cuja organização afirmou ter sido neutra em carbono, compensaram suas emissões principalmente por meio de projetos de florestamento na China, neutralizando 1,1 milhão de toneladas de CO₂, segundo os organizadores.

Os Jogos Asiáticos de Hangzhou também recorreram a compensações para alcançar a neutralidade de carbono. O evento gerou 883 mil toneladas de emissões, mas recebeu doações para compensar 1,1 milhão de toneladas de carbono. 

O plantio de árvores geralmente é a maneira mais usada pela China para tentar tornar os eventos esportivos neutros em carbono. Em 2019, o Ministério da Ecologia e do Meio Ambiente publicou diretrizes em caráter experimental. Segundo elas, os organizadores de eventos de grande escala devem neutralizar as emissões geradas por meio da compra de créditos de carbono ou outras formas. 

Porém, as compensações de carbono florestal são altamente controversas. Como observou Daley, uma investigação jornalística publicada no ano passado pelo The Guardian constatou que mais de 90% das compensações da Verra, maior certificadora de créditos de carbono do mundo, “não representam reduções genuínas de carbono”. A Verra contestou as conclusões da reportagem, dizendo que os métodos não captaram os verdadeiros impactos no solo. Descobriu-se também que muitos acordos de crédito de carbono não trouxeram nenhum benefício para comunidades indígenas, algumas das quais se viram forçadas a deixar suas casas. 

Jin Lei, pesquisadora da Universidade Central de Finanças e Economia de Beijing, explicou ao Dialogue Earth que os projetos de reflorestamento para estoque de carbono são afetados por fatores como a geografia e a diversidade de espécies locais. Ao avaliar cada projeto, acrescentou ela, seria preciso determinar a metodologia com base no contexto local. Além disso, uma autoridade independente deve participar do processo de medição, monitoramento e verificação do projeto.

O comitê organizador das Olimpíadas de Inverno de Beijing indicou ter havido um processo rigoroso e abrangente para medir o estoque de carbono dos projetos florestais, disse Jin Lei.

Para Daley, “o mais importante é reduzir as emissões em vez de depender de compensações”. Ele defendeu ainda ser preciso apurar quando um evento esportivo se diz neutro em carbono e questionar os organizadores sobre as emissões compensadas. Quanto mais emissões forem compensadas, menor será o esforço para enfrentar o problema. 

Para Jin Lei, as práticas de compensação de carbono de Beijing foram razoavelmente equilibradas, justas e transparentes. No entanto, a compensação de carbono tem limitações, gera controvérsias e pode resultar em acusações de greenwashing, acrescentou. As ações devem se concentrar na redução absoluta das emissões, com a compensação apenas para complementar o processo, concluiu. 

O fundo climático da Uefa é um exemplo de como o futebol pode apoiar a redução das emissões. Para cada tonelada de CO₂ gerado por atividades da Eurocopa de 2024, a instituição pagará 25 euros a um fundo climático. Esse fundo, que deve chegar a sete milhões de euros, apoiará clubes amadores alemães que tenham projetos ambientais nas áreas de energia, água e gestão de resíduos.

A Global Sustainable Sport, consultoria de sustentabilidade no esporte sediada no Reino Unido, afirmou que esse fundo representa um bom exemplo de compensação, porque os recursos são destinados à finalidade correta. Além disso, o projeto não se vende como neutro de carbono e promove ações concretas com envolvimento da comunidade.

Por outro lado, Daley questionou se o valor de 25 euros por tonelada não é baixo demais, considerando que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA calcula o custo social do carbono em US$ 190 por tonelada. Embora o financiamento de clubes amadores para reduzir as emissões soe atraente, seus impactos reais ainda não são conhecidos, o que exige mais transparência, acrescentou o pesquisador.

Precisamos de eventos esportivos ‘neutros em carbono’?

A Copa do Mundo de 2022, no Qatar, alegou ser a primeira neutra em carbono. No entanto, a Swiss Fairness Commission, órgão regulador da publicidade na Suíça, considerou que a Fifa havia feito declarações “falsas e enganosas” sobre o impacto ambiental do evento. A comissão disse que as compensações não tinham credibilidade e que a pegada de carbono de 3,6 milhões de toneladas era resultado de um cálculo grosseiro. Algumas medições estimam que o número real esteja mais perto de dez milhões de toneladas de CO₂. A Fifa declarou que estava analisando as conclusões da comissão e que poderia entrar com recurso, embora ainda não tenha adotado nenhuma medida.

“Isso reflete o problema de transparência com as compensações de carbono no setor esportivo”, reforçou Daley. “Os eventos esportivos devem divulgar informações sobre as emissões de carbono e os esquemas de compensação, tanto antes quanto depois do evento, e disponibilizá-las para consulta pública”.

Em 2018, o Comitê Olímpico Internacional publicou uma nova metodologia para medir a pegada de carbono, com aplicação obrigatória para os comitês organizadores de todos os jogos. De acordo com Daley, metodologias igualmente rigorosas devem ser criadas para outros grandes eventos esportivos. Além disso, organizadores também devem ser mais cuidadosos ao afirmar que são neutros em carbono.

Jin Lei disse que grandes competições esportivas oferecem enormes oportunidades para promover discussões sobre o clima. “Neutralidade de carbono” e “sustentabilidade” são temas que podem ajudar a despertar mais interesse em um evento, avaliou. 

“Para ‘fazer o que se fala’ em termos de neutralidade de carbono, os organizadores de grandes eventos esportivos não só devem estabelecer e se comprometer totalmente com um sistema abrangente de gestão de carbono, como também precisam de disposições bem desenvolvidas e suporte externo profissional”, reforçou a pesquisadora. Isso significaria, por exemplo, ter uma avaliação e verificação completa por entidades independentes, incluindo o cálculo de emissões e a efetiva redução da pegada de carbono.

Os Jogos Olímpicos de Paris estão introduzindo uma inovação nesse sentido, aproveitando o apelo popular da competição para mobilizar as ações climáticas. “Os eventos esportivos são uma força coesa, que abrange todas as culturas, e é exatamente isso que precisamos para as ações climáticas”, resumiu Daley. “Se os organizadores de eventos pudessem servir de exemplo, comprometendo-se a reduzir suas próprias emissões de carbono e incentivando os espectadores a agir, o impacto seria enorme”.

No entanto, um relatório de 2021 da Badvertising, iniciativa da qual Daley faz parte, revelou mais de 250 acordos de patrocínio de grupos esportivos por empresas com altas emissões de carbono, de setores como petróleo e gás, aviação e automóveis. O patrocínio permite que as marcas ganhem credibilidade por meio da associação com experiências que carregam um forte significado cultural e, muitas vezes, conexão emocional com os espectadores. Como resultado, isso pode ajudá-las a normalizar o comportamento destrutivo do meio ambiente na sociedade.

Para Daley, se há um grande esforço para reduzir as emissões em um grande torneio, mas todos os anúncios ao redor do campo de futebol estão promovendo companhias aéreas, empresas de petróleo ou marcas ambientalmente controversas, então esses esforços podem ter sido em vão. “Devemos ver a influência que o esporte tem como um todo”, disse.