Clima

COP29: Negociações terminam com nova meta financeira — e hostilidades

Novo acordo promete US$ 300 bilhões anuais para financiar ações climáticas de países pobres e em desenvolvimento. Mas críticos consideram meta uma ‘ilusão de ótica’ resultante de ‘má-fé’
<p>Ativistas na COP29, no Azerbaijão, exigem mais recursos para ações climáticas. Embora a cúpula tenha aumentado a meta de financiamento anual, muitos criticaram a baixa ambição do novo acordo (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2qvQmL9">Kiara Worth</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/unfccc/">UN Climate Change</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/">CC BY NC SA</a>)</p>

Ativistas na COP29, no Azerbaijão, exigem mais recursos para ações climáticas. Embora a cúpula tenha aumentado a meta de financiamento anual, muitos criticaram a baixa ambição do novo acordo (Imagem: Kiara Worth / UN Climate Change, CC BY NC SA)

Após duas semanas de intensas negociações, a conferência climática COP29 em Baku, no Azerbaijão, comprometeu-se a aumentar o financiamento climático para as nações pobres e em desenvolvimento.

O acordo foi concluído no domingo, embora a conferência tivesse seu encerramento previsto para sexta-feira. O texto garante US$ 300 bilhões anuais em financiamento até 2035, triplicando a meta anterior de US$ 100 bilhões. Ele também pede aos países que cheguem a US$ 1,3 trilhão anual a partir de “todas as fontes públicas e privadas” até 2035.

Os países desenvolvidos vão “assumir a liderança” na captação dos recursos da chamada Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, na sigla em inglês). Mas o financiamento também terá aportes de instituições internacionais, como o Banco Mundial. O acordo ainda incentiva nações em desenvolvimento como a China a fazer contribuições voluntárias por meio da “cooperação Sul-Sul”.

O acordo foi recebido com frustração por parte de ativistas e países em desenvolvimento, que vinham cobrando compromissos mais firmes, incluindo US$ 1,3 trilhão das nações desenvolvidas. 

“Lamento dizer que esse documento não passa de uma ilusão de ótica”, disse a delegada indiana, Chandni Raina, na plenária de encerramento. “Isso, em nossa opinião, não resolverá o desafio que enfrentamos. Portanto, nos opomos à adoção desse documento”.

As negociações em Baku estiveram à beira do colapso: dois blocos — de países pobres e da Aliança de Pequenos Estados Insulares — abandonaram temporariamente a plenária. Só houve consenso após o aumento da proposta inicial de US$ 250 bilhões anuais.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse em um comunicado que “esperava um resultado mais ambicioso”, mas que a nova meta “serve de base” para um objetivo maior.  

A chanceler alemã, Annalena Baerbock, concordou com Guterres e disse que os US$ 300 bilhões “não atenderão a todas as necessidades”, reforçando que seu país trabalhará para alcançar o US$ 1,3 trilhão esperado. “Ninguém se esqueceu de nossas responsabilidades históricas”, acrescentou ela.

Simon Stiell (à esquerda), secretário-executivo da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, na sessão dos Pequenos Estados Insulares na COP29 em Baku, Azerbaijão
Simon Stiell (à esquerda), secretário-executivo da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, na sessão dos Pequenos Estados Insulares na COP29 em Baku, Azerbaijão (Imagem: Kiara Worth / UN Climate Change, CC BY NC SA)

Países desenvolvidos lidam com limitações econômicas e políticas, desde orçamentos limitados a crescentes movimentos populistas que se opõem à ação climática, o que teria influenciado o rumo da COP29. “Vivemos uma época em que o multilateralismo parece impossível”, disse Baerbock. 

A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em meio à COP29 também gerou dúvidas sobre a disposição do país de contribuir com a meta financeira. Isso se deve à retirada dos EUA do Acordo de Paris no mandato anterior de Trump e sua postura historicamente contrária às ações climáticas. 

A meta de financiamento ficou muito aquém dos US$ 5 trilhões a US$ 6,8 trilhões estimados como necessários para que os países em desenvolvimento implementem seus planos climáticos até 2030. Esses países também pediram que o financiamento climático viesse na forma de doações, pois os empréstimos podem agravar ainda mais seu endividamento público. Embora o acordo reconheça essa necessidade de fundos públicos baseados em doações, ele não é obrigatório. 

“Foi a pior negociação climática dos últimos anos devido à má-fé dos países desenvolvidos”, disse Tasneem Essop, diretor-executivo da Climate Action Network, após a plenária final. “Esta deveria ser a ‘COP das finanças’, mas o Norte Global apareceu com um plano para trair o Sul Global”.

Combustíveis fósseis e mercados de carbono

Além de financiamento, a cúpula discutiu a transição energética global. Na COP28, do ano passado, os países haviam concordado em abandonar os combustíveis fósseis e a triplicar a capacidade instalada de energias renováveis. No entanto, em Baku, não houve nenhuma decisão sobre como avançar com essa meta, e as discussões foram adiadas para o próximo ano.

O Programa de Trabalho de Mitigação — processo não vinculante para intensificar a ação climática — e o texto da NCQG não mencionaram os combustíveis fósseis nem a decisão tomada na COP28. Versões anteriores dos documentos incluíam propostas  para aumentar o armazenamento de energia para 1,5 terawatts até 2030 e expandir em 25 milhões de quilômetros as linhas de transmissão elétrica no mesmo período.

Os países ricos em petróleo devem ver que seus esforços para adiar o inevitável fracassarão
Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda

Negociadores da Arábia Saudita disseram na plenária que “não aceitariam um texto que tivesse como alvo qualquer setor específico, incluindo o de combustíveis fósseis”. Um delegado saudita até tentou alterar um trecho do rascunho sem consultar os demais países, segundo uma reportagem do The Guardian. O conselheiro climático dos EUA, John Podesta, considerou um desafio a tentativa de cobrar ambição saudita nas negociações.

Ativistas e vozes proeminentes na cúpula criticaram a estagnação dos compromissos para acabar com o uso de combustíveis fósseis. “Os países ricos em petróleo precisam ver que seus esforços para adiar o inevitável fracassarão. A transição da energia verde ganhou um impulso imparável”, disse Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e presidente da organização The Elders. 

Já Tracy Carty, especialista em política climática do Greenpeace, disse que a indústria de combustíveis fósseis “foi poupada de qualquer responsabilidade” para contribuir com o financiamento climático.

Na COP29, os países firmaram um acordo abrindo caminho para a criação de um mercado de carbono global. Os defensores da medida a descrevem como uma ferramenta necessária para limitar o aquecimento global a 1,5 °C em comparação ao período antes da Revolução Industrial. Críticos, por sua vez, argumentam que esse mercado não contribui para reduzir as emissões.

pessoa assina documento ao lado de mesa com notebooks
Entre os acordos assinados na cúpula do Azerbaijão, um deles abriu o caminho para a regulamentação de um mercado global de carbono — ferramenta controversa, que tem sido questionada quanto ao seu potencial de capturar e reduzir emissões (Imagem: Kiara Worth / UN Climate Change, CC BY NC SA)

O mecanismo foi incluído no Acordo de Paris de 2015, mas sua implementação tem sido objeto de longos debates nas COPs seguintes. Agora, países e empresas poderão comercializar créditos equivalentes a uma tonelada de CO₂ evitada ou capturada da atmosfera, com regras a serem concluídas em 2025. 

“A ONU aprovou mercados de carbono fraudulentos e fracassados. Já vimos os impactos desses esquemas: grilagem de terras e violações dos direitos humanos e dos povos indígenas”, disse Kirtana Chandrasekaran, ativista da organização Friends of the Earth International. “A suposta ‘COP do financiamento climático’ se transformou na ‘COP das falsas soluções’”.

Financiamento climático da China

As responsabilidades da China em relação à meta financeira também foram objeto de discussão na COP29.

No segundo dia da cúpula, o vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, destacou que, desde 2016, a China financiou mais de 177 bilhões de yuans (cerca de R$ 140 bilhões) para enfrentar as mudanças climáticas em países em desenvolvimento.

Mesmo assim, a China tem sido cobrada a assumir mais responsabilidade. Vários delegados argumentam que a classificação de 1992, que rotulou a China como uma nação em desenvolvimento, está desatualizada. Uma análise recente do veículo ambiental Carbon Brief estimou que as emissões históricas da China já causaram mais aquecimento global do que as emissões combinadas dos 27 membros da União Europeia. Esse dado reforça o argumento de que a China, como potência econômica global, deveria aumentar sua contribuição. 

A China tem resistido às pressões. Zhao Yingmin, chefe da delegação chinesa, disse à imprensa que discorda da reclassificação e que essa mudança poderia minar a confiança e a cooperação entre as partes.

Zhao enfatizou que as negociações devem seguir os termos do Acordo de Paris, que impõem obrigações financeiras apenas aos países desenvolvidos, mas incentivam outras partes a dar apoio voluntário: “A cooperação Sul-Sul da China é voluntária, em contraste com as obrigações das nações desenvolvidas”, disse ele.

Li Shuo, diretor do China Climate Hub do Asia Society Policy Institute, alertou que pressionar a China a contribuir com o financiamento climático igual ao de nações desenvolvidas seria contraproducente. “Isso poderia prejudicar a confiança e reforçar as divisões”, disse ele, defendendo o foco na união e na colaboração.

Enquanto isso, a ausência de liderança dos EUA nas negociações criou uma lacuna significativa, descrita como “insubstituível” pelo enviado da China para o clima, Liu Zhenmin. Ele sugeriu que a União Europeia pode assumir parcialmente esse papel e liderar os países desenvolvidos para cumprir seus compromissos financeiros. 

No entanto, os mecanismos multilaterais continuarão sendo o eixo central do enfrentamento da crise climática nos próximos quatro anos. A perspectiva de liderança conjunta entre a China e a UE é “otimista, mas difícil de acontecer”, disse Liu Zhenmin. 

América Latina na COP29

Como de costume, a América Latina não chegou com uma visão unificada para a COP29.

Para o Paraguai, a Argentina, o Uruguai e o Brasil, a agricultura foi um dos principais pontos da agenda.

Seus delegados ignoraram a pegada de carbono do setor e questionaram recentes medidas internacionais, como a legislação antidesmatamento da União Europeia. “Reduzimos as emissões da pecuária, mostrando que a sustentabilidade e a produtividade são compatíveis”, afirmou o ministro do Meio Ambiente do Uruguai, Robert Bouvier.

Já para a Colômbia, a transição energética e a crise da dívida dos países em desenvolvimento são prioridades. Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente, participou das duas semanas da cúpula. “Os países concordaram em trabalhar para chegar a US$ 1,3 trilhão, por meio de instrumentos como impostos globais”, disse Muhamad. “Isso poderia ajudar os países com alto endividamento a conseguir o capital necessário para suas transições energéticas”. 

O resultado da NCQG foi amplamente questionado por líderes da região. Diego Pacheco, principal delegado da Bolívia, disse que os países desenvolvidos “pressionam os países em desenvolvimento por mais ambição enquanto expandem seus projetos de combustíveis fósseis”. Em vez de financiamento climático, ele disse que os países desenvolvidos oferecem “ilusões, fumaça e espelhos”, descrevendo a nova meta financeira como “um insulto” ao mundo em desenvolvimento.

O enviado especial do Panamá para as mudanças climáticas, Juan Carlos Monterrey Gómez, adotou um tom semelhante: “Acho que o 1,5 °C [meta de aquecimento global] estava na unidade de terapia intensiva, e parece que a cama quebrou e caiu no chão. Portanto, provavelmente não conseguiremos manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C com esse baixo nível de financiamento”.

Negociadores no encerramento da COP29
Negociadores no encerramento da COP29. A ausência de uma visão compartilhada entre as nações latino-americanas, a resistência da China em ser considerada um país desenvolvido e o retorno de Trump ao poder nos EUA alimentaram as tensões na cúpula (Imagem: Vugar Ibadov / UN Climate Change, CC BY NC SA)

Rumo à COP30 no Brasil

Com uma meta de financiamento — embora bastante criticada —, os países terão a missão de apresentar seus novos planos climáticos, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Espera-se que estejam prontos antes da próxima cúpula climática, a COP30, marcada para novembro de 2025 em Belém do Pará.

Atualmente, o mundo marcha rumo a um aquecimento global de 3,1 °C acima dos níveis pré-industriais até o fim do século, segundo estimativa de um relatório da ONU. Cientistas estão “praticamente certos” de que este ano será o mais quente já registrado. Enquanto isso, os países lidam com o aumento de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e ondas de calor. 

Até o momento, apenas os Emirados Árabes Unidos, a Suíça e o Brasil apresentaram suas novas NDCs. Outros países anunciaram metas de redução de emissões, como o Reino Unido, mas ainda não apresentaram seus novos planos climáticos. 

Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe da 350.org, disse que o fato de o Brasil assumir a presidência da COP30 dá ao mundo a chance de mudar seu rumo: “O Brasil tem que mostrar liderança climática, pedindo aos países que apresentem metas climáticas ambiciosas que levem a uma transição energética justa”.

No encerramento da plenária, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil e candidata à próxima presidente da COP, reforçou a necessidade de continuar trabalhando para conseguir um acordo financeiro mais justo. “Na COP30, nosso objetivo será fazer o que for necessário para manter o 1,5 °C ao nosso alcance”, disse ela, acrescentando que a COP29 foi “uma experiência difícil”.