Clima

COP30: ‘Eles nos convidam para falar, mas não para decidir’

Dunio Chiriap Jimbicti, comunicador do povo indígena Shuar, reflete sobre sua experiência na COP30 e critica a falta de espaço real para comunidades amazônicas em fóruns de negociação
<p>Representantes da Associação Indígena Unindo Etnias protestam em Belém do Pará, durante a COP30, em novembro. Povos indígenas de diferentes partes do mundo pediram mais participação nas decisões na conferência climática da ONU (Imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/unfccc/54928783672/in/dateposted/">Diego Herculano</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/unfccc">UN Climate Change</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/deed.en">CC BY NC SA</a>)</p>

Representantes da Associação Indígena Unindo Etnias protestam em Belém do Pará, durante a COP30, em novembro. Povos indígenas de diferentes partes do mundo pediram mais participação nas decisões na conferência climática da ONU (Imagem: Diego Herculano / UN Climate Change, CC BY NC SA)

Quando pisei pela primeira vez em Belém, cidade-sede da COP30, a 30ª conferência climática das Nações Unidas, o que me chamou a atenção não foram os grandes banners azuis da ONU ou as filas intermináveis de delegados: foi o ar. Aquele ar úmido que gruda na pele, denso, quente, pesado com o cheiro do rio, das folhas velhas, do tempo parado. Era um ar que reconheci como um parente distante.

Belém exala o cheiro e a umidade da Amazônia.

Porém, mesmo no coração da maior floresta tropical do planeta, habitada e protegida por muitas comunidades indígenas, nem sempre parecia que a COP30 falava a mesma língua dos amazônidas. As palavras que inundavam os painéis – mitigação, adaptação, financiamento, transição justa – pareciam vir de um mundo paralelo àquele habitado pelas comunidades que dependem diretamente do rio, da floresta e dos ciclos climáticos — fenômenos concretos e palpáveis, não abstrações conceituais.

Nota da edição

Esta reportagem faz parte do programa Vozes Indígenas, do Dialogue Earth. Os oito bolsistas são jornalistas e escritores indígenas do Sul Global. O projeto visa valorizar as temáticas, narrativas, práticas jornalísticas e percepções dos povos originários.

Mais de uma vez, enquanto vagava pelos corredores da conferência, pensei em meu avô. Ele sempre dizia que a floresta é um ser vivo que escuta. Perguntei-me o que ele pensaria se visse esta cena: milhares de pessoas discutiam sobre as formas de salvar a Amazônia, mas poucas delas conheciam o silêncio da alvorada no rio ou o som da floresta ao entardecer.

A COP parecia falar sobre a Amazônia sem realmente tê-la escutado.

Comunicador indígena na COP30

Participar da COP30 como comunicador indígena é como andar sobre dois mundos distintos.

Por um lado, você está em salas com ar-condicionado onde se discutem políticas globais; por outro, você carrega consigo a memória de seu território, a voz da sua comunidade, as histórias dos anciãos, as preocupações dos mais jovens. No meu caso, esse território é a comunidade Shuar de San Luis Ininkis, na Amazônia equatoriana.

Essa dupla perspectiva – de dentro e de fora – torna-se uma ferramenta para interpretar a COP30 não apenas como um espaço técnico, mas também como um espaço político, simbólico e profundamente desigual.

De fora, os povos indígenas ainda são apresentados como guardiões da floresta, como símbolos de sabedoria — embora seus conhecimentos ancestrais dificilmente sejam integrados na tomada de decisão em casos reais.

De dentro, descobri algo que dói admitir: o sistema global de negociações climáticas não foi projetado para facilitar a participação dos povos indígenas.

Uyunkar Domingo Peas Nampichkai, líder do povo Ashuar, resumiu essa situação enquanto caminhávamos entre os pavilhões: “Eles nos convidam para falar, mas não para decidir”.

Essa frase deveria estar estampada na entrada de todas as conferências do clima.

Além das imagens oficiais

As imagens oficiais do evento mostram sorrisos, discursos e cerimônias. Mas a realidade é muito diferente para os povos indígenas participantes do evento.

Ouvi líderes indígenas discutindo sobre as dificuldades para pagar suas refeições, enquanto do outro lado se falava sobre os milhões de dólares em fundos climáticos.

Vi delegações sem hospedagem confirmada e jovens amazônicos usando celulares emprestados para manter suas comunidades informadas.

Testemunhei como, em um painel, a palavra “território” foi traduzida três vezes como “terra disponível”.

Para nós, território não é um recurso. É corpo, memória, espiritualidade, história, rio, montanha, tempo e conexão.

Vim esperando acordos, mas só encontrei discursos
Tony Chimbo, jovem líder do povo Kichwa

Um grupo de mulheres indígenas Yanomami da Amazônia brasileira abriu um painel com cânticos tradicionais. Não era um show musical: era uma forma de invocar os espíritos da floresta, pedir permissão e canalizar energia. Muitos não entenderam; nós, que viemos no território, entendemos.

Nos corredores das salas de conferências, ouvi as vozes de vários líderes indígenas do Equador.

Carla Medrano Criollo, líder Siona que veio com a delegação da Confederação das Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae), falou com sinceridade: “Aqui só nos ouvem se falarmos a língua deles”.

Tony Chimbo, jovem líder Kichwa que participava de uma COP pela primeira vez, revelou-se frustrado com o resultado da conferência: “Vim esperando acordos, mas só encontrei discursos. Mesmo assim, voltarei [às próximas COPs]. Se não estivermos lá, outros decidirão por nós”.

Juan Bay, presidente da nacionalidade Waorani, fez uma pergunta em um painel que ficou na minha cabeça: “Por que vocês estão falando sobre o futuro se não estão protegendo o presente?”

Juan Bay (ao centro, com bolsa e coroa de penas) participa de painel da COP30
Juan Bay (ao centro, com bolsa e coroa de penas) participa de painel da COP30 com outros representantes indígenas (Imagem: Dunio Chiriap Jimbicti)

Essas frases, olhares e silêncios constroem um mapa emocional e político da COP30 que nenhum documento oficial captura.

Equador na COP30

O Equador desempenhou um papel fundamental entre as delegações amazônicas. As intervenções do governador da província de Morona Santiago, Tiyua Uyunkar, e do presidente da Confeniae, José Esach, contribuíram para o discurso indígena amazônico no cenário internacional.

Em uma mesa-redonda, Uyunkar apresentou uma proposta para garantir financiamento direto para as nacionalidades indígenas, sem intermediários. Ele também cobrou o fortalecimento das lideranças subnacionais, a promoção de novas economias florestais baseadas na bioeconomia e a soberania digital indígena como ferramenta para a autonomia tecnológica.

O discurso de Uyunkar destacou algo fundamental: os territórios amazônicos não devem ser beneficiários passivos, mas atores centrais na governança climática global.

Esach foi direto ao ponto: “A Amazônia tem sido protegida pelos povos indígenas há milênios, mas continuamos excluídos das decisões que definem nosso futuro”.

Araras na comunidade indígena Shuar de San Luis Ininkis, na Amazônia equatoriana
Araras na comunidade indígena Shuar de San Luis Ininkis, na Amazônia equatoriana. Na COP30, lideranças indígenas amazônicas destacaram o papel milenar de seus povos na proteção da floresta (Imagem: Dunio Chiriap Jimbicti / Dialogue Earth)

O presidente da Confeniae reivindicou que os povos indígenas não só fossem consultados, mas empoderados para participar de fato das discussões e decisões — um chamado ao qual a comunidade internacional precisa responder.

Em busca de resultados concretos

As discussões em Belém trouxeram muitos argumentos sólidos sobre justiça climática, financiamento direto para os povos indígenas, direitos territoriais e soberania comunitária. Essas palavras circularam em painéis, discursos e conversas diplomáticas. Mas, no final, nenhuma delas se transformou em compromissos concretos. 

Houve progresso na adoção de alguns conceitos, sim, mas foi um avanço discursivo — algo como uma vontade, não um compromisso. A distância entre o que é dito ao microfone e o que acontece na prática ainda é grande.

Os resultados reais não virão do que ocorreu em Belém, mas do trabalho das comunidades nos territórios: monitoramento, coordenação e pressão política. A mudança exige coordenação genuína entre autoridades indígenas e governos, enquanto o ritmo lento dos processos internacionais contrasta com a urgência vivida nos territórios, fazendo com que muitos avanços se percam em longas negociações.

Com suas ações na COP30, representantes amazônicos ampliaram sua presença no debate global. Nossa força incomoda, questiona e reorganiza, mas ocupar espaço não é o mesmo que exercer poder. A adaptação climática segue sendo pensada fora dos territórios e, embora haja disposição para ouvir, falta abrir mão do controle necessário para mudar de fato o rumo das decisões climáticas.

Ativista brasileira Txai Suruí, do povo indígena Paiter Suruí, conversa com o secretário-geral da ONU, António Guterres
Ativista brasileira Txai Suruí, do povo indígena Paiter Suruí, conversa com o secretário-geral da ONU, António Guterres, em sessão da COP30 (Imagem: Kiara Worth / UN Climate Change, CC BY NC SA)

Se as vozes indígenas forem contempladas, os resultados serão visíveis. Mas, se a vontade política se dissipar e as decisões ficarem presas na burocracia global, a COP30 será lembrada como uma oportunidade perdida de ouvir a floresta e aqueles que a habitam.

Nossa voz na COP e além

Belém me deixou com uma profunda certeza: a luta climática não se define nas salas de negociações, mas nos territórios. O futuro da Amazônia será decidido nos rios, nas comunidades, nas florestas que ainda respiram e resistem.

Os povos amazônicos continuarão presentes, não porque confiamos plenamente no sistema de negociação da ONU, mas porque sair desse espaço significa que outros contarão a história da Amazônia por nós. E, quando outros a contam, a floresta deixa de ser um ente vivo e vira apenas um recurso.

Nossa voz — a voz dos povos que habitam a floresta — não só deve estar presente nas COPs como deve definir o rumo da diplomacia climática e ambiental.

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