Clima

Como escolas argentinas adaptam salas de aula contra calor extremo

Especialistas apostam em projetos de redesenho urbano como forma de enfrentar a crise que deixou 30 milhões de alunos na América Latina sem aulas no ano passado
<p>Ondas de calor foram o principal fator climático para o fechamento de escolas em todo o mundo no último ano. Na Argentina, muitas crianças foram impactadas (Imagem: Lucila Pellettieri / Global Press / Alamy)</p>

Ondas de calor foram o principal fator climático para o fechamento de escolas em todo o mundo no último ano. Na Argentina, muitas crianças foram impactadas (Imagem: Lucila Pellettieri / Global Press / Alamy)

“As escolas foram projetadas em uma época em que a crise climática não era um problema”, explicou Rodrigo Ferreyra, professor de educação ambiental na cidade argentina de Rosário, na província de Santa Fé.

Hoje, na terceira cidade mais populosa da Argentina, isso virou um problema: Rosário enfrentou 23 ondas de calor nos últimos 15 anos, o mesmo número acumulado nas cinco décadas anteriores, segundo dados do Serviço Meteorológico Nacional do país. Lá, a onda de calor é definida quando a temperatura mínima ultrapassa os 20,5 °C e a máxima os 33,4 °C por três dias seguidos. A mais longa onda de calor em Rosário ocorreu em março de 2023 e durou dez dias.

Naquele ano, uma escola da cidade chamou a atenção ao sugerir que os alunos fossem às aulas em trajes de banho para enfrentar o calor.

Em março deste ano, as aulas foram interrompidas em 20 escolas particulares e 18 públicas devido ao calor intenso, segundo dados do sindicato de professores compartilhados com o Dialogue Earth.

A Argentina não é um caso isolado.

Em 2024, as ondas de calor foram o principal fator climático para forçar o fechamento de escolas em todo o mundo, conforme a Unicef. Na América Latina e no Caribe, 30 milhões de estudantes sofreram interrupções significativas em sua rotina de ensino como resultado de ondas de calor, inundações, ciclones e tempestades severas.

O calor traz grandes riscos à saúde: desidratação, insolação, mau funcionamento dos órgãos e até morte. As crianças são particularmente suscetíveis, pois seus corpos menores têm mais dificuldade para regular o calor em comparação com os adultos.  Nas escolas, a falta de autonomia pode torná-las ainda mais vulneráveis, pois muitas não podem baixar sua temperatura corporal indo para áreas mais frescas ou se hidratando quando querem. 

Francisco Chesini, pesquisador de saúde pública na Universidade Nacional de Avellaneda, em Buenos Aires, disse que a intensificação das ondas de calor associadas à crise climáticas devem intensificar os debates na Argentina sobre as estratégias de adaptação nas escolas.

Pedestres enfrentam calor extremo em Buenos Aires, em janeiro de 2022
Pedestres enfrentam calor extremo em Buenos Aires, em janeiro de 2022. Ondas de calor mais intensas e frequentes associadas às mudanças climáticas são um problema em toda a Argentina (Imagem: Martin Zabala / Imago / Alamy)

As altas temperaturas podem causar desidratação, dores musculares, inchaço e tontura ou desmaios em crianças. “Se algum desses sintomas não for tratado, pode desencadear o que é conhecido como insolação, uma condição que requer hospitalização imediata porque a temperatura do corpo excede os níveis normais e precisa ser controlada”, explicou Chesini.

Para o pesquisador, suspender as aulas não é uma opção, pois viola o direito dos alunos à educação. No curto prazo, as melhores soluções incluem formas rápidas de resfriamento dos ambientes, como o uso do ar-condicionado; para médio e longo prazo, seriam necessários protocolos para lidar com ondas de calor e reformular o projeto dos próprios prédios escolares.

Solução de curto prazo

Quando as temperaturas estão muito altas, o resfriamento dos ambientes depende de ventiladores ou aparelhos de ar condicionado. 

“Há muitas críticas contra o uso dos equipamentos de ar condicionado do ponto de vista da sustentabilidade”, disse Patricia Fabian, pesquisadora da Universidade de Boston que estuda o uso desses aparelhos em escolas nos Estados Unidos.

As unidades de parede podem ser instaladas a um custo baixo, mas são menos eficientes do que os sistemas centrais projetados para resfriar edifícios inteiros.

“Elas não são eficientes em termos energéticos, as pessoas as ligam no máximo, inclusive para se aquecer no inverno, e isso aumenta a demanda de energia. Mas a alternativa a isso é fechar as escolas, gerando enormes implicações no aprendizado, no trabalho dos pais e no cuidado das crianças”.

Em muitos países da região, a combinação de redes elétricas precárias e custos elevados de aquisição e operação do ar condicionado levaram algumas escolas a procurar soluções mais estruturais: mudar os edifícios e o próprio planejamento das cidades onde eles foram construídos.

Edifícios resilientes ao calor

Em termos arquitetônicos, o segredo é aproveitar o “atraso” do processo de aquecimento dos ambientes, explicou o arquiteto Adolfo Schlieper, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Rosário.

A luz solar não aquece instantaneamente as salas de aula. O calor demora para atravessar paredes e janelas, e esse tempo depende dos materiais usados e de sua espessura.

Paredes, janelas e telhados têm “coeficientes de redução de calor”, que podem ser modificados com métodos de isolamento térmico, como lã de vidro. A espessura das paredes pode ser ampliada e, caso o teto seja alto, a construção de um teto falso ajuda a criar uma câmara de ar, disse Schlieper, conservando a temperatura no ambiente interno. A construção de novas escolas com essas técnicas pode ajudar a mitigar os efeitos das ondas de calor.

O arquiteto também cita materiais e soluções mais inovadores e fáceis de instalar, como painéis de chapa ondulada com poliuretano injetado. Porém, esses materiais são mais caros do que os convencionais e muita gente prefere fazer escolhas apenas pelos preços menores, “sem considerar os efeitos da crise climática global”.

A cidade de Rosário tem 437 escolas de ensino fundamental e 312 de ensino médio, de acordo com dados do Departamento de Cultura e Educação do município. Especialistas alertam, no entanto, que o ideal não é aplicar uma única solução, mas analisar cada caso.

O Dialogue Earth entrou em contato com a Secretaria de Educação da província de Santa Fé para entender quais são as iniciativas do governo local para resolver o problema de calor nas escolas, mas o órgão não respondeu.

Mudança no planejamento urbano

As escolas não estão isoladas do resto das cidades. Resfriar o ambiente ao redor delas também pode ajudar a aliviar a sensação de calor. Essa abordagem envolve a abertura de mais áreas verdes e azuis, como parques arborizados e lagos.

Em 2007, a Câmara Municipal de Rosário aprovou um plano para criar o programa “Terraços Verdes”, que promove o uso de vegetação nos prédios da cidade para melhorar a qualidade do ar nas áreas urbanas. Porém, a iniciativa era voluntária, e não houve ampla adesão.

A subsecretária de Mudanças Climáticas de Rosário, María del Pilar Bueno, afirmou que o município também está desenvolvendo um projeto-piloto junto a moradores do bairro de Moreno para ampliar as áreas verdes no entorno.

“Não se trata apenas de plantar árvores, mas de remover concreto e criar superfícies que reduzam o calor”, disse ela. “É um projeto participativo que está sendo desenvolvido do zero”.

Atualmente, 22 projetos na Argentina incorporaram soluções baseadas na natureza, de acordo com um estudo das pesquisadoras Natasha Picone e Valeria Duval. Isso não inclui o projeto em Moreno, iniciado recentemente.

Geógrafa e professora da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires, Picone enfatizou que o conhecimento local é vital para o sucesso dessas soluções, que podem trazer benefícios para a biodiversidade e a segurança hídrica e alimentar, além de efeitos para o resfriamento urbano.

De acordo com ela, é importante analisar o tipo de vegetação escolhida para reduzir a temperatura, considerando seu uso a partir de uma perspectiva social e a manutenção dessa infraestrutura verde.

Nos últimos 15 anos, a cidade de Rosário enfrentou 23 ondas de calor
Nos últimos 15 anos, a cidade de Rosário enfrentou 23 ondas de calor. Especialistas propõem abrir mais áreas arborizadas e com espelhos d’água para mitigar o calor (Imagem: Milou / Flickr, CC BY-NC-ND)

Como especialista em climatologia urbana e desenvolvimento sustentável, Picone propõe ir além e planejar cidades com mais ruas arborizadas e infraestrutura azul, como lagos e lagoas. Essas grandes transformações exigem uma abordagem abrangente que também inclua as comunidades escolares. “Elas podem ajudar a conscientizar as pessoas sobre esses fenômenos cada vez mais frequentes, que provavelmente seguirão aumentando”, disse a geógrafa.

Rosário criou a Rede de Escolas em Ação pelo Clima, que reúne mais de dois mil professores em atividades ligadas ao Plano Local de Ação pelo Clima. Essa ferramenta desenvolvida pelo município visa adaptar a cidade às mudanças climáticas com uma série de iniciativas, como a promoção do uso de bicicletas, a instalação de microusinas hidrelétricas e o uso de resíduos alimentares escolares para gerar biogás.

Verão preocupa

O planejamento urbano diante do aumento contínuo das temperaturas é uma preocupação de muitas cidades ao redor do mundo, inclusive aquelas que historicamente não sofriam problemas com o calor. Já para aquelas tradicionalmente mais quentes, estratégias de adaptação são cada vez mais urgentes.

“O norte do México fica muito quente, e a maioria das escolas não tem ar condicionado, porque há uma ideia de que, no verão, as crianças não estão na escola”, disse Patricia Fabian, da Universidade de Boston. “Porém, agora o calor chega antes e com mais força, e isso virou um problema”.

professora dá aula para crianças em Oaxaca, no México
No norte do México, o calor é um problema crescente em escolas como esta em Oaxaca, já que as temperaturas do verão se estendem além das férias escolares (Imagem: Jim West / Alamy)

Levar em consideração o calor ao construir e planejar as cidades significa que, quando for necessário resfriar, isso poderá ser mais barato e ecológico.

“Se você climatizar um edifício, adicionando isolamento e vedação hermética, será mais fácil resfriá-lo”, disse Fabian. “Em nível de bairro, se você plantar árvores – e na cidade em particular, onde você reduz a ilha de calor urbana –, também não precisará de tanto ar condicionado”.

Algumas dessas soluções podem trazer benefícios em outras frentes. Em escolas públicas de Boston, por exemplo, foram instalados sensores que medem a temperatura e a qualidade do ar. Esses sensores são usados para a tomada de decisão sobre o fechamento de escolas, o ajuste da temperatura nas salas de aula e a correção de problemas em sistemas de refrigeração.

Embora o tema ainda não tenha um grande peso nas discussões climáticas globais, a agenda vem avançando aos poucos: nesta terça-feira, a Organização das Nações Unidas sediou uma reunião de alto nível sobre a qualidade do ar em áreas fechadas, na qual foi lançado um Compromisso Global para um Ar Interno Saudável.

“Respirar ar puro em ambientes fechados – onde a maioria das pessoas passa 90% do tempo – é um direito humano global, assim como beber água potável”, afirmou Fabian.

Ensino na era das mudanças climáticas

Na Argentina, a legislação determina que as questões ambientais sejam incluídas nos planos escolares. Segundo a Lei de Educação Ambiental de 2021, os alunos devem ser capazes de “refletir a fim de gerar uma consciência crítica que lhes permita pensar em soluções”, disse Ferreyra, professor que trabalha em Rosário. 

Ele ensina sobre mudanças climáticas na Escola Municipal de Jardinagem, e suas tentativas de educar os alunos sobre esse tema estão entrelaçadas com a interrupção do aprendizado devido ao aumento das temperaturas e aos riscos que isso acarreta.

“Até que ponto a transmissão [de conhecimento] que desejo alcançar pode ser dissociada da crise planetária?”, questionou o professor Rodrigo Ferreyra. “O fator ambiental torna-se central para o processo de aprendizagem dos alunos. A crise climática está aqui conosco e a hora de agir é agora”. 

Katharine Sanderson colaborou com a reportagem.

Esta reportagem do Dialogue Earth faz parte do projeto Community Adaptations to City Heat, em parceria com a Universidade de Boston. O projeto é financiado pela organização Wellcome.

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