O setor automotivo da China está em franca expansão no México. Oito marcas chinesas já vendem seus veículos no país, operam três fábricas de montagem, duas têm planos de levar sua produção para lá e várias outras fabricam peças em solo mexicano. Agora, com a popularização dos veículos elétricos (VEs), a expectativa é que os investimentos sigam crescendo no setor.
Não faltam incentivos para que as montadoras chinesas invistam no México. Com um setor bem desenvolvido e baixos custos de produção, o país oferece vantagens logísticas e uma porta de entrada para a exportação de VEs aos Estados Unidos.
Para as fabricantes chinesas, o investimento no exterior é uma solução em meio à forte concorrência de um mercado interno saturado: a China tem a maior malha de veículos elétricos do mundo — um a cada quatro automóveis vendidos no país é elétrico. Nessa disputa, 20% das 148 marcas respondem por 90% do mercado de elétricos, e uma guerra de preços fez com que apenas dez tenham obtido lucro no primeiro trimestre deste ano, segundo o The China Project. Essa forte concorrência pode fazer com que mais de 60% das empresas do setor fechem as portas nos próximos três anos, afirmou à publicação Zhū Huáróng, presidente da Changan Automobile.
Já o crescente mercado de elétricos nos EUA, vizinho do México, apresenta oportunidades para as montadoras chinesas. Graças aos incentivos da Lei de Redução da Inflação dos EUA, que criou as bases para a política de industrialização verde no país, os veículos elétricos poderão responder por 52% das vendas de automóveis nos Estados Unidos até 2030, batendo a meta de 50% do governo americano.
As empresas chinesas podem ainda tirar vantagem de um regra comercial regional: pelo acordo EUA-México-Canadá, se 66% das peças de um veículo forem fabricadas na América do Norte, os fabricantes poderão exportá-las para os EUA com isenção de impostos. Porém, isso tem gerado críticas da indústria local — como montadoras canadenses preocupadas com sua capacidade de competir com as empresas chinesas.
Enquanto o México dá as boas-vindas aos novos investimentos, algumas dúvidas pairam no ar: em um país onde o setor de transportes é responsável por quase um terço das emissões de carbono, a expansão dos VEs pode ajudar a acelerar sua eletromobilidade?
Montadoras chinesas se expandem no México
As montadoras chinesas vendem veículos elétricos e convencionais no México há mais de uma década e, nos últimos anos, garantiram sua posição entre as principais marcas de carros no país. Automóveis fabricados na China por marcas como a alemã BMW e a americana Chevrolet também são vendidos no México.
Três fabricantes chinesas de VEs já têm fábricas de montagem no México: a Foton, subsidiária da Beijing Automotive Group, que produz caminhões, ônibus e SUVs; a JAC Motors, que oferece três modelos de VEs no país; e a fabricante de ônibus e caminhões Shacman. Já a Chery e sua subsidiária Jetour anunciaram a intenção de construir fábricas no México.
Além disso, pelo menos sete fornecedoras chinesas de autopeças anunciaram que buscam levar sua produção ao México para abastecer o crescente setor de carros elétricos no país.
Desde 2019, a Foton tem uma fábrica de montagem de caminhões no estado de Jalisco, no oeste do México. Seus próximos planos incluem a construção de outra fábrica para veículos a combustão e elétricos — a produção começaria em 2025, com um investimento de mais de US$ 1 bilhão. A empresa já acertou uma parceria com a chinesa CATL, maior produtora mundial de baterias para veículos elétricos, como parte de um projeto de reciclagem e conserto de componentes.
Em março, a Jetour anunciou que investirá US$ 3 bilhões para criar uma fábrica de montagem de carros convencionais e elétricos. A operação deve iniciar até o fim de 2024, mas o local de construção da unidade industrial ainda não foi confirmado. A empresa terá uma parceria com a mexicana LDR Solutions, que já foi representante de marcas chinesas como a BYD, a Jetour e a CATL.
As empresas chinesas parecem confiar na experiência de seus colegas no México. Desde 2017, a JAC Motors, por exemplo, trabalha em parceria com a Giant Motors, do magnata mexicano Carlos Slim (que, na década passada, foi a pessoa mais rica do mundo), em uma fábrica no estado de Hidalgo.
Osmar Zavaleta, pesquisador da Escola de Negócios do Instituto de Tecnologia e Ensino Superior de Monterrey, diz que as montadoras buscam o México devido à sua capacidade técnica e logística avançada — que vai de encontro à posição de liderança da China em eletromobilidade.
“O potencial do México é enorme. Devido às mudanças climáticas e à necessidade predominante de parar de emitir gases de efeito estufa com o transporte público e privado, a eletromobilidade assumirá uma importância ainda maior nos próximos anos”, explica Zavaleta ao Diálogo Chino. “A adesão aos carros elétricos ocorrerá mais rapidamente. Isso abre uma grande oportunidade para que as montadoras chinesas aproveitem tudo o que o México oferece”.
Em 2021, o México foi o sexto maior exportador de VEs do mundo, tendo como principais destinos os EUA, a Bélgica e a Noruega. Ao mesmo tempo, importou automóveis elétricos americanos, alemães e chineses. O problema, para os mexicanos, ainda é o alto preço desses modelos, o que representa uma barreira para sua adoção em massa.
Mexicanos abrem as portas, mas querem mais
Há apenas alguns anos, os veículos chineses eram raros nas ruas mexicanas, mas têm se tornado cada vez mais comuns. No primeiro semestre de 2019, 4.156 carros de marcas chinesas foram vendidos no México, apenas 0,6% das vendas totais; no mesmo período deste ano, foram 69.464, representando 9,3% das vendas, com pelo menos oito marcas oferecendo modelos elétricos e com motor a combustão.
Em um país com mais de 53 milhões de veículos em circulação, cerca de 5% são híbridos ou elétricos, mas desses apenas 5% são chineses, conforme a Associação Mexicana da Indústria Automotiva (Amia).
Veículo elétrico (VE) é aquele que é totalmente eletrificado e não depende de gasolina, diesel ou gás para funcionar. Já os veículos híbridos combinam motores de combustão interna com baterias elétricas. Ainda há a categoria dos híbridos plug-in, que têm baterias mais potentes e recarregáveis em tomadas, enquanto que os híbridos convencionais podem recarregar sua bateria com o movimento do próprio motor.
Embora a expansão das montadoras chinesas no México avance rapidamente, elas podem encarar outro tipo de concorrência no setor de VEs.
Com a intenção de reduzir suas emissões, o engenheiro mexicano Rafael Contreras, 54 anos, comprou seu primeiro carro não-convencional há 16 anos. Foi um Toyota Prius híbrido, que ele descreve como um carro agradável, com baixo consumo de gasolina e recarga rápida.
Mais tarde, como resultado de uma escassez de combustível que o México sofreu em 2019, Contreras comprou um Chevrolet Volt híbrido plug-in, que sua esposa usa com mais frequência. Também naquela época, ele comprou um Tesla 3 totalmente elétrico.
“Eu nem percebo quando [o Tesla] está carregando. Chego em casa, conecto o carro na tomada e, quando saio no dia seguinte, ele já está pronto. Só preciso carregar uma vez por semana”, explica o engenheiro.
Contreras, que também tem painéis solares e baterias elétricas em casa, usa o veículo para ir de casa ao trabalho. Nos últimos anos, ele viu uma grande redução nos custos de transporte devido à economia com o menor uso de gasolina e a baixa manutenção.
“Pelo resto da minha vida, eu seguiria usando carros elétricos”, afirma Contreras. “Seguiria com o Tesla, porque a parte tecnológica é muito robusta. Os carros chineses não me chamam tanto a atenção. Em qualidade, eles não competem. [O Tesla] é mais seguro que os carros da BYD e da JAC”.
O Programa de Avaliação de Veículos Novos para a América Latina e o Caribe, que testa a segurança dos automóveis contra acidentes, atribuiu uma baixa classificação a um modelo elétrico da JAC em 2022 e a outro veículo convencional da Great Wall Motors em 2021, com pontuação não muito melhor do que suas concorrentes dos EUA, como Ford, Jeep e RAM. Em contrapartida, Chevrolet, Hyundai, Nissan, Toyota, Mitsubishi e Volkswagen obtiveram bons resultados.
No entanto, as experiências de Contreras com veículos elétricos não representam a realidade da maioria dos mexicanos. Embora o governo tenha anunciado planos para aumentar a participação dos veículos elétricos no mercado, ainda há grandes barreiras para que os mexicanos tenham acesso a esses veículos, que, juntos aos híbridos, representaram 4,7% dos 1,1 milhão de carros vendidos em 2022.
Em um dos países mais desiguais do mundo, o preço continua sendo um obstáculo. O salário médio anual do México fica um pouco abaixo de US$ 17 mil, muito aquém do custo médio de um veículo elétrico, de US$ 23 mil.
A falta de infraestrutura de recarga de veículos também é um problema: embora considerada uma meta pouco realista, se o México quiser que os veículos elétricos empatem as vendas com as dos carros convencionais até 2030, serão necessárias cerca de 50 mil estações públicas de recarga, um salto em relação às duas mil atualmente ativas.
Em um país considerado retardatário nas ações climáticas, analistas também apontaram a falta de apoio político local para incentivar uma ampla adoção de veículos elétricos e sua infraestrutura, passo que tem sido central para a expansão desse mercado em países como a China.
“Está faltando a primeira peça de uma estratégia eficaz de VEs: metas de eliminação progressiva [de combustíveis fósseis] para todos os segmentos automotivos”, escreveu o Conselho Internacional de Transporte Limpo em 2022. “O México precisa enviar um sinal claro de sua ambição e velocidade esperada para transformar o setor de transportes, considerando suas metas climáticas e compromissos internacionais”.
Há benefícios para o México?
Para Osmar Zavaleta, do Instituto de Tecnologia e Ensino Superior de Monterrey, é importante que o México elabore uma política industrial que contemple temas como educação, pesquisa, transferência de tecnologia, garantias de investimento, proteção à propriedade intelectual e uma transição para uma matriz energética mais limpa.
“Com esse valor agregado [ao setor de veículos elétricos], espero que os salários melhorem e que seja criada uma política industrial que nos permita equilibrar esses fluxos de investimento, de modo que o país continue sendo atraente para o capital estrangeiro”, explica o pesquisador.
O acordo EUA-México-Canadá estipula que pelo menos 40% do valor de um veículo deve ser proveniente de fábricas que paguem no mínimo US$ 16 por hora aos trabalhadores. Embora os salários tenham melhorado no México, eles ainda estão longe da igualdade regional — no país latino-americano, a média é de US$ 3 por hora.
Apesar do sucesso mexicano na criação de instalações industriais, na qualificação dos trabalhadores e na promoção da cadeia de autopeças, o país não conseguiu elaborar uma política industrial abrangente que traga mais vantagens para o mercado interno. O país só fabrica os automóveis, enquanto o design é feito principalmente nos Estados Unidos, na Alemanha, no Japão ou na China. Os produtores e projetistas locais, como a Zacua, primeira marca de veículos elétricos do México, só conseguem fazer isso em escalas menores.
Em um esforço para impulsionar as energias limpas, o México promoveu iniciativas no âmbito de seu Plano de Energia Sustentável, que inclui a construção de um dos maiores parques solares da América Latina, a exploração de lítio no estado de Sonora e a promoção da fabricação de veículos elétricos. Mas o plano não representa uma política industrial abrangente.
Na opinião de Zavaleta, a situação oferece ao México uma oportunidade de entrar nas cadeias de valor de marcas como Tesla, Ford e outras fabricantes. Mas ele alerta para a urgência de se criar uma política industrial mais forte, que maximize os benefícios do próprio interesse estrangeiro: “Isso tem que acontecer logo. Há um potencial significativo no sudeste do país. Com vontade e trabalho duro, isso pode ser alcançado”.