Discussões comerciais congeladas, licitações de infraestrutura fracassadas e projetos cancelados: tudo parece sugerir que a temporada de sucesso da China no Panamá chegou ao fim de forma abrupta. A pressão da diplomacia americana sobre o governo de Laurentino “Nito” Cortizo, que assumiu o cargo de presidente em maio do ano passado na nação mais geopoliticamente estratégica da América Latina, parece ter sido eficaz
Quando o ex-presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, resolveu estabelecer relações diplomáticas com a China – decisão tomada em junho de 2017 –, a atitude surpreendeu a diplomacia dos Estados Unidos. Mas, mesmo antes disso, empresas chinesas estatais e privadas já estavam vencendo licitações para concessões portuárias, projetos de energia e centros de convenção no país. Nos 18 meses subsequentes à decisão de Varela, isso se intensificou. Dezenas de acordos políticos e comerciais foram assinados, as discussões sobre o livre comércio avançaram em uma velocidade vertiginosa e o Premier da China, Xi Jinping, fez uma visita oficial ao Panamá em dezembro de 2018.
A visita foi o ponto alto das relações sino-panamenhas. No Departamento de Estado americano, porém, a resistência já tinha começado.
Alertas de Washington
Em setembro de 2018, Washington chamou de volta todos os seus chefes de missão que estavam no Panamá, na República Dominicana e em El Salvador, uma vez que esses governos haviam reconhecido Beijing nos meses anteriores. Um mês depois, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, visitou a Cidade do Panamá para alertar o país sobre a “atividade econômica predatória” das empresas chinesas. A pressão de os Estados Unidos acabou com os planos da China de construir uma gigantesca embaixada na foz do Canal.
Cortizo mostrou ser um aliado maleável dos Estados Unidos. Apesar de ser do mesmo partido político que o General Omar Torrijos – o herói nacional que negociou a transferência do canal dos americanos para o Panamá –, a administração de Cortizo acatou as sugestões dos Estados Unidos.
“As posições se inverteram e os EUA são, mais uma vez, o principal player estrangeiro na política interna do país”, disse Rodrigo Noriega, analista político e jornalista.
A China sumiu dos noticiários e dos briefings do Ministério das Relações Exteriores. E uma sucessão de decisões comerciais sugere que o país é cada vez menos importante.
Infraestrutura fora dos trilhos
A proposta chinesa para um trem de alta velocidade que ligaria a Cidade do Panamá ao norte do país, avaliada em 4,1 bilhões de dólares, foi descartada em setembro. Um importante projeto de transmissão elétrica na costa do Caribe tinha um grupo chinês entre os dois licitantes considerados qualificados, mas ele foi cancelado e reformulado como uma parceria público-privada.
Em fevereiro, o Metrô do Panamá, sistema de transporte rápido da capital, confirmou que a coreana Hyundai Engineering seria responsável pela construção da Linha 3 do metrô, um monotrilho elevado com 25 quilômetros de extensão e avaliado em 2,5 bilhões de dólares. A nova linha ligaria o centro da cidade aos subúrbios da região oeste.
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Os licitantes que perderam, incluindo dois consórcios que integravam empresas chinesas, recorreram da decisão original, tomada em novembro. Os chineses da China Railway Group Limited fizeram uma proposta oferecendo um preço mais baixo, mas foram desqualificados por não atenderem aos requisitos técnicos mínimos.
“Em janeiro, ninguém tinha a menor dúvida de que uma empresa chinesa venceria a licitação do metrô”, disse Fernando Aparicio, professor de história da Universidade do Panamá. “Esse é outro sinal de que o governo quer manter distância da China, ou, pelo menos, negociar com a China de uma posição mais forte”.
Alguns dias depois do anúncio sobre o metrô, o Ministério de Obras Públicas confirmou que o projeto de construção de uma nova ponte sobre o canal, concedido em julho de 2018 para um consórcio liderado pela China Harbour Engineering (CHEC) e pela China Communications Construction Company (CCCC), seria reduzido. Em vez de passar sobre a ponte, a Linha 3 do metrô passaria por um túnel escavado a 50 metros abaixo do canal.
Rafael Sabonge, ministro de Obras Públicas, disse que a decisão foi tomada depois que descobriram uma falha geológica embaixo de um dos principais pilares da ponte. A falha atrasaria a construção e implicaria no pagamento de um valor mais alto a título de compensação a terceiros.
No entanto, de um ponto de vista econômico, muitos ainda não estão convencidos de que construir um túnel embaixo do canal faz muito sentido.
“Acredito que dois fatores estão em jogo”, afirma Noriega. “O governo não pode arcar com um atraso na ponte, e há desafios operacionais reais que precisam ser solucionados antes que o metrô possa operar nela. Mas também existe um elemento político. Os garantidores de seguros do Japão não querem financiar um projeto desse tamanho para que uma empresa chinesa seja responsável pela sua construção; os EUA não querem que as empresas chinesas construam diretamente sobre o Canal do Panamá”.
Os Estados Unidos ainda exercem uma influência muito grande sobre os políticos panamenhos por meio da ameaça de negar vistos ou da inclusão na “Lista de Clinton”
A Hutchinson Ports de Hong Kong, operadora “terceirizada” do porto que seria o mais afetado pela construção da ponte, veio a público negar que teria exigido do governo uma compensação pelos prejuízos sofridos durante os atrasos no projeto do consórcio chinês.
O porto já lida com seus próprios problemas. Em 1998, uma empresa então conhecida como Hutchinson-Wampoa venceu o leilão de concessão para operar a Panama Ports Company, contando com um investimento de 10% de uma estatal chinesa. O almirante americano Thomas Moorer disse ao Comitê de Relações Exteriores do Senado que os “chineses comunistas” tinham “praticamente cercado o Canal do Panamá”.
Em fevereiro deste ano, o governo de Cortizo anunciou que auditaria a Panama Ports. “Existe uma corrente muito forte no novo governo contra a renovação da concessão da Panama Ports [que expira em 2022]”, conta Aparicio.
Acordo comercial patina
Enquanto isso, o acordo de livre comércio, que muitos acreditaram que seria apressado por Varela antes que ele deixasse a presidência, continua sem assinaturas. A embaixada chinesa, por sua vez, continua sem um lar permanente. A presença de engenheiros e executivos chineses diminuiu no país. Em abril de 2019, o primeiro voo da Air China – de Pequim para Houston – chegou à Cidade do Panamá. Em fevereiro, no entanto, o serviço foi suspenso.
Como os Estados Unidos conseguiram essa reviravolta?
Segundo Richard Koster, um autor e jornalista que vive no Panamá desde a década de 1950, os Estados Unidos ainda exercem uma influência muito grande sobre os políticos panamenhos por meio da ameaça de negar vistos ou da inclusão na “Lista de Clinton” – uma lista negra de empresas e indivíduos que lucram com a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas, e cujos integrantes estão sujeitos a sanções severas dos procuradores federais americanos.
Em maio de 2016, o executivo panamenho Nidal Waked foi incluído nessa lista e rapidamente veio à falência. Segundo Koster, os políticos locais jamais se esqueceram disso.
“Quem entra na lista é acometido por uma espécie de lepra financeira”, disse ele. “Os políticos do Panamá são todos membros abastados da sociedade e têm ligações com os EUA. Através dos vistos e da Lista de Clinton, os EUA sabem o que fazer para que os seus países clientes se mantenham honestos”.