Energia

Dono das maiores reservas de carvão do Brasil, RS acena para China em busca de investidores

Investimentos no estado iriam contra política chinesa doméstica de reduzir consumo do mineral
<p>imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/asiandevelopmentbank/19950287032">ADB</a></p>

imagem: ADB

Com 90% das reservas de carvão do Brasil e em meio a uma longa e profunda crise financeira, o estado do Rio Grande do Sul decidiu ampliar a exploração do mineral e criar um Polo Carboquímico. A iniciativa permitiria ao governo, combalido por dívidas da ordem de bilhões, criar empregos e renda.

Foram, então, em busca de investimento externo. E encontraram a China.

“A gente sabe que a China como um todo vem investindo na área de energia”, diz a secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, Susana Kakuta. “Há tecnologias que a China usa que já são consolidadas mundo afora, então é um grande ganha-ganha, para eles e para o Brasil, especialmente o RS, em uma oportunidade nova para o carvão gaúcho”.

O investimento ainda não é certo. Mas, segundo ela, há interesse em futuros empreendimentos no polo carboquímico por parte de empresas que já investem no setor energético brasileiro, como a Zhejiang Electric Power Construction Co (ZEPCC).

Alberto Wiebbelling e Tarsi Pires, que prestam consultoria à ZEPCC através das empresas IAB e Buriti, respectivamente, confirmaram que os chineses têm interesse em investir na carboquímica, mas que as negociações ainda não avançaram.

O investimento seguiria uma tendência já firmada. Conforme reportagem do jornal Zero Hora, estatais chinesas já controlam aproximadamente 70% do sistema de distribuição de energia no Estado, além de terem participação em centrais hidrelétricas e parques eólicos.

Esta tampouco seria a primeira vez que a China investe no carvão gaúcho. A fase C da Usina Presidente Médici, em Candiota (também conhecida como Candiota III), foi construída com investimentos chineses e boa parte do equipamento é oriundo de lá, com cifras na casa dos R$ 1,5 bilhão.

“Hoje o setor carboquímico do Brasil está no foco do investidor chinês, o que está relacionado à meta do Xi Jinping de internacionalizar a indústria chinesa”, aponta Wiebbelling, da IAB.

O movimento, no entanto, contrasta com a política doméstica da China, que tem feito esforços para desacelerar o setor carvoeiro internamente, enquanto faz grandes investimentos em tecnologias de energia renovável.

Como o caso do Brasil mostra, o movimento não foi acompanhado pelas iniciativas chinesas internacionalmente. A China vem financiando a exploração do carvão em diversos países.

Por mais que os investimentos sejam bem-vindos para a economia local, ambientalistas estão assustados. O temor é que os novos investimentos prendam o Rio Grande do Sul a atividades que terão impacto na saúde de seus habitantes e na preservação do meio ambiente local por décadas.

“No caso da produção de carvão, há problemas significativos de poluição do ar a nível local e mundial”, explica Kevin Gallagher, diretor do Centro para Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston. “Isso pode prejudicar significativamente os meios de subsistência de comunidades próximas e contribuir para o aquecimento global”.

Um estado em crise

A estratégia do Rio Grande do Sul vai de encontro a movimentos internacionais em prol da redução do uso de recursos fósseis.  Mas o governo estima que se poderia gerar um aumento de R$ 20 bilhões no PIB e 5,4 mil empregos diretos e indiretos entre 2019 e 2042.

Para viabilizar esses planos, o governo gaúcho promulgou, em 2017, a Política Estadual do Carvão Mineral. A norma cria um Polo Carboquímico, que engloba complexos industriais de extração de carvão mineral e produção de derivados.

Há dois processos principais para a produção de energia a partir do carvão. Um é a queima direta do mineral, modo mais poluente. O outro é a produção a partir da gaseificação do mineral, resultando no chamado “gás de síntese” ou syngas, que serve tanto para a produção de energia quanto para a de outros derivados, como amônia e ureia, bases para fertilizantes.

A lei abre margem para ambos os processos de produção, mas a secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, Susana Kakuta, afirma que a proposta do governo é substituir a combustão direta pela produção de syngas.

Porém, para por o plano em prática, é necessário investimento, algo impossível para um estado em grave crise financeira. Há três anos, o Rio Grande do Sul supera os limites de endividamento previstos em lei.

Tampouco foi possível conseguir recursos com outros entes do governo. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acompanha a crise generalizada no Brasil, e vem sofrendo com a queda nos financiamentos. Este ano, perdeu 13% de sua capacidade de investimento, em comparação com 2017.

A China era o aliado ideal.

Interesse da China no carvão

A China é de longe o país que mais produz carvão no mundo. Segundo a Administração Nacional de Energia (NEA), a capacidade de produção anual do país no momento é de cerca de 3 bilhões e meio de toneladas – mais de quatro vezes a dos Estados Unidos, segundo maior produtor.

Os chineses também são os maiores consumidores do mineral. De acordo com levantamento da empresa alemã Statista, em 2017 a China consumiu mais carvão do que os demais 14 maiores consumidores juntos.

Para Pires e Wiebbelling, o principal interesse da China em investir no carvão em outros países é obter retorno financeiro e vender tecnologia.

Em contrapartida, os chineses já são os maiores investidores em energias renováveis. E vêm estudando formas de reduzir as emissões de gases poluentes provenientes do carvão, fonte energética da qual são dependentes.

“Agora a China está fazendo um esforço grande para utilizar o carvão na forma de gaseificação, em vez de combustão”, aponta Alexandre Grigorieff, Diretor Operacional da mineradora Copelmi.

“A China investiu em tecnologias para diminuir a poluição e a emissão de gases e de poluentes e ela quer, obviamente, maximizar o retorno exportando essas tecnologias”, observa Ilan Cuperstein, ambientalista e ex-representante do Brasil no Centro Brasil-China de Mudanças Climáticas.

Para Kevin Gallagher, diretor do Centro para Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, três fatores explicam a estratégia chinesa.

Primeiro, o setor carvoeiro da China estar operando além de sua capacidade, enquanto há regulações ambientais cada vez mais rígidas dentro do país. Segundo, as empresas chinesas aproveitam sua competitividade no setor, por estarem na fronteira tecnológica da exploração do carvão. Por último, aproveitam suas conexões políticas com os grandes bancos estatais chineses, que possuem capacidade de fornecer financiamentos competitivos.

O Brasil representa apenas uma pequena fração dos investimentos chineses no carvão em terras estrangeiras. A maior parte das aplicações é destinada aos países da Belt and Road Initiative (BRI), que visa a fortalecer a infraestrutura, comércio e investimentos entre a China e cerca de 65 países.

De acordo com o Instituto Global do Meio Ambiente (GEI), a China participou do financiamento de 240 projetos ligados ao carvão nos países da BRI entre 2001 e 2016. Índia, Indonésia e Mongólia foram os principais beneficiários.

90% das reservas de carvão do país encontram-se no Rio Grande do Sul. (Imagem: Sarita Reed)

Mais empregos e recursos, às custas do meio ambiente

Para a secretária de Minas, Susana Kakuta, o Polo Carboquímico trará três benefícios principais: geração de emprego e tributos, dinamização da indústria e redução da dependência de outras fontes de energia, como o gás boliviano. A chegada de empresas de alta tecnologia também melhoraria a economia do sul gaúcho, área mais pobre do estado.

“A carboquímica é o grande futuro da região, com um potencial de gerar 5, 10 até 20 bilhões de dólares por ano”, estima o coordenador do Curso de Engenharia Química da Universidade Federal do Pampa, Sérgio Meth.

Mas os benefícios viriam às custas do meio ambiente. Embora os processos industriais tenham melhorado, há danos impossíveis de controlar completamente, como a grande demanda por água, a perfuração do solo e a emissão de gases do efeito estufa – ainda que, no caso da gaseificação, este último impacto seja reduzido.

“Com o relatório do IPCC, por exemplo, que mostra o que seria necessário para evitar o aquecimento global acima de 1,5 grau, não é concebível pensar na construção de novas usinas a carvão”, argumenta Ilan Cuperstein, ambientalista e ex-representante do Brasil no Centro Brasil-China de Mudanças Climáticas.

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP23), realizada no final de 2017 em Bonn, na Alemanha, 20 países liderados por Reino Unido e Canadá se comprometeram a abandonar progressivamente o uso de carvão como fonte energética.

No entanto, grandes consumidores de carvão como China, Alemanha e Estados Unidos não aderiram à aliança. O Brasil, apesar de ser um ator menor na área, também optou por ficar de fora.

Há também riscos de ordem técnica. Conforme informações do Serviço Geológico Nacional, o carvão brasileiro possui peculiaridades que tornam a gaseificação em ciclo combinado mais complexa quando comparada ao mineral de outros países. Estudos seriam necessários para garantir o adequado aproveitamento do carvão brasileiro.

“Temos que analisar qual seria o método de gaseificação escolhido, há técnicas mais e menos adequadas para o carvão daqui”, afirma Meth.

O pesquisador vê como um risco a importação de tecnologia estrangeira sem que haja o devido estudo das condições de produção. A Unipampa, situada na região com as maiores jazidas de carvão do Brasil, já realizou estudos e desenvolveu tecnologias que viabilizam a gaseificação do carvão gaúcho. Entretanto, Meth afirma que o governo não vem estabelecendo contato com a universidade.

Para o pesquisador, não há como competir com a tecnologia chinesa, porém ele considera que a opinião de quadros técnicos das universidades regionais deveria ser levada em conta. “É muito importante que se esteja acenando com investidores chineses, mas é lamentável que a parte política seja colocada na frente da parte técnica”, argumenta Meth, referindo-se às últimas missões do Estado à China, que não incluíram membros da Unipampa.

A preocupação é embasada em problemas que já ocorreram com a exploração do carvão gaúcho no passado. Em 2014, a caldeira da Usina de Candiota III, desenvolvida pela chinesa Citic Group, apresentou desgaste acentuado em razão da excessiva abrasividade das cinzas do mineral, o que forçou a usina a operar com 58% de sua capacidade instalada.

Por fim, há a questão do chamado lock-in ou aprisionamento tecnológico. “São investimentos que demoram para ter retorno”, afirma Cuperstein. “Então você fica preso àquela infraestrutura construída, o que gera algum tipo de compromisso para se usar carvão nas próximas décadas e isso também é muito preocupante”.