Um dos principais destaques da Conferência Global da ONU sobre Mudanças Climáticas, realizada no Peru em dezembro de 2014 (COP 20), foi a decisão de estipular metas oficiais a serem assumidas pelos governos participantes de redução de emissões de gases de efeito estufa. Os governos dos EUA e da China assumiram um compromisso histórico de corte de emissões até 2030. Além disso, o país asiático comprometeu-se a estabelecer o mesmo ano como pico das emissões de CO2 e para que 20% do consumo primário de energia seja provindo de combustíveis não fósseis. Há cerca de sete anos, a China se tornou o maior emissor mundial de gases de efeito estufa. Desde então, o governo federal chinês tem acelerado os investimentos em energia de baixo carbono, além de elaborar uma gama crescente de políticas climáticas e energéticas. Por exemplo, de acordo com as metas estabelecidas, a geração de energia por meio de combustíveis não fósseis deverá atingir 11,4% da energia primária total gerada na China em 2015 e 15% até 2020. No entanto, a crescente demanda observada no país tem significado um aumento contínuo da capacidade de geração via combustíveis fósseis; a participação total das fontes renováveis na oferta total de energia está, na melhor das hipóteses, estagnada, apesar dos altos investimentos em tecnologias energéticas de baixo carbono e do grande número de políticas voltadas às questões de clima e energia. De fato, a China tem investido mais do que qualquer outro país em energias renováveis, entre elas as energias hidrelétrica, eólica e solar. As iniciativas chinesas têm se concentrado principalmente em tecnologias e intervenções de grande escala, tais como energia solar fotovoltaica (PV) e energia solar concentrada (CSP). Mas existe uma tecnologia de pequena escala cuja contribuição tem sido significativa, embora muitas vezes passe despercebida. Os aquecedores solares de água para uso residencial são amplamente difundidos e imensamente populares em algumas regiões da China: são os heróis pouco reconhecidos das políticas energéticas de baixo carbono no país. Estes equipamentos são utilizados em mais de 30 milhões de domicílios no país, sendo especialmente comuns nas áreas rurais. Mesmo assim, isto ainda representa menos de 10% do total estimado de 365 milhões de domicílios existentes na China. Os aquecedores solares ainda estão longe de ser lugar comum no país como um todo. Existe um imenso potencial e um mercado ainda subexplorado. Tradicionalmente, as tecnologias e inovações na área de energia de baixo carbono na China têm sido promovidas de maneira centralizada e “de cima para baixo”, com metas estabelecidas pelo governo federal. Enquanto isso, em cada província, a implantação nem sempre avança no mesmo ritmo. Estima-se que a China tenha 134 GW de capacidade instalada de energia térmica solar, cerca de 65% da capacidade mundial; as metas estipuladas no 12º Plano Quinquenal chinês para geração de energia solar em 2011-15 baseiam-se principalmente na diminuição do custo da energia solar e no aumento da produtividade dos módulos fotovoltaicos (PV). Ao elaborar medidas para energia de baixo carbono e redução de emissões, a China não tem dado tanta atenção às soluções de escala menor, do tipo “de baixo para cima”. O sucesso solar da China No entanto, as empresas chinesas fabricam cerca de um milhão de aquecedores solares a cada ano, tendo como destino principal o mercado nacional. Na década de 1990, cientistas chineses desenvolveram, em seu próprio país, uma inovação de baixo custo: um tipo de coletor solar chamado de tubo evacuado. Estima-se que as empresas da China detenham 95% de todas as patentes referentes às tecnologias primárias para o aquecimento solar de água; cerca de 3.000 empresas atuam no ramo de aquecedores solares no país, muitas delas de pequeno ou médio porte. É uma indústria cujo rápido crescimento na última década tem tudo para continuar. Ainda assim, a história de sucesso dos aquecedores solares raramente é divulgada. Milhões de consumidores chineses dão grande valor a estes aparelhos, pois oferecem alta qualidade e alto desempenho com baixo custo. Ao mesmo tempo, são ecológicos, aliviam a demanda nos horários de pico e, assim, contribuem para a segurança energética do país, além de criarem oportunidades de crescimento econômico e de emprego, especialmente nos municípios menores. Mas existe um porém: apesar de os aquecedores solares serem comuns nas zonas rurais, eles não fazem sucesso nas cidades. Nas áreas mais urbanizadas, são vistos como “coisa rural”, que não foi feita para as classes médias urbanas. Desde 1998, quando a tecnologia de tubo evacuado foi comercializada, os programas estáveis de financiamento à indústria de aquecedores solares têm sido relativamente poucos. Além de existirem poucos subsídios federais, as políticas industriais de apoio aos fabricantes são muito limitadas. No âmbito regional, estas políticas são mais visíveis. Mesmo assim, as instalações e vendas aumentaram rapidamente nos últimos anos, especialmente nas áreas rurais e cidades menores. Enquanto isso, o governo central chinês e suas políticas continuam a concentrar esforços em instalações solares de grande escala e que ainda implicam um alto custo, por meio do fomento a grandes projetos de PV e usinas de CSP. A história de sucesso dos aquecedores solares parece desarticulada da abordagem adotada pelo governo central chinês. Ela segue sua própria dinâmica localizada, descentralizada e de baixo para cima —, impulsionada por dezenas de milhões de domicílios em todo o país que demandam uma solução barata para o aquecimento de água. No entanto, esta humilde tecnologia está diminuindo as emissões de CO2 e aumentando a participação dos combustíveis não fósseis no consumo primário de energia na China, contribuindo, com isso, para o cumprimento das recém-anunciadas metas climáticas e energéticas do país. Todavia, esta tecnologia e dinâmica não são incluídas formalmente na elaboração de políticas-chave. Os aquecedores solares são um sinal de que os cidadãos chineses, ao adotarem a energia solar como primeira opção, podem estar prontos para ativamente buscar uma transição rumo às baixas emissões de carbono. Ao reinserir os aquecedores solares em suas políticas energéticas e climáticas, promovendo sua popularização em áreas urbanas e incluindo-os nas metas oficiais do governo, a China poderá fechar a lacuna entre suas políticas de energia renovável — de grande escala, orientadas de cima para baixo, mas relevantes no âmbito das negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) — e a iniciativa liderada pelos seus cidadãos, implantada em pequena escala, de baixo para cima. Na COP 20, a história de sucesso dos aquecedores solares não recebeu muita atenção, de fato. Ainda assim, ao adotarem esta tecnologia, mais de 30 milhões de domicílios chineses já manifestaram sua escolha no tocante a clima e energia. Essa matéria foi primeiramente publicada pelo chinadialogue.net