A Argentina vai começar a construir a primeira de duas usinas nucleares, com financiamento de US$ 2 bilhões do China Exim Bank, no segundo semestre deste ano. Com isso, o país aumenta em 720 MW sua capacidade energética e passa de 7% para 10% a energia proveniente de fonte nuclear. O anúncio feito pelo governo, poucos meses antes das eleições presidenciais de outubro, está sendo questionado pela oposição e por ambientalistas, que exigem ver os estudos de impacto ambiental. “A presidente Cristina Kirchner (da Argentina) anunciou, como fato consumado, que vamos construir duas novas usinas nucleares com a China sem levar em consideração a legislação nacional”, disse o presidente da Fundação para a Defesa do Meio Ambiente (FUNAM), Raul Montenegro. “Pela lei, antes de iniciar qualquer obra é preciso fazer um estudo de impacto ambiental e uma audiência pública. Nada disso foi feito. Como é que fecharam um acordo com a China, com cifras e datas?” A expansão do parque nuclear argentino foi aprovada pelo Congresso em 2009, para fazer frente ao aumento da demanda energética num país que – desde 2003 e até recentemente – vinha crescendo em média 5% ao ano. Mesmo tendo superado a crise de 2001, que culminou com a moratória da dívida externa, os argentinos ainda têm contas pendentes com os credores e, portanto, acesso limitado ao mercado financeiro internacional. A China surgiu então como parceiro ideal, para financiar importantes obras de infraestrutura e equilibrar as reservas internacionais. O presidente chinês Xi Jinping visitou Buenos Aires (Argentina) em julho de 2014 e recebeu Cristina Kirchner em Pequim (China) em fevereiro passado. Juntos, eles assinaram dezenas de acordos, marcando a “associação estratégica integral” entre os dois países, que preveem – entre outras coisas – empréstimos chineses para renovar a rede ferroviária de transporte de cargas, a construção de complexo hidrelétrico e duas novas usinas nucleares na Argentina. A Argentina já tem três usinas nucleares: Atucha I e Atucha II (na província de Buenos Aires, há 110 quilômetros da capital) e Embalse (na província de Córdoba). Até o mês passado, apenas duas delas funcionavam. Atucha II, que começara a ser construída na década de 80, tinha sido abandonada. Em fevereiro passado, Cristina Kirchner anunciou a conclusão das obras de Atucha II e seu pleno funcionamento e voltou a defender a parceria com a China, para construir dois novos reatores – um com know-how argentino e outro incorporando tecnologia chinesa. “Que ninguém se assuste porque, na primeira usina, 70% é de produção nacional e 30% estrangeira”, disse Cristina Kirchner no seu discurso. A participação dos chineses no segundo reator, seria maior: 50%. Mas,em compensação, eles transfeririam novas tecnologias para os argentinos. Além de argumentos nacionalistas, de que a Argentina deve voltar a ser uma potencia nuclear na região, a presidente também citou as mudanças climáticas, para explicar a decisão de apostar em energia atômica (que hoje representa 5% do total da eletricidade gerada no país), quando outros países, como a Alemanha, estão fazendo o caminho inverso. Segundo ela, a Argentina precisava diversificar suas fontes energéticas, que hoje dependem principalmente do gás. “Vejam o que está acontecendo com nossos irmãos do Brasil, que tem uma matriz fundamentalmente hidrelétrica” e que, por isso mesmo, não conseguiram fazer frente às “mudanças climáticas e a seca” e estão com problemas de abastecimento de energia. “Justamente, por estarmos vivemos num mundo muito mais volátil, em todos os sentidos, é que não deveríamos estar investindo numa tecnologia tão arriscada”, disse Montenegro. Segundo ele, as mudanças climáticas, citadas por Cristina Kirchner, estão causando desastres naturais, como o maremoto que provocou o acidente nuclear de Fukushima. Além do mais, a instabilidade política é maior. “Nos tempos da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética estavam em campos opostos – mas ambos tinham maior controle do arsenal atômico. Hoje, as armas estão espalhadas em várias ex-repúblicas soviéticas, como Ucrânia e Rússia, que estão em pé de guerra”. Técnicos da Autoridade Regulatória Nuclear (ARN) argentina – o organismo encarregado de avaliar a viabilidade das usinas atômicas – dizem que este setor é um dos mais transparentes do mundo. Quando houve o acidente de Fukushima, toda a informação foi publicada e especialistas de vários países trabalharam com os japoneses para tentar solucionar o problema. O mesmo, argumentam, não acontece quando há um derramamento de petróleo, de responsabilidade de uma empresa privada. Além do mais, insistem, por suas dimensões, a Argentina não pode ser comparada a Alemanha – que não esta renovando seu parque nuclear, mas tem como vizinha a Franca, cujas usinas geram 90% da energia do país. A ARN confirmou que ainda não foram apresentados estudos sobre o impacto ambiental das duas novas usinas, nem foram realizadas audiências públicas. Mas o órgão assegurou que todos os requisitos da lei serão cumpridos até porque, sem eles, jamais poderá ser autorizado o funcionamento dos dois novos reatores. E o dinheiro das obras terá sido gasto à toa. Montenegro diz que o governo está sendo contraditório. Em entrevista ao jornal argentino Pagina 12, o presidente da Nucleoeléctrica Argentina S.A (NASA), José Luís Antúnez, disse que a localização das usinas ainda não foi definida, mas que as obras da primeira vão começar ainda este ano. Segundo ele, a ARN deve aceitar a proposta feita por sua empresa, de construir Atucha III ao lado de Atucha I e II. “E provável que isso aconteça mesmo, porque o custo político de instalar uma usina atômica onde existem outras será menor. A população local já esta acostumada a conviver com reatores nucleares”, disse Montenegro. Mas, segundo o ambientalista, é arriscado concentrar tantas usinas num só local. De qualquer forma, diz Montenegro, a NASA não poderia iniciar as obras, sem antes ter em mãos o estudo de impacto ambiental, devidamente aprovado pela ARN, e sem ter realizado a consulta pública. “Nos Estados Unidos, um estudo desses não leva menos que 10 a 12 anos, porque é um assunto complexo. Como vão ter tudo pronto em poucos meses?” Montenegro e políticos da oposição também questionam a decisão de Cristina Kirchner, de se endividar com a China, faltando meses para concluir seu segundo mandato presidencial. Como ela não pode se candidatar às eleições de outubro porque já foi reeleita, caberá a seu sucessor implementar os acordos com os chineses. E ele dificilmente poderá voltar atrás. “O governo tomou as máximas precauções, para deixar um plano nuclear consolidado”, disse Antunez, referindo-se à lei aprovada em 2009, que prevê a construção de duas novas usinas nucleares. Segundo o governo, a China foi escolhida como parceira porque, ao contrário de outras potências, manifestou interesse em financiar o projeto argentino e também porque tem experiência no setor. “É o país que mais reatores nucleares está construindo no planeta: 28 reatores nucleares simultaneamente”, disse Antunez. O presidente da NASA também desmentiu as “versões absurdas” de que a China ia invadir o mercado argentino, com peças e trabalhadores chineses. “Só vamos importar o que não podemos fabricar aqui”, disse Antunez. É um argumento que não convence Montenegro. “A China é um sócio perigoso: tem tecnologia de primeiro mundo, com salários de quarto mundo e uma política de controle ambiental muito recente”. Por enquanto, a fundação dele vai acompanhar a evolução dos acordos e vai se preparar para recorrer a justiça, caso não sejam apresentados os estudos de impacto ambiental, exigidos pela legislação argentina.