Energia

Os chineses estão de olho na Argentina para expansão nuclear

Países se preparam para assinar acordo depois de contemplar custos, emissões e questões de segurança
<p>A sala de controle da Usina Nuclear de Qinshan, na China (imagem: Petr Pavlicek/IAEA)</p>

A sala de controle da Usina Nuclear de Qinshan, na China (imagem: Petr Pavlicek/IAEA)

Apesar do cenário de incertezas políticas e econômicas, a Argentina dobrou a aposta e aprovou um grande investimento chinês em energia nuclear. A nova usina será instalada na província de Buenos Aires e contará com tecnologia e financiamento da China para suprir as necessidades energéticas do país.

Como as mudanças climáticas exigem fontes energéticas de baixo carbono, e o país asiático vem buscando aumentar as exportações de energia nuclear em todo o mundo, o projeto na Argentina pode representar um renascimento nuclear, liderado pela China. No entanto, os custos e a segurança ainda são questões preocupantes.

Negociação do acordo

Há quatro anos, a Argentina concordou formalmente em construir a usina. O projeto Atucha III está avançando e a usina entrará em operação em 2021.

Em abril, o presidente da Argentina Mauricio Macri assinou uma carta de intenções com a Administração Nacional de Energia da China. Eles assinarão um contrato nas próximas semanas que inclui um empréstimo de 10 bilhões de dólares, concedido pela China, para cobrir 85% das despesas de construção da usina.

O ministro das relações exteriores, Jorge Faurie, recentemente confirmou o projeto no segundo fórum Cinturão e Rota em Pequim.

A Atucha III será a quarta usina da Argentina, construída nas proximidades de duas outras estações que já estão em operação. Houve alguns atrasos no acordo porque a Argentina enfrenta problemas econômicos e esse novo endividamento gerou preocupações.

“A Argentina está passando por uma crise econômica, e o dinheiro está escasso. Investir em energia nuclear requer um compromisso de longo prazo e a China pode oferecer capital subsidiado para seus clientes no exterior”, afirma Mark Hibbs, especialista do Programa de Políticas Nucleares do Carnegie. “Isso confere à China uma vantagem sobre os outros países exportadores de energia nuclear”.

O projeto Atucha III é parte de um acordo assinado em 2015 pela ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, que aprovou duas usinas nucleares: uma com tecnologia canadense, que já é usada nas usinas existentes, e outra com tecnologia chinesa.

Macri examinou o acordo quando tomou posse. Na época, não estava claro se a energia nuclear seria suficientemente econômica. O presidente acabou aprovando a construção, mas, devido à crise econômica, apenas uma usina foi contemplada para reduzir o valor do empréstimo.

Fortalecendo os laços

O acordo nuclear está alinhado à “aliança estratégica integral” firmada entre a Argentina e a China, um status diplomático especial que os chineses concedem a poucos países. Durante a administração de Kirchner, os dois países assinaram mais de 20 tratados.

Macri e o presidente chinês Xi Jinping assinaram um plano de ação conjunto, com duração prevista de cinco anos (2019-2023), no último encontro do G20 em Buenos Aires. No entanto, Xi não conseguiu a aprovação formal da Argentina para a sua iniciativa Cinturão e Rota. Esperava-se que o projeto nuclear recebesse o sinal verde, mas houve um impasse nas negociações.

Ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner aplaude a abertura da usina de Atucha II em 2015 (imagem: Presidencia de la Nación)

O atual governo justificou o projeto dizendo que ele ajudaria a reduzir o déficit energético do país e a estreitar os laços com a China. “O acordo revela a maturidade do nosso relacionamento estratégico com a China”, disse Diego Guelar, embaixador da Argentina.

Macri concordou em construir a usina usando tecnologia chinesa, condição prevista no empréstimo chinês. Isso atraiu críticas de um grupo de ex-secretários de energia, que lançaram um comunicado de imprensa dizendo que seria mais barato desenvolver projetos solares e eólicos.

“Todos os futuros projetos precisarão fazer parte de um plano nacional e de longo prazo de energia, o que no momento não existe. Os novos projetos devem ser competitivos de um ponto de vista econômico, e alinhados com os compromissos de mitigação do país”, disse Jorge Lapeña, ex-secretário de energia.

As organizações ambientais que priorizam energia eólica e solar concordam com ele.

“Não consideramos a energia nuclear uma fonte de energia renovável porque os seus reatores e resíduos apresentam muitos riscos. Ela não é adequada para a Argentina”, disse Andrés Nápoli, chefe da Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN). “Uma nova usina nuclear exigiria uma avaliação de risco e impacto ambiental e, até o momento, isso não foi feito”.

Player global

A Argentina foi o primeiro país da América Latina a adotar energia nuclear, mas, apesar de possuir uma indústria avançada, o país sempre importou a tecnologia dos reatores nucleares.

Por outro lado, a estatal argentina INVAP desenvolve satélites e reatores nucleares para os mercados mais exigentes. A empresa foi criada há 40 anos e é reconhecida como líder mundial. Recentemente, a INVAP vendeu reatores nucleares de pesquisa, que são mais simples e operam em temperaturas mais baixas, para a Holanda, Arábia Saudita e Brasil, mas ainda não tem capacidade para exportar tecnologia em escala industrial.

1974


O ano em que a Atucha I, da Argentina, a primeira usina nuclear da América Latina, começou a operar

“A Argentina compete em poucas áreas na esfera internacional e o segmento de reatores nucleares para pesquisa é um deles”, disse Diego Hurtado, ex-diretor do órgão regulador de energia nuclear da Argentina.

O primeiro projeto de energia nuclear da Argentina – a usina Atucha I, com capacidade de 362 megawatts – entrou em operação em 1974. Depois veio a Atucha II, instalada no mesmo complexo, e a Embalse, no interior da província de Córdoba.

O acordo original com a China contemplava a quarta (Atucha III) e a quinta (Atucha IV) usina nuclear, trazendo mais 1700 megawatts para a rede. A usina que recebeu sinal verde (Atucha III) vai adicionar 745 megawatts.

A energia nuclear compõe cerca de 3% da matriz energética da Argentina. O país depende principalmente dos hidrocarbonetos, cuja produção é subsidiada. As energias solar e eólica têm sido ampliadas nos últimos anos, com licitações para 147 projetos que, juntos, totalizam 4466 megawatts.

Mais uma vitória para a China

A China tem despontado como uma líder global em energia nuclear. Devido aos problemas de poluição do ar, mudanças climáticas e questões de segurança energética, o país tem o maior número de projetos de energia nuclear em fase de desenvolvimento do mundo.

No passado, a China contava com tecnologia importada, mas, em anos recentes, começou a produzir seus próprios reatores, incluindo o reator Hualong One, que será usado na Argentina. O plano Made in China 2025, elaborado pelo governo chinês, revelou que o país quer usar mais tecnologia nacional e elevar a sua indústria nuclear à posição de líder mundial.

O acordo com a Argentina é uma das primeiras histórias de sucesso da indústria nuclear chinesa no exterior. Desde o ano 2000, a Rússia domina o setor de desenvolvimento de energia nuclear, fornecendo 45% da capacidade nuclear do mundo. A China é o quinto maior desenvolvedor, fornecendo 9%. Até o momento, os únicos reatores chineses que foram desenvolvidos no exterior foram vendidos para o Paquistão.

Ainda é uma incógnita se os reatores nucleares da China vão conseguir atrair outros mercados além da Argentina e do Paquistão.

“Depois do desastre em Fukushima, a demanda mundial por energia nuclear enfraqueceu. Os EUA, Alemanha, Coreia do Sul e outros países estão desativando esse tipo de energia”, disse Zhang Hua, engenheiro sênior do Instituto de Ciência e Tecnologia da State Power Investment Corporation, durante uma conversa com a Diálogo Chino.

“A demanda da África do Sul, Turquia, Argentina e outros países não é tão alta quanto esperávamos. As perspectivas atuais para as exportações chinesas de energia nuclear não são promissoras”, acrescentou Zhang.

Jiang Keung, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Energética da China, ressaltou que os reatores que a China planeja exportar são do tipo Generation III, com segurança aprimorada em comparação com a tecnologia de reatores usada em Fukushima.

Em 2014, o reator chinês Hualong One foi aprovado na avaliação de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica, e agora passa por avaliações de segurança na Europa. Em uma entrevista concedida à Associated Press em 2016, Edward Lyman, um especialista em energia nuclear da União dos Cientistas Preocupados, afirmou que as mudanças nos modelos de reatores chineses – que são diferentes dos modelos originais internacionais – levantam preocupações sobre segurança.

A competitividade econômica das exportações nucleares da China será determinante para o seu sucesso, uma vez que existem formas mais baratas de energia que tornam a energia nuclear menos atraente.

Os EUA, que têm um dos maiores números de usinas de energia nuclear do mundo, está desativando as suas usinas de forma prematura porque elas não conseguem competir com o gás natural e a eletricidade renovável. O vice-diretor de projetos da Hualong One disse à South China Morning Post que o reator concorreria com as tecnologias da França e dos EUA.

A China está aumentando a produção nacional e os preços dos reatores podem cair de forma brusca nos próximos anos, disse Jiang. Diante de uma concorrência acirrada por parte dos exportadores consolidados no mercado internacional, principalmente a Rússia, a expansão nuclear internacional da China pode acabar tendo que pegar carona no seu desenvolvimento interno.

“Se conseguirmos defender a energia nuclear, acredito que o mundo pode se voltar para ela”, disse Jiang Kejun.

Solução para a crise climática?

Segundo o Relatório Especial de 2018 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, a energia nuclear tem um papel importante a desempenhar nos cenários onde o aumento previsto da temperatura global é inferior a 1,5 ºC.

A energia nuclear é uma das poucas opções de energia isentas de carbono que pode ajudar a equilibrar a energia eólica e a solar, que fornecem quantidades variáveis de energia. Modelos energéticos mostram que incluir a captura e o sequestro de carbono (CSC) nas usinas de combustíveis fósseis pode tornar a descarbonização da rede elétrica mais barata do que mudar para energia 100% renovável.

No entanto, em todo o mundo, as novas usinas de energia nuclear não estão conseguindo acompanhar o ritmo das desativações, o que significa que uma das principais fontes de energia isentas de carbono está diminuindo, ao passo que as temperaturas estão aumentando.

A redução no número de usinas nucleares significa que os países passarão a depender mais de outras opções, como armazenamento de energia, uma transmissão aprimorada e CSC. Isso é necessário para equilibrar uma rede que se aproxima da energia 100% renovável.

Pesando os riscos

Apesar da crise climática que desponta no horizonte, pode ser que os países rejeitem a energia nuclear por questões de segurança e preço.

Apesar de os reatores Generation III serem mais seguros, a energia nuclear ainda apresenta inúmeros riscos, como, por exemplo, exposição à radiação durante as atividades de mineração de urânio, acidentes como o de Fukushima, e uso de tecnologia para produzir armas nucleares.

Os defensores da energia nuclear afirmam que, apesar dos desastres e acidentes, esse tipo de energia causa menos mortes por unidade de eletricidade do que o carvão e o gás.

A China está desbravando território desconhecido. A empresa de serviços públicos China General Nuclear Power ganhou espaço no Reino Unido através dos investimentos em usinas nucleares e agora planeja construir uma Hualong One. Os críticos levantaram preocupações a respeito do envolvimento da China na construção desse tipo de infraestrutura.

Nos mercados onde a energia nuclear é novidade, os pesquisadores alertam que o ambiente regulatório pode ainda não ser maduro o suficiente para conseguir avaliar e gerir as usinas chinesas com segurança.

Na Argentina, vários grupos da sociedade civil se opõem à energia nuclear. A província de Rio Negro, por exemplo, aprovou uma lei banindo a energia.

O acordo com a Argentina se formalizará nas próximas semanas e servirá como um teste para descobrir se o público está aberto aos riscos da energia nuclear, com tecnologia de um novo exportador, em troca do fornecimento de longo prazo de energia elétrica isenta de carbono.