“Como podemos falar de energias limpas se não analisarmos o consumo?”, diz Pablo Troncoso, membro da Assembleia Ambiental de Huinganco, na província argentina de Neuquén. “Precisamos repensar a forma como utilizamos a energia. Não vejo muitas campanhas de consumo responsável ou de geração própria. Então, me pergunto: para que queremos energia — apenas para consumir mais?”.
Em 2017, o governo da província de Neuquén assinou um acordo para a construção de Nahueve, uma pequena hidrelétrica no rio de mesmo nome, que deve ser inaugurada até o final do ano. A barragem, com capacidade instalada de 4 megawatts (MW), foi financiada principalmente pelo Fundo Abu Dhabi para o Desenvolvimento, dos Emirados Árabes Unidos e, em menor escala, pelo governo provincial.
Quando anunciada pelas autoridades locais, a barragem veio com a promessa de beneficiar a população em seu entorno, trazendo melhorias do serviço de eletricidade e fornecimento de água potável, a criação de 200 empregos e água para a irrigação de mais de 120 hectares de terras agrícolas. Toda a energia gerada pela barragem irá contribuir para a rede elétrica nacional
No norte da província, onde está a barragem de Nahueve, também serão erguidos o parque de energia solar El Alamito e o projeto-piloto de energia geotérmica Domuyo. Autoridades provinciais explicam que essas iniciativas estão sendo realizadas nessa área porque, ao contrário de grande parte da província, ela não abriga reservas de gás ou petróleo, mas possui recursos consideráveis para a produção de energia limpa.
Terra de combustíveis fósseis
A intenção de construir uma nova barragem é interessante para Neuquén, onde a principal fonte de renda é a extração de petróleo e gás. O primeiro poço de petróleo da província foi descoberto em 1918, e a exploração do petróleo bruto tem sido sua principal atividade econômica desde então. Nos últimos anos, a região tem visto uma expansão de Vaca Muerta, a mais importante reserva de hidrocarbonetos do país e a segunda maior de gás de xisto do mundo.
Neuquén produz 57 mil barris de petróleo por dia e metade de todo o gás consumido na Argentina. A escala da Vaca Muerta é tão significativa que o desenvolvimento de uma pequena parte desta formação já cobriria o déficit energético do país, diz a estatal petrolífera Yacimientos Petrolíferos Fiscales.
Uma transição transparente?
Embora não exista uma definição única para a transição energética, ela é entendida como a mudança de uma matriz de energia dependente de combustíveis fósseis para uma matriz baseada em energias renováveis. O desafio dos governos é garantir uma “transição justa” que vá além da mera substituição de fontes e tecnologias.
Para a Organização Internacional do Trabalho, uma transição justa significa “maximizar as oportunidades socioeconômicas da ação climática, minimizando cuidadosamente quaisquer desafios — inclusive através de um diálogo social efetivo entre os grupos afetados e o respeito aos princípios e direitos trabalhistas fundamentais”.
Na América Latina, muitos defendem a incorporação de outros elementos, como a justiça ambiental.
Porém, moradores do norte de Neuquén denunciam a falta de diálogo sobre a construção da barragem de Nahueve. Há relatos de que o projeto causou divisões na área, tanto sobre as promessas de benefícios, como sobre a falta de informação relacionada à barragem e seus impactos ambientais.
“Descobrimos sobre o projeto no boca a boca, havia muito pouca informação”, explicou Troncoso, da Assembleia Ambiental de Huinganco, que participou da consulta pública, mais focada em apresentações técnicas. “Desde o início, os funcionários falaram sobre todas as coisas positivas que o projeto traria. Mas isso não foi refletido nas consultas. Eles explicaram que havia um plano de tocar 13 projetos de geração de energia, e nada mais”.
Assim, os moradores ficaram com mais dúvidas do que certezas, disse Troncoso: “Disseram que um dos principais benefícios seria a irrigação de 50 hectares para a produção agrícola. Mas nesta área já existem muitas nascentes, por isso argumentamos que esse objetivo era desnecessário”.
Ainda segundo Troncoso, a província enfrenta há anos uma emergência hídrica, “então começamos a duvidar de suas intenções e, quando pedimos mais explicações, eles vieram com informações técnicas difíceis de entender”.
As audiências públicas, determinadas pela Lei Geral do Meio Ambiente da Argentina (nº 25.675), exigem a participação pública na tomada de decisões sobre projetos com implicações ambientais. Para isso, a autoridade responsável deve proporcionar um espaço institucional para que qualquer pessoa possa expressar sua opinião.
Gisela Moreira, advogada das Assembleias para a Água do Norte de Neuquén, alegou que a consulta no caso Nahueve não ocorreu de maneira legal e transparente. “O governo deveria ter ajudado a população a compreender os fatos, a conhecer o projeto, seus benefícios e seus custos. Desta forma, as pessoas podem analisar e dar sua aprovação ou não. Isto não aconteceu”, disse Moreira.
Uma transição deve ter mecanismos democráticos de consulta que vão muito além de um procedimento administrativo
Brillo, da ADI NQN, tem um argumento diferente. “Notificamos os moradores por rádio, tudo de forma pública. A população rural veio ouvir as informações técnicas”, disse ele, insistindo que houve uma divulgação ampla.
Para Hernán Scandizzo da OPSur, organização argentina de política energética, a consulta pública não é uma questão trivial, mas um elemento central de transições energéticas justas. “Uma transição deve ter mecanismos democráticos de consulta que vão muito além de um procedimento administrativo”, disse Scandizzo. “Em vez disso, os governos procuram cumprir apenas as regulamentações internacionais para poder receber financiamento externo”.
Intervenções legais
Quando a barragem foi aprovada, várias famílias foram intimidadas a desocupar suas terras para a construção do projeto. Algumas concordaram, outras não. De acordo com Moreira, foi um longo processo judicial que terminou com a acusação dos ativistas.
No primeiro momento, Moreira e as Assembleias para a Água apelaram ao argumento da proteção ambiental, alegando que a barragem de Nahueve causará danos ao meio ambiente e à ecologia local, aumentará o tráfego e prejudicará a qualidade de vida das pessoas que vivem na área. Mas os tribunais não acataram a ação.
As Assembleias também questionaram o relatório de impacto ambiental apresentado pelo governo. Moreira disse que o estudo não forneceu detalhes ou contexto suficientes. Segundo ela, o documento analisa apenas algumas bacias e não dá uma visão completa de como os rios da área serão afetados.
Com a barragem quase concluída, os moradores dizem que a ação pelo direito à terra ainda não foi resolvida. Uma família ainda exige acesso à sua terra, localizada ao lado do curso d’água por onde passa o projeto.
“Os benefícios tão discutidos não são vistos: a mão de obra prometida não foi gerada, o abastecimento de água potável não melhorou, nada melhorou, e nunca houve diálogo com as famílias afetadas”, disse Moreira.
Uma transição justa?
Os projetos na província foram realizados com muitas promessas, mas pouca informação, causando divisões e, acima de tudo, sem a conscientização sobre a energia renovável. A OPSur argumenta que isto ocorre porque a sociedade tem prioridades diferentes, e a diversificação energética não é vista como uma delas. Por isso, a organização acredita ser necessário desenvolver a demanda pela transição energética.
“O desafio é mudar a ideia de que a energia é um tema que população não consegue acompanhar, e que somente aqueles com conhecimento técnico a entendem”, disse Scandizzo, da OPSur. “A energia é um direito e deve ser entendida como tal”.
O caso da barragem de Nahueve mostrou a necessidade de se avaliar como os projetos de energia renovável são concebidos, que espaço é dado ao cuidado do meio ambiente e como a participação das pessoas que vivem na área é incentivada.
“Somos encorajados a viver como pessoas das grandes cidades, mas vivemos nas montanhas”, disse Pablo Troncoso. “Temos água para nossas hortas, mas eles vêm e colocam uma barragem sobre nós”.
“A maneira como vivemos neste planeta é muito extrema — estamos consumindo ao extremo. Em algum momento, os governos, os tomadores de decisão e a população em geral terão que equilibrar a balança”.
Esta reportagem foi publicada originalmente pelo Climate Tracker América Latina. Ela foi reproduzida aqui com autorização e levemente editada para uma audiência global.