“O vento e a força de nossos mares nos colocam em uma posição privilegiada para a instalação de projetos de energia eólica, o que nos permitirá ser o primeiro país da América Latina a produzir essa energia offshore”, disse a ministra de Minas e Energia da Colômbia, Irene Vélez, no fim de maio, ao anunciar o primeiro leilão para o setor no Caribe colombiano.
Poucos dias depois, o governo lançou uma plataforma para divulgar o processo de implementação da iniciativa. O portal apresenta um relatório do ano passado encomendado pelo Banco Mundial e os planos deixados pela administração anterior.
De acordo com Vélez, os últimos detalhes da licitação devem ficar prontos em agosto. As empresas escolhidas terão até oito anos para realizar os estudos necessários e viabilizar os projetos — a partir daí, poderão solicitar as concessões marítimas para executar as obras e operar as turbinas por um prazo de 30 anos, prorrogáveis por mais 15.
Apesar dos esforços por parte do governo, ainda há muitos desafios para que a energia eólica offshore vire realidade na Colômbia.
Projetos de renováveis parados
Dos 80 projetos de energia renovável não convencional (eólica e solar) previstos para entrar em operação na Colômbia em 2023 e 2024, apenas 28 avançam sem problemas, segundo um relatório recente da SER Colômbia, associação do setor de energia renovável. Os demais estão atrasados devido a conflitos socioambientais ou legais.
Entre eles, está o projeto eólico Windpeshi, da Enel Colômbia, localizado no departamento de La Guajira, no extremo norte do país. Em 24 de maio, a empresa anunciou a suspensão por tempo indeterminado do projeto após uma série de conflitos com as comunidades indígenas Wayuu, habitantes ancestrais desse território.
Já o Colectora, obra que levaria a energia de sete parques eólicos em La Guajira para o resto do país, vem sendo adiado há três anos. Outras iniciativas de energia renovável têm dificuldades de se conectar à rede elétrica nacional.
Potencial nos oceanos
A energia eólica offshore tem se mostrado uma fonte alternativa promissora no mundo todo. Só em 2021, a expansão da capacidade instalada global de usinas eólicas offshore mais do que triplicou, atingindo números recordes: foram 21,1 novos gigawatts (GW) em comparação com os 6,1 GW adicionais em 2020.
A Colômbia está entre as nações com um dos maiores potenciais de energia eólica no mundo. “Somos os únicos da América do Sul com dois oceanos e temos um território marítimo enorme, equivalente a quase 50% do país”, diz a oceanógrafa Andrea Devis-Morales, especializada em energia offshore.
Somos os únicos da América do Sul com dois oceanos e temos um território marítimo enorme, equivalente a quase 50% do paísAndrea Devis-Morales, oceanógrafa
Devis-Morales trabalha em uma pesquisa na Universidade Nacional de Medellín para avaliar o potencial de energia renovável nos mares da Colômbia. Seu estudo avalia não apenas a força do vento, mas também das ondas e correntes marítimas, bem como a conversão de energia térmica e a chamada energia azul, obtida pela diferença na concentração de sal entre água do mar e dos rios.
A pesquisadora enfatiza que o vento tem uma vantagem sobre as outras fontes: “O gradiente térmico e o salino ainda não são suficientemente avançados tecnologicamente. Já a tecnologia para extrair energia do vento avançou muito, assim como para manter as plataformas flutuando no mar, apesar das fortes variações climáticas e meteorológicas”.
Questões não resolvidas
Embora o governo colombiano esteja confiante de que vá concluir o leilão caribenho em um futuro próximo, as regras da disputa ainda têm lacunas.
O marco regulatório específico para a atividade vem sendo debatido desde 2020. O plano nacional de energia eólica offshore foi publicado em maio de 2022, detalhando seu potencial e os desafios a médio e longo prazo. Em agosto passado, o governo publicou uma resolução que estabelece as normas e os requisitos para a outorga de licenças de ocupação temporária numa primeira etapa de desenvolvimento dos projetos.
A costa do Caribe colombiano, onde se concentra o maior potencial de energia eólica offshore do país, também abriga áreas protegidas, áreas de importância biológica e ecológica, além de habitats essenciais para a conservação de espécies e ecossistemas. Suas águas também são importantes para a pesca artesanal e industrial, e as áreas costeiras são territórios ancestrais de comunidades indígenas.
É uma região de constante tráfego marítimo — não só para pesca, mas também para o transporte de carga e o turismo. Também é próxima ao Canal do Panamá e possui áreas destinadas à exploração petrolífera offshore. A Dimar, autoridade encarregada de monitorar as atividades marítimas e costeiras na Colômbia, supervisionou a demarcação de áreas que considerou terem “baixos níveis de conflito”, onde os projetos eólicos offshore poderiam coexistir com outras atividades marinhas.
Como o próprio plano aponta, um projeto no lugar errado pode gerar grandes impactos socioambientais. Para minimizá-los, diz o documento, serão necessários estudos de impacto ambiental (EIAs), participação social e um bom planejamento espacial marinho.
Esse parecer é reforçado por um relatório publicado em abril pela CLEANaction, iniciativa de organizações como WWF e The Nature Conservancy. “Sabemos que a energia renovável é a nossa melhor opção para atender às futuras necessidades energéticas sem prejudicar irreparavelmente o clima e a natureza, mas até mesmo as energias renováveis perturbarão o meio ambiente”, alerta o documento.
A energia renovável é a nossa melhor opção para atender às futuras necessidades energéticas, mas ela também perturbará o meio ambienteRelatório da CLEANaction publicado em abril
O pesquisador Juan Gabriel Rueda, engenheiro civil e especialista em energia eólica offshore, acredita que a Colômbia carece de dados sobre o tema. “Não há um contexto jurídico claro para regulamentar a exploração sustentável e segura da energia eólica offshore”, escreveu Rueda em um artigo científico publicado em 2019.
Suas percepções não mudaram desde então. “O plano que guia as discussões não considerou as pesquisas feitas aqui na Colômbia sobre o tema”, explica Rueda, em referência ao relatório encomendado durante o governo de Iván Duque. “As decisões foram tomadas sem consultar a academia. O Estado carece de informações, justificando a contratação de consultores estrangeiros que, embora sejam experientes, não têm em seus países as mesmas condições e particularidades sociais, ambientais e culturais que as nossas”.
Entre os desafios, estão os possíveis impactos sobre as aves migratórias, conforme destacado pelo plano colombiano: “A construção de parques eólicos offshore representa um perigo para as aves, principalmente em relação ao seu deslocamento, a perda de habitat e o risco de colisão”, observa o cientista.
Há uma preocupação semelhante em relação aos mamíferos marinhos, como os golfinhos e peixes-boi. Nas águas caribenhas da Colômbia, foram identificadas 29 espécies (83% das registradas no país) potencialmente sensíveis às atividades de construção, ao ruído subaquático e ao risco de colisão com embarcações. “Atualmente, não há um mapa da acústica marinha com os níveis atuais de ruído, e não sabemos como [os projetos eólicos offshore] podem afetar as espécies marinhas”, aponta Rueda.
As empresas interessadas em desenvolver projetos offshore na Colômbia devem apresentar um EIA — etapa essencial para a realização de qualquer obra do tipo. Porém, ainda não há clareza sobre como isso deve funcionar para as turbinas no meio do mar.
A reportagem entrou em contato com a Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental e o Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, responsáveis pela publicação das regras dos EIAs para projetos eólicos offshore, mas não houve resposta até a publicação de matéria.
Esta reportagem foi originalmente produzida pelo Climate Tracker Améria Latina. A versão foi traduzida e editada com autorização.