O governo chileno já liberou concessões para novos projetos de energia geotérmica em mais de 43 mil hectares. Isso indica o enorme potencial do país sul-americano para essa fonte de energia.
Alguns projetos de pequena escala, como uma escola e um programa de educação de prisioneiros na região sul de Aysén, já fazem uso da energia geotérmica. Para especialistas, porém, há ainda mais possibilidades para ampliar a distribuição de energia derivada de fontes naturais de calor por todo o país.
3,800MW
É o potencial para novas energias geotérmicas no Chile
A geotermia é um tipo de energia renovável obtida do calor do interior do planeta Terra que é então levado para a superfície por meio de tubos. O calor é gerado pela formação original do planeta e pela decomposição radioativa dos materiais. Essa energia térmica é armazenada em rochas e fluidos.
O Chile tem o potencial de adicionar 3.800 megawatts (MW) de energia geotérmica em sua matriz. Essa fonte pode ser utilizada para aquecimento, eletricidade ou mesmo para a agricultura, mas, por ora, ainda é um recurso em grande parte inexplorado. O país está situado no meio do “Anel de Fogo” — um conjunto de placas tectônicas no Pacífico responsáveis pelas maiores atividades sísmicas e vulcânicas em todo o mundo.
Com o acesso a essas fontes em todo o país, a energia geotérmica pode se tornar muito mais difundida nos próximos anos, conforme delineado no plano nacional chileno para reduzir os gases de efeito estufa. O setor energético gera 78% das emissões de gases de efeito estufa do país. A maioria vem de usinas termoelétricas a carvão.
Com a ambiciosa meta chilena de neutralizar as emissões de carbono até 2050 — estipulada no âmbito do Acordo de Paris — o Chile pretende fechar todas as usinas de geração de energia a carvão até 2040. Elas serão substituídas por novas fontes de energia limpa.
“A energia geotérmica é um recurso energético estável, apesar das mudanças climáticas e sazonais. Por isso há, sem dúvida, uma oportunidade de desenvolvimento, assim como de outras fontes renováveis”, disse Rubén Muñoz, chefe da unidade geotérmica do Ministério de Energia do Chile.
A contribuição para a rede de energia proveniente de usinas renováveis não convencionais, tais como solar, eólica, geotérmica ou hidrelétrica, atingiu 27,1% no final de 2020.
Embora o uso da energia geotérmica no Chile remonte a 1908, ela é considerada uma alternativa energética que ainda carece de desenvolvimento e regulamentação. Com os obstáculos do mercado e nenhuma estrutura legal para governar a geotermia, somente agora o Congresso está avançando com um projeto de lei. Enquanto isso, o Ministério da Energia procura desenvolver programas específicos para seu uso.
Crescimento geotérmico
O Centro de Educação e Trabalho de Valle Verde (CET), localizado na região de Aysén, acomoda 23 prisioneiros em um espaço que pouco se parece com uma prisão tradicional. É um dos vários projetos que envolvem o Centro de Excelência Geotérmica da Universidade do Chile em Los Andes (CEGA).
Valle Verde está em funcionamento há 20 anos e tem como objetivo capacitar os prisioneiros com treinamentos educacionais e habilidades voltadas ao mercado de trabalho que promovam a reintegração social. O centro oferece oficinas de construção e conta com onze estufas.
As estufas produzem alface, acelga, coentro, salsa, cebolinho, rabanetes e beterraba, que geralmente são vendidos para algumas empresas, pessoas e produtores locais. Os ganhos não são significativos, mas são suficientes para fornecer um pequeno salário e para manter o local.
O CEGA controla a temperatura em uma das estufas com o uso de energia geotérmica. O clima é rigoroso no inverno mas, com essa fonte de energia, a produção pode continuar, disse Sofía Vargas, pesquisadora da CEGA.
A água quente é bombeada do subsolo por meio de um poço de alta pressão. Quando a água chega à superfície, a pressão cai, o que faz com que a água se transforme em vapor. O vapor, então, movimenta uma turbina, que é conectada a um gerador que produz eletricidade.
“O solo é uma espécie de bateria. As camadas superiores da terra absorvem o calor do sol. A riqueza que o solo tem é o que é usado para bombas de calor”, explica Vargas.
Substituindo a lenha por energia geotérmica
Em 2019, vizinhos da mesma região sugeriram o uso de energia geotérmica para aquecer uma escola que dependia de lenha. Após avaliar várias escolas, o CEGA selecionou o Liceo Altos del Mackay em Coyhaique.
“Em Coyhaique, há chuva e neve. Pelo calendário, parece que o inverno dura três meses, mas faz muito tempo que faz frio”, disse Ernesto Poliche, vice-diretor da escola, morador de longa data da região.
Os primeiros alunos costumam chegar às 7h30, o que torna o aquecimento ainda mais necessário nas manhãs gélidas da região. Levou um ano e meio para a adoção de um sistema de aquecimento geotérmico na escola, período no qual a escola permanceu fechada. De acordo com Vargas, a troca de lenha por energia geotérmica resultou em uma melhoria na vida das crianças e jovens da escola.
“Os alunos estavam aprendendo em condições de pobreza energética”, disse Vargas do CEGA, que acrescentou que estar exposto à lenha tradicional em um ambiente de aprendizado pode diminuir a concentração e o desempenho acadêmico.
Hoje em dia, a escola não depende mais da lenha que, além de pouco eficiente,custava aproximadamente 3 mil dólares por ano. Agora, eles usam energia geotérmica, uma das fontes mais baratas de geração renovável — com custos tão baixos quanto 0,04 dólares por quilowatt.
“É muito difícil para nós, patagônicos, tirar lenha de nossa casa, mas com a energia geotérmica a temperatura se mantém estável. Onze salas de aula contam com esse sistema, o que cobre quase 80% dos alunos”, disse Poliche.
A primeira usina geotérmica do Chile
A primeira usina geotérmica da América do Sul foi inaugurada em 2017 na cidade chilena de Cerro Pabellón. O projeto de 320 milhões de dólares está localizado a 4 mil metros acima do nível do mar e gera 48 MW por ano. A usina é de propriedade da Geotérmica del Norte, que por sua vez pertence à Enel Green Power Chile (uma subsidiária da gigante energética italiana Enel) e à Empresa Nacional del Petróleo (Enap).
Mas o projeto tem tido uma série de problemas desde sua inauguração. A Superintendência do Meio Ambiente (SMA), um órgão regulador nacional, apresentou queixa contra a Geotérmica del Norte em 2018 por 16 infrações à legislação ambiental, como a alteração de 31 sítios do patrimônio arqueológico e o consumo não autorizado de água.
A Geotérmica del Norte, empresa responsável pela fábrica, apresentou um programa de mitigação. Isso deu à Geotérmica del Norte o aval para expandir e construir uma nova unidade de geração de energia que aumentará a capacidade instalada para 81 MW.
Para Miguel Saldivia, advogado e pesquisador do Cambridge Center for Environment, Energy and Natural Resource Governance (C-EENRG, sigla em inglês), o fato ilustra a necessidade de melhorias nas avaliações ambientais dos projetos de energia.
“Estes não são apenas problemas relacionados à energia geotérmica, mas a qualquer tipo de projeto. A regulamentação chilena tem que melhorar seus padrões”, acrescentou ele.
Para Saldivia, a energia geotérmica é uma fonte de energia com potencial, mas existem problemas no marco legal, lacunas regulatórias e altos custos associados que poderiam constituir um obstáculo à sua implementação.
“Em relação aos impactos ambientais, há um desafio pendente”, conclui ele.
A energia geotérmica e seu futuro
Embora o Chile tenha apenas uma planta geotérmica, o governo já liberou concessões para novos projetos em mais de 43 mil hectares. Os locais estão localizados nas regiões de Antofagasta, Maule, O’Higgins, Biobío e Araucanía e foram atribuídos a seis empresas.
A lei de concessão de energia geotérmica estabelece certos parâmetros para solicitar uma concessão de energia. O governo outorga concessões por meio de solicitações diretas ou de licitações públicas. Contudo, não existe um arcabouço legal para o uso direto da energia geotérmica, como no caso da escola ou da estufa.
Mas é possível que isso mude com o projeto de lei em tramitação no Congresso. Nele, aborda-se a necessidade de padrões mais altos de inspeção para a atividade geotérmica e a criação de um registro para projetos de pequena escala, juntamente com uma regulamentação de segurança para a atividade.
“O projeto de lei visa simplificar os requisitos para projetos geotérmicos menores que fazem uso direto da energia geotérmica e trazê-los para um regime de registro simplificado, além de atualizar a lei de controle e segurança”, disse Rubén Muñoz, do Ministério da Energia.
Essas mudanças poderiam fazer do Chile um líder na América Latina no uso da energia geotérmica.