As contas de eletricidade chegam bastante altas para Fátima Gasca Chuc. Ela só tem um refrigerador, dois ventiladores e uma televisão. Mas paga cerca de US$ 75 por mês.
Há oito anos, Gazca vive com seus filhos em Flamingos, bairro costeiro nos arredores de Dzilam de Bravo, na península mexicana de Yucatán. A família vende bolos para se sustentar e vive em uma casa humilde. Mas ela fica bem ao lado do parque eólico Dzilam Bravo, Eólica Golfo 1, um megaprojeto que começou a operar em 2018 para fornecer energia elétrica a empresas privadas.
Gazca só tem que abrir sua janela para ver o girar das turbinas eólicas a 125 metros de altura. Ela diz que elas mudaram a paisagem da cidade portuária.
“É uma contradição que eles tenham colocado esse parque aqui para empresas estrangeiras pagarem menos eletricidade. Os anos passam e eu continuo pagando altas taxas”, reclamou a mulher de 46 anos. “Isso me irrita, [as turbinas] me dão dor de cabeça. Nós vivemos trabalhando para pagar a conta. Não podemos continuar dessa maneira”.
É uma contradição que eles tenham colocado esse parque aqui para empresas estrangeiras pagarem menos eletricidade
As turbinas com quase 100 metros de diâmetro giram quase 24 horas por dia, aproveitando o vento que vem do mar. Gazca escolheu viver a poucos quilômetros do mar, onde as opções de moradia são limitadas, conseguindo comprar sua própria propriedade. O lugar antes tranquilo foi tomado por um zumbido que a incomoda principalmente à noite.
No entanto, a perturbação e os altos custos da eletricidade parecem destinados a durar. O aluguel do terreno onde a fábrica está instalada expira em 20 anos. As populações locais também sofrem com constantes interrupções de serviço de energia, sem nenhuma explicação da Comissão Federal de Eletricidade (CFE).
Dzilam Bravo: beneficiando grupos privados
A Lei de Serviço Público de Energia Elétrica do México de 1992, que permite aos produtores privados gerar energia para abastecer suas próprias operações, é o marco legal que permitiu a criação da Dzilam Bravo.
O parque possui 28 turbinas eólicas e uma capacidade instalada de 70 megawatts (MW). Produz energia suficiente para abastecer 170 mil casas por ano — acredita-se que seus principais beneficiários sejam as empresas Cinepolis, El Sardinero, Mexion Corporatión e Mars. A falta de informações torna a denúncia difícil de ser verificada.
Ao gerar sua própria energia, as empresas pagam uma tarifa preferencial fixa pelo serviço de transmissão e distribuição ao CFE, poupando-lhes dinheiro.
A empresa mexicana Vive Energía é proprietária do parque e fez parceria com a Envision Energy, empresa internacional dedicada principalmente à fabricação de turbinas eólicas inteligentes, com sede em Xangai. Uma de suas missões é a luta contra a mudança climática, eliminando os combustíveis fósseis e substituindo-os por energia renovável.
É um sistema um tanto perverso
A Envision tem outro grande projeto eólico no Estado de Yucatán — a fábrica Progreso de 90 MW a cerca de 80 quilômetros a leste de Dzilam de Blanco, ao longo da mesma linha costeira. Eles são os únicos projetos eólicos de propriedade da China no México.
A energia renovável parece passar por uma rápida expansão pelas mãos de empresas internacionais, com projetos de cinco usinas solares capazes de adicionar um total de 874 MW planejados nos próximos anos, de acordo com o Banco de Dados Global de Energia da Universidade de Boston, na China.
Além do México, as incursões da Envision na América Latina se concentraram na Argentina, onde ela constrói duas usinas na província de Buenos Aires: o projeto García del Rio, de 10 MW, e Villarino, de 50 MW.
Segundo o governo de Yucatán, outras 24 usinas eólicas e solares estão em fase de desenvolvimento, com um investimento de mais de 84 bilhões de pesos (mais de 22 bilhões de reais).
Desde o primeiro leilão de energia renovável no México após o início do processo de reforma de 2013, nove dos 18 projetos concedidos foram para a península de Yucatán.
Em outros lugares do México, houve manifestações contra grandes usinas de energias renováveis: moradores da Motul contra as empresas Aldesa e Aldener, e moradores de Muna e Valladolid, que chegaram a apresentar uma ação judicial garantindo a suspensão definitiva do projeto Yucatán Solar, de propriedade da Lighting Park e Jinko Solar.
Para Rodrigo Patiño Díaz do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados, a ideia de produzir energia limpa em princípio parece boa, mas os impactos sobre os territórios, os benefícios para as comunidades e outros riscos ambientais devem ser considerados.
R$ 22 bilhões
É o investimento feito, segundo o governo de Yucatán, para a construção de outras 24 usinas eólicas e solares que estão agora em fase de desenvolvimento
“É um sistema um tanto perverso”, diz ele. “Durante seis anos, as empresas privadas têm a possibilidade de gerar energia para fazer negócios, longe da ideia original de nacionalizar a eletricidade para abastecer a população”. Patiño acrescenta que as empresas vendem eletricidade utilizando as linhas de transmissão da CFE.
O México reformou sua lei de eletricidade durante o governo do presidente Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) quando o agora extinto Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta) foi aprovado. Para ser competitivo, argumentou o acordo, as indústrias em crescimento exigiam mais energia, e a CFE não tinha a capacidade de fornecê-la. Foi o primeiro passo para a abertura a empresas privadas, o que resultou na reforma de 2013.
Com colegas acadêmicos, Patiño criou o grupo Articulação Yucatán para tentar limitar os impactos dos parques eólicos e fotovoltaicos. Ele criticou autoridades e empresas por enganar a população com alegações de que as obras são necessárias para melhorar o fornecimento de energia elétrica da península e reduzir as tarifas em conformidade.
Riscos a ecossistemas de Yucatán
A articulação também advertiu, antes de sua construção, que o peso em toneladas das turbinas eólicas do parque são uma ameaça ao solo cársico de Yucatán. Sua formação de rocha calcárea se fragmenta com o tempo, formando buracos, e nos quais a água da chuva se infiltra rapidamente. Esse tipo de solo é mais frágil na área costeira, onde o megaprojeto foi construído, e há o risco de que possa modificar as redes hidrológicas do subsolo.
Acadêmicos, autoridades e moradores locais estabeleceram um plano de proteção ecológica para a costa de Yucatán em 2007. Ele não contemplava a energia eólica em municípios costeiros devido à fragilidade de seus ecossistemas. Entretanto, a então Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente modificou o programa em 2014 para permitir parques eólicos e solares.
A mudança foi feita sem estabelecer um diálogo com as populações locais
Agora, o desenvolvimento portuário, as indústrias florestais madeireiras e não-madeireiras e a energia eólica são permitidos.
Mais de 70 acadêmicos yucatecas que participaram do desenvolvimento do programa se manifestaram contra a mudança. Eles lembraram que foram realizadas consultas com as populações locais para determinar os mecanismos de proteção dos ecossistemas.
“O programa de 2007 colocou restrições porque a costa está cheia de Áreas Naturais Protegidas e por causa de sua grande biodiversidade”, disse Patiño. “A mudança foi feita durante o governo do [então governador de Yucatán] Rolando Zapata Bello (2012-2018) sem estabelecer um diálogo com as populações locais”.
Impactos ‘menores’
Benigno Villarreal del Río, diretor da Vive Energía, disse que eles geram energia limpa, que é mais barata que os hidrocarbonetos, e que as empresas privadas obtêm benefícios econômicos importantes ao reduzir os custos de produção.
“Embora seja verdade que os usuários de energia, do ponto de vista administrativo-econômico, sejam empresas privadas, o mais importante é que a energia aí produzida permanece no sistema elétrico peninsular”, disse ele. “A energia física é consumida pelas famílias mais próximas do parque”.
Quando questionado sobre as reclamações das comunidades locais sobre os altos preços e as falhas nos serviços, Villarreal enfatizou que essas não são de responsabilidade de sua empresa, uma vez que a lei habilita exclusivamente a CFE a fornecer energia às moradias.
Villareal também minimizou as queixas da Articulação Yucatán, dizendo que eram vozes isoladas, e que a opinião da comunidade científica em nível global é que os projetos de energia renovável têm o menor impacto ambiental.
Em regiões que acomodam megaobras como Dzilam Bravo, são criados corredores biológicos para espécies endêmicas, como uma condição de permissão do governo, disse Villareal. Entre 50 e 60 aves morrem a cada ano quando colidem com lâminas de turbina no Parque Dzilam, segundo ele, um número “muito pequeno”.
“Elas morrem mais em linhas de energia, em estradas ou edifícios do que em um parque eólico”, disse Villareal.
O parque tem uma torre especial de observação de aves, e seus biólogos podem solicitar que as turbinas eólicas parem quando os bandos se aproximam.
O Centro de Pesquisa Científica de Yucatán disse que a avaliação de impacto para Dzilam Bravo omitiu medidas de prevenção para aves e aquelas à fauna terrestre são inaceitáveis. Por exemplo, não houve menção ao beija-flor mexicano (Doricha eliza), uma ave em perigo de extinção que constrói ninhos na região.
O antropólogo Juan Carlos Encalada Gómez, autor de um estudo sobre o Dzilam Bravo, disse que as avaliações de impacto não incluíram nenhuma informação sobre o ruído do parque eólico ou a movimentação de suas lâminas sobre a saúde humana.
A Lei de Transição de Energia de 2013 estabelece que as áreas com alto potencial de geração de energia limpa devem passar por uma Avaliação Ambiental Estratégica, que considera os impactos dos projetos em combinação com outros.
“A lei diz que o Ministério do Meio Ambiente deve realizar esse estudo a fim de emitir licenças para cada empresa antes que todas comecem a operar”, lamentou Patiño Díaz. “Eles nunca o fizeram na Península de Yucatán e deram as licenças individualmente”.