O presidente Evo Morales inaugurou, em janeiro de 2014, a primeira usina eólica da Bolívia. O projeto de US$ 7,6 milhões, construído pela HydroChina, fornece energia aos 25 mil habitantes de Pocona, município rural na região central do país.
Dias depois, o governo apresentou o Plano de Eletricidade para o Estado Plurinacional da Bolívia 2025, que definiu uma nova lei para aumentar a geração de energia renovável e dar o pontapé inicial na transição energética do país.
No final do mesmo ano, o governo também publicou o Plano para o Desenvolvimento de Energias Alternativas 2025, que visava à geração de energia limpa com a projeção de vender o excedente para os vizinhos Chile, Peru, Brasil e Argentina. A estratégia ganhou impulso em 2022 com os avanços na construção da infraestrutura de transmissão entre fronteiras, segundo o ministro de Energia Franklin Molina.
Em 2015, o relatório anual da Empresa Nacional de Eletricidade (Ende) estabeleceu a meta de transformar o país em exportador de eletricidade. De acordo com a empresa, até 2025, a demanda interna ultrapassaria os 3.000 MW e, como 13.382 MW seriam gerados até lá, a Bolívia poderia vender os 10.000 MW excedentes.
Essas políticas aumentaram as ambições para a Bolívia limpar sua matriz energética. Mas qual foi o avanço até então?
Transição energética da Bolívia: da conversa à prática
A produção de energia na Bolívia se baseia fortemente no gás natural, que representa 80,7% da matriz, seguido por hidrocarbonetos líquidos (petróleo e gasolina), com 13,9%. As energias renováveis, geradas por biomassa e energia hidrelétrica, vêm em seguida, com 4,5% e 0,85%, respectivamente, segundo dados compilados pela empresa Energética e pelo WWF em 2021.
80,7%
da energia produzida na Bolívia é composta por gás natural. Energias renováveis representam menos de 6% da matriz energética do país sul-americano.
A energia hidrelétrica é um dos pilares da transição energética da Bolívia, com 19 usinas em fase de estudos e um potencial de gerar mais de 8.500 MW. Quatro estão em construção e três foram construídas, segundo a Fundação Solon.
Os maiores projetos, como as hidrelétricas Bala-Chepete, ainda geram debate sobre custos e benefícios, já que impactam povos indígenas e áreas naturais protegidas.
“Houve avanços importantes nos últimos anos”, disse Miguel Fernández Fuentes, diretor da Energética, ao Diálogo Chino. O primeiro deles, segundo ele, é que a transição energética faz agora parte do discurso oficial.
“O problema é que a matriz energética da Bolívia está ancorada no consumo de hidrocarbonetos. Apesar da existência de parques fotovoltaicos, de energia eólica e biomassa, 93% [do consumo] ainda é dominado pelos combustíveis fósseis”, diz Fuentes.
Deixando o gás natural para trás
Apesar dos avanços recentes, Fernández e quatro especialistas consultados pelo Diálogo Chino vêem o cumprimento dos planos nacionais da Bolívia e dos compromissos internacionais com o clima, incluindo os do Acordo de Paris, como metas distantes. Os combustíveis fósseis continuam “onipresentes em todos os setores”, diz Fernández.
Em 2021, as receitas das vendas de gás natural para o Brasil e a Argentina chegaram a US$ 2,4 bilhões, de acordo com dados oficiais. Mas a diminuição das reservas nacionais significa que tais vendas são insustentáveis a longo prazo.
Segundo Pablo Villegas, pesquisador de hidrocarbonetos do Centro Boliviano de Documentação e Pesquisa, as reservas de gás natural da Bolívia estão se esgotando, forçando o país a uma transição energética “involuntária”.
A última avaliação oficial das reservas, realizada em 2018, estimou que restam 283 bilhões de metros cúbicos de gás natural. De acordo com a Fundación Milenio, um think tank boliviano, 80% dos campos de gás em operação estão em declínio. Apenas 17% estão em desenvolvimento e 3% operam com produção máxima.
Além dos lucros da venda de gás, o petróleo também gera receitas nacionais por meio do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos, de royalties e outros impostos, que são distribuídos a governos regionais, municipais e universidades públicas. Entre 2006 e 2019, em parte devido à alta dos preços internacionais, o país faturou US$ 37,4 bilhões com eles.
O Estado mantém um subsídio para bolivianos na compra de diesel e gasolina. No caso do diesel, o preço por litro é de 3,72 bolivianos (Bs) (R$ 2,68) e da gasolina, 3,74 Bs (R$ 2,70).
Entre 2016 e 2021, o custo desse subsídio subiu de US$ 209 milhões para US$ 637 bilhões devido à flutuação dos preços internacionais, segundo o jornal local Página Siete com base em informações da petrolífera estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Espera-se aumento dos gastos em 2022 por conta do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que provocou o aumento dos preços do petróleo.
O gás natural da Bolívia é o mais barato da região e custa às famílias bolivianas menos de US$ 2 por mês, segundo a YFPB.
Desde a descoberta das reservas de gás nos anos 1990, o Estado também tem incentivado a conversão de veículos movidos a gás natural. As medidas incluíram a instalação de equipamentos de última geração e serviços gratuitos. Em setembro de 2018, último ano para o qual há dados disponíveis, havia 400 mil veículos rodando com gás natural, de um total de dois milhões de veículos no país.
Avanço de projetos de energia renovável
O Ministério de Hidrocarbonetos e Energias informou ao Diálogo Chino, via e-mail, que espera cumprir o plano de energia renovável de 2025. “O uso de energia renovável, como porcentagem da demanda de eletricidade, deve aumentar para 75%”, ele reafirmou, sem confirmar qual porcentagem da matriz energética de 2025 seus novos projetos de energias renováveis representariam.
A Bolívia produz atualmente 1.600 MW de energia, dos quais entre 30% e 57% são oriundos de fontes limpas, dependendo da estação do ano, segundo o ministério.
“Temos 15 projetos com energias renováveis”, disse o ministério, embora só tenha fornecido informações sobre 11. Os demais projetos permanecerão na fase de pré-investimento até o final da administração, o que coincide com as datas-alvo de 2025, segundo o e-mail.
A Bolívia também tem explorado outras medidas para limpar seu sistema energético, diz o ministério, por exemplo, melhorando a eficiência da iluminação, incentivando a geração distribuída e a mobilidade elétrica.
Além dos planos governamentais, há incentivos fiscais, como o Decreto Supremo 4.539, que promove a fabricação e importação de veículos elétricos, além da importação de máquinas agrícolas elétricas, para ajudar na transição de outras áreas da economia boliviana. Bancos privados também começaram a oferecer créditos mais competitivos para a compra de veículos híbridos e elétricos. Já a Ende instalou pontos de recarga, que são de uso gratuito por um ano nos departamentos de La Paz, Oruro, El Alto, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra.
Há esperança de uma transição rápida na Bolívia?
“Por um lado, temos o discurso do avanço da transição energética, mas por outro, um país financiado por hidrocarbonetos”, diz Fernández. “Temos que trabalhar em uma estratégia nacional, alinhada com todos os setores, para ver que processo vamos utilizar para sair da imagem ancorada nos hidrocarbonetos para a de uma matriz energética sustentável”.
Danny Revilla, um dos autores de um estudo sobre o status dos planos de transição energética da Bolívia, explica que as termelétricas foram as que mais se desenvolveram sob o plano nacional de eletricidade de 2025. Isso reduz a possibilidade da Bolívia de cumprir com o Acordo de Paris.
Especialistas disseram ao Diálogo Chino que a Bolívia tem grande potencial para gerar eletricidade por fontes alternativas, como eólica, solar, geotérmica, hidrelétrica e biomassa. A única coisa que falta, dizem, é uma política proativa para a transição energética que saia do discurso para um planejamento adequado com políticas públicas mais fortes.
“É preciso deixar claro que, se não trabalharmos na transição, não teremos um planeta. Se o aumento da temperatura de 1,5 ºC até 2050 for ultrapassado, não há como reverter a crise climática”, ressaltou Fernández.