Uma simples redistribuição dos subsídios concedidos pela Argentina aos combustíveis fósseis seria suficiente para financiar a transição energética do país e levá-lo a alcançar a neutralidade de carbono até 2050, segundo uma pesquisa da Unicen, universidade baseada em Buenos Aires.
US$ 500 bilhões
Com base nas médias entre 2017 e 2021, a Argentina poderia realocar quase US$ 500 bilhões destinados a subsídios concedidos aos combustíveis fósseis para energias renováveis, segundo uma pesquisa da Unicen.
Para chegar a essa conclusão, o estudo estimou a destinação de US$ 500 bilhões em subsídios argentinos para combustíveis fósseis até meados do século — uma média de US$ 16,6 bilhões por ano. O dado se baseou nos recursos investidos na produção de petróleo e gás e na geração de energia por termelétricas entre 2017 e 2021. Na sequência, analisou quanto seria poupado em três cenários de financiamento da energia no país.
O primeiro cenário, o chamado business-as-usual (BAU), inclui novas usinas elétricas, medidas de eficiência energética e infraestrutura energética. Os outros dois cenários são alternativas de emissões zero: um baseado na geração elétrica exclusivamente com energias renováveis, e o outro incluiu biocombustíveis. Ambos prevêem um intenso uso de energias renováveis na geração de eletricidade e produção de hidrogênio verde.
Os autores Daniela Keesler, Nicolás Diaz e Gabriel Blanco não incluíram usinas nucleares ou hidrelétricas no estudo, devido às preocupações socioambientais que as cercam.
O montante destinado a subsídios em combustíveis fósseis poderia cobrir entre 58% e 100% dos custos de implantação de linhas de transmissão elétrica — um dos principais custos associados à transição energética — pelos cenários baseados em renováveis.
Portanto, o dinheiro para financiar grande parte da transição já existe; é uma questão apenas de redirecioná-lo.
Energias renováveis poupam recursos na Argentina
A Argentina produz 15 gigawatts (GW) de eletricidade a partir de fontes renováveis. Para cumprir com sua meta de neutralidade de emissões estipulada no Acordo de Paris, o país teria que aumentar exponencialmente a geração de emissão zero, para cerca de 240 GW.
Entretanto, os custos de usar energias renováveis para eletrificar a rede são 21% menores do que no cenário BAU — a economia seria de US$ 508 bilhões.
Ainda, segundo a pesquisa, “os maiores custos estão em setores como infraestrutura, devido à necessidade de novas linhas de transmissão ou a instalação de pontos de recarga para veículos elétricos”. Além disso, a incorporação de fontes renováveis também tem custos mais
Aumento de subsídios
Entre 2010 e 2019, diz o relatório Climate Transparency 2021, os subsídios para os combustíveis fósseis atingiram um pico na Argentina em 2015 e depois diminuíram continuamente, chegando ao mínimo histórico de US$ 5,3 bilhões em 2019.
“Neste período, a maioria dos subsídios foi para apoiar a produção e o consumo de petróleo, seguido por gás natural e energia gerada por combustíveis fósseis”, diz o relatório.
Embora o país tenha introduzido um imposto em 2018 sobre combustíveis fósseis líquidos, ele não tributou o gás natural — justamente o mais utilizado entre os fósseis.
Renováveis para a neutralidade
Em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE), os cenários alternativos previstos por Keesler, Díaz e Blanco permitiriam ao país atingir a neutralidade de carbono até 2050, reduzindo as emissões em aproximadamente 370 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Esse valor é similar ao total de emissões de GEE do país atualmente.
“O contínuo investimento na expansão da produção de combustíveis fósseis, particularmente petróleo e gás não convencional, não é compatível com um mundo [com o aquecimento limitado a] 1,5°C. Também não é compatível com o compromisso assinado pela Argentina em Glasgow de reduzir suas emissões de metano”, disse Gareth Redmond-King, um dos autores do estudo.
A Argentina gerou 61% de sua eletricidade a partir de combustíveis fósseis em 2020. O gás natural e o petróleo foram as principais fontes. A participação das energias renováveis no setor elétrico vem aumentando e representou 9% da matriz energética em 2020, seguido por eólica (7%) e solar (1%).
Atualmente, as emissões per capita da Argentina estão próximas da média do G20, de acordo com a Climate Transparency 2021, que também identificou três maneiras pelas quais o país poderia reduzir suas emissões per capita.
As duas primeiras envolvem reduzir os combustíveis fósseis — tanto a exploração quanto a geração de energia — e incentivar a troca de gás natural por fontes renováveis de energia. A terceira foca em soluções baseadas na natureza e “na proteção de ecossistemas, principalmente florestas e áreas úmidas, que podem oferecer excelentes oportunidades para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.
O que mais se pode ganhar com isso?
Se ao invés de continuar subsidiando combustíveis fósseis, o governo usasse os recursos para financiar a transição energética, haveria benefícios socioeconômicos, como a criação de empregos verdes.
Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), o setor gerou 11,5 milhões de empregos em todo o mundo em 2019. Na América Latina, esses cargos ficaram concentrados nos setores de biocombustíveis e energia hidrelétrica.
A pandemia destacou a necessidade de energias renováveis para atender às necessidades sociais, econômicas e ambientais
A proliferação de painéis solares fotovoltaicos também tem ajudado a criar novos empregos. Globalmente, a energia solar representou 33% da força de trabalho mundial do setor de renováveis em 2019.
“A pandemia destacou a necessidade de energias renováveis para atender às necessidades sociais, econômicas e ambientais”, conclui o relatório da Irena, que também pontua que 42 milhões de empregos poderiam ser criados no setor no mundo até 2050.
Além disso, medidas de eficiência energética poderiam criar outros 21 milhões de novos postos de trabalho, e a flexibilidade do sistema — ajustando a oferta e a demanda para alcançar um equilíbrio energético — criaria 15 milhões adicionais.
Esta matéria é parte do projeto jornalístico Comunidad Planeta, liderado pelo grupo Journalists for the Planet (PxP) na América Latina, do qual o Diálogo Chino faz parte.