Energia

O Chile alcançará sua meta de transição energética até 2030?

Novas regulamentações, maior investimento e incentivos, adoção de novas tecnologias e abertura de portas para novos atores serão necessários diante da gigantesca tarefa
<p>Manifestantes celebram o fechamento da Unidade I da usina termelétrica Bocamina, no Chile (Imagem: Jose Luis Saavedra / Alamy)</p>

Manifestantes celebram o fechamento da Unidade I da usina termelétrica Bocamina, no Chile (Imagem: Jose Luis Saavedra / Alamy)

Um passo importante precisa ser alcançado até o final desta década para que o Chile consiga atingir sua meta de se tornar neutro em carbono até 2050: garantir que sua rede elétrica seja abastecida por energias limpas. Embora a vontade do país pareça existir, pelo menos no papel, ele enfrenta vários obstáculos à medida que o horizonte se aproxima. Mas a ação precisa começar logo, alertam especialistas.

Em junho, o preço da eletricidade no Chile atingiu seu nível mais alto em sete anos. Os custos quase dobraram em relação a maio deste ano. Embora o aumento não tenha afetado diretamente o consumidor chileno, uma vez que os preços são fixados pelo governo, isto expõe a complexa situação do sistema elétrico do país.

22%


Foi o percentual das energias renováveis na matriz energética do Chile em 2021. Espera-se que em 2030 elas possam atingir 85% de todo o país.

O aumento ocorreu porque parte dessa energia teve que ser produzida com diesel. Várias razões levaram a isso, incluindo o fechamento de muitas usinas a carvão, como parte do plano de descarbonização do Chile; a queda na geração de energia hidrelétrica como resultado da megaseca que tem atormentado o país por quase uma década e meia; e o aumento do preço dos combustíveis fósseis após a invasão russa da Ucrânia.

Com exceção da guerra, essas circunstâncias não são necessariamente novas. E se não for encontrada uma maneira de superar esses obstáculos, os planos do Chile de realizar a transição para uma energia 100% limpa no curto prazo serão postos em xeque, já que necessidades imediatas priorizam a energia mais barata — qualquer que seja a fonte.

O Ministério de Energia do país disse estar trabalhando para acelerar sua transição energética, mas não fez novos anúncios desde que Gabriel Boric tomou posse.

Preparação chilena

No final de 2021, o governo chileno publicou sua Estratégia de Transição Justa do Chile para o Setor Energético, como parte de um compromisso assumido pelo país no momento da atualização de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDC). O trabalho foi liderado pelos ministérios de Energia, Meio Ambiente e Trabalho do governo anterior, que deixou o cargo em março, e também envolveu uma consulta pública.

Entre outras questões, a estratégia inclui medidas de transição justa da mão-de-obra e planos de monitoramento em áreas próximas às usinas a carvão para avaliar o processo pós-fechamento.

Embora o novo governo tenha se posicionado fortemente como pró-ambiente, ele ainda não fez nenhum pronunciamento relevante sobre a aceleração da transição energética, como acabou de fazer, por exemplo, sobre o desenvolvimento do hidrogênio verde no país — que será utilizado em grande parte para a exportação, e não para o consumo doméstico.

Em uma reunião em 5 de julho, o Conselho Interministerial procurou dar o pontapé inicial no Comitê de Desenvolvimento da Indústria de Hidrogênio Verde, do qual participam várias agências governamentais. O órgão vai focar na implementação da Estratégia Nacional do Hidrogênio Verde, apresentada pelo governo anterior. Seu avanço poderia dar pistas sobre o que se esperar de uma transição energética mais ampla.

O Ministério de Energia informou ao Diálogo Chino que vem trabalhando dentro do governo para desenvolver um plano técnico de eliminação gradual das usinas a carvão do Sistema Nacional de Eletricidade até 2030.

O foco é buscar soluções às necessidades do sistema elétrico, como compensar a inércia perdida — ou seja, a energia armazenada em geradores, uma deficiência dos sistemas solar e eólico — e a intensidade da rede elétrica diante da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Além disso, busca-se aumentar a eficiência da rede, otimizando a transmissão e a operação das usinas. Uma vez concluído esse trabalho, disse o ministério, a indústria poderá opinar sobre como refinar as diretrizes.

Um passo rumo à transição energética

Paralelamente a esse trabalho, o Coordenador de Eletricidade do Chile apresentou, no início de junho, sua estratégia para acelerar a transição energética, analisando possíveis cenários e definindo ações para gerar energia 100% renovável até 2030.

“O foco da transição energética deve ser o cidadão, assegurando que essa transição chegue a todos”, disse Juan Carlos Olmedo, presidente do órgão durante o lançamento.

Se a transição for feita muito rapidamente, seria como trocar de carro sem que fosse possível vender o que foi instalado para recuperar o investimento

De acordo com dados do plano, a participação de energias renováveis, como eólica e solar, na rede nacional, atingiu 22% em 2021, e sua contribuição máxima alcançou o recorde de 62%. Espera-se que em 2030 elas possam atingir 85% de todo o país — e 100% em algumas áreas.

O problema é que esse objetivo não será alcançado com o sistema elétrico tal como está configurado. Como alerta o Coordenador, a transição muda radicalmente a forma como a eletricidade é produzida e consumida, assim como as tecnologias que devem prevalecer na rede. “Isto dará origem a cenários operacionais altamente complexos e desconhecidos”, diz o plano.

Em outras palavras, a transformação tem que ser quase total. Ou seja, desde a infraestrutura do sistema até sua flexibilidade, robustez e resiliência, a fim de garantir uma transição de energia segura, eficiente e econômica. Os obstáculos, continua o documento, são a lenta implementação de reformas regulatórias, os sinais e decisões de investimento, os atrasos nos projetos e os efeitos das mudanças climáticas, como as secas extremas e os desastres naturais.

Para Álvaro Lorca, professor da Faculdade de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, apesar dos atuais obstáculos, a questão não é mais se o país vai conseguir uma transição energética, mas sim quando.

“O problema é que a tecnologia está se desenvolvendo muito rapidamente, portanto não sabemos se o que acreditamos ser o mais apropriado hoje será o mesmo em dez anos”, explicou Lorca. Na verdade, ele acrescentou, as possibilidades são tão abertas que “não sabemos se o hidrogênio verde será dominante ou se outro tipo de bateria o será”.

Pichação dizendo "não às usinas termoelétricas".
Saiba mais: Chile planeja fechar todas as usinas a carvão até 2025

O pesquisador acredita que, embora a possibilidade de se realizar a transição até 2030 seja muito ambiciosa, ela é possível, mas a um custo muito alto. Isto porque, entre outras coisas, “se a transição for feita muito rapidamente, seria como trocar de carro sem que fosse possível vender o que foi instalado para recuperar o investimento”. Não se pode pensar em velocidade sem pesar os custos, acrescenta ele.

A isto se soma a complexidade da reestruturação de toda a rede. Embora o Chile seja um líder mundial na adoção da energia solar, diz Álvaro Lorca, “temos que entender que o sistema elétrico de 20 anos atrás não tem nada a ver com o atual e este, por sua vez, não terá nada a ver com o de 20 anos a partir de agora”.

E acrescenta: “Não podemos adotar políticas ignorando os aspectos técnicos. Caso contrário, tomaremos decisões muito ruins”.

Urgência na transição energética

Embora a política energética não fosse muito clara sob o governo anterior, a nova administração tornou o quadro ainda mais confuso, diz Javiera Lecourt, coordenadora no Projeto Latino-Americano de Transição Justa e diretora-executiva da CEUS Chile.

“Embora o novo governo tenha uma clara intenção ecológica, seus primeiros cem dias têm sido focados no enfrentamento de questões urgentes, inclusive incentivando os combustíveis fósseis”, explicou Lecourt. Ela menciona a ampliação do fundo de estabilização do petróleo para amortecer o aumento dos preços dos combustíveis.

É preciso acelerar o plano de fechamento das usinas a carvão. Estamos com um prazo muito apertado

O que tem sido feito até agora não necessariamente definirá o ritmo do resto do governo, continuou Lecourt, mas é necessário retomar a agenda de transição e enviar um sinal claro para a descarbonização.

“É preciso acelerar o plano de fechamento das usinas a carvão, além de apoiar as iniciativas legislativas para a transição e as relacionadas ao armazenamento de energia”, disse Lecourt. Caso contrário, alerta, o objetivo não será alcançado: “Estamos com um prazo muito apertado”.

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