Nos últimos anos, debates sobre as mudanças climáticas e o impacto das fontes de energia nas emissões se tornaram cada vez mais presentes na sociedade e na imprensa. Apesar disso, o termo “transição energética” — a mudança estrutural de matriz energética, passando de combustíveis fósseis para as fontes renováveis — ainda não ganhou a mesma atenção.
O recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas deixou claro os impactos catastróficos do aquecimento global. Na América Latina, os efeitos serão ainda mais graves, com projeções de secas mais longas e intensas, o aumento do derretimento das geleiras e do nível do mar, incêndios florestais, furacões mais frequentes, a perda de biodiversidade e uma maior mortalidade pelas ondas de calor.
A transição energética é a maneira mais direta de retardar esses impactos negativos porque reduz, de maneira rápida, as emissões de carbono. Mas, apesar das evidências do potencial das energias renováveis, como solar e eólica, as matrizes energéticas da maioria dos países são altamente poluentes.
No México, por exemplo, mais de 80% da energia é oriunda de combustíveis fósseis, como o petróleo (56%), gás natural (26%) e carvão (3%). Apenas 11% provêm de fontes renováveis e, desta porcentagem, as energias geotérmica, solar e eólica, juntas, representam pouco mais de 3%.
Alarmados com essa situação, nós, da Climate Tracker, uma organização internacional que apoia o jornalismo climático, realizou um rápido exercício para avaliar a conscientização pública sobre a transição energética. Perguntamos a 12 pessoas na rua, espalhadas pelo México, Colômbia e Chile, se elas sabiam o que significava o termo. Em média, três em cada quatro pessoas disseram que não sabiam.
É claro que essa não é, de forma alguma, uma amostra representativa. Mas nos deu um bom ponto de partida para nos perguntarmos: como a mídia lida com a transição energética? Nós, jornalistas, nem sempre podemos olhar para dentro e analisar o trabalho que fazemos. Dessa vez, tivemos o privilégio de olhar criticamente para a mídia, e com um grupo de 12 jornalistas e pesquisadores de seis países da América Latina, questionamos como 36 veículos comunicavam a transição energética.
Pouca clareza, muita economia
Em nosso estudo, analisamos os casos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana e México para entender o fenômeno mais profundamente. Também realizamos uma série de entrevistas qualitativas sobre as experiências de jornalistas que cobrem o clima e a energia na região.
No México, analisamos reportagens sobre a transição energética publicadas entre agosto de 2020 e novembro de 2021 em seis veículos de comunicação: um de grande alcance, El Financiero; um de serviço público, Once Noticias Digital; um de comunicação digital, Animal Político; duas publicações regionais, El Norte e Por Esto; e uma revista especializada, Energía a Debate.
Uma das primeiras coisas que nos chamou a atenção foi que 98% das 452 matérias não definiam o conceito de transição energética. Alguns dos jornalistas entrevistados atribuíram isso ao imediatismo da publicação e outros ao fato de considerarem que esse conceito pode ser compreendido por qualquer pessoa. Apenas 4% das matérias incluíam explicações científicas — essenciais para entender o termo.
Objetivos e prazos são elementos concretos e informativos que devem ser discutidos quando se fala sobre transição energética
Outra descoberta importante foi a inclinação para um ângulo econômico na cobertura da transição energética. Em sua maioria, as matérias cobriam aspectos relacionados aos negócios, benefícios financeiros ou às perdas econômicas de empresas ou indústrias de energia. Isso ficou claro nos seis veículos de comunicação analisados. Sem grandes surpresas, o El Financiero foi o que publicou as matérias mais focadas na economia, enquanto que o Animal Politico foi o que publicou menos matérias com esse enfoque.
Embora não cause muita surpresa, o setor de energia foi o mais discutido, com outras áreas cruciais para a transição energética, tais como transporte e indústria, menos presentes na cobertura.
Em quase 90% dos textos analisados, nenhuma menção foi feita aos prazos para alcançar uma transição energética, como aqueles necessários para cumprir as estratégias energéticas de um país, suas metas de emissão líquida zero ou as metas de temperatura do Acordo de Paris.
Se os prazos ou metas para alcançar a transição energética não são discutidos, então apenas parte do processo está sendo tratado, sem esclarecer como isso será feito, os desafios da tarefa a ser alcançada ou em que prazo. Tais objetivos e prazos são elementos concretos e informativos.
Por exemplo, a Cidade do México pretende reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 10% até 2024 em comparação aos níveis de 2016, o que significa não exceder 24 milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2024. Isso foi estabelecido no Programa Ambiental e de Mudanças Climáticas para a Cidade do México 2019-2024.
Além disso, pode-se falar de metas e prazos para reduzir as emissões de CO2 em nível nacional, ou de emissões de metano ou ainda de aumentar a capacidade de uma fonte de energia renovável. É claro que a inclusão dessas informações em uma matéria jornalística sempre dependerá do que está sendo discutido no momento. Mas tanto as metas quanto os prazos devem ser considerados essenciais na discussão da transição energética, para aumentar a conscientização do avanço de fontes de energia específicas e em regiões específicas.
Viés masculino e dificuldade de comunicação
Nossa pesquisa também revelou que representantes do governo e homens são os mais consultados como fontes para as matérias. A proporção de gênero das fontes foi de 80% masculinas e 20% femininas.
80%
das matérias analisadas pelo Climate Tracker usavam fontes masculinas, mostrando a desigualdade de gênero na cobertura sobre transição energética na América Latina.
No nível editorial, observamos que o formato mais comum eram textos curtos, com menos de 800 palavras, sendo esse o caso de cinco veículos analisados; no caso de Animal Político, o formato longo predominou, com artigos de opinião.
Entendemos que as poucas publicações aprofundadas são uma consequência da falta de oportunidades na cobertura da transição energética para incluir respostas a duas das questões básicas do jornalismo: “como” e “porquê”, dois elementos que precisam de espaço para serem respondidas. Com tão pouco espaço, é muito provável que apenas o “o que”, “quem” ou “quando” de um fenômeno seja coberto. Daí a importância de se diversificar a cobertura e priorizar as informações mais relevantes para a sociedade.
Da mesma forma, ter uma variedade de formatos jornalísticos garante um melhor entendimento, especialmente sobre a transição energética, que é complexa e envolve outros conceitos e elementos a serem compreendidos.
Nas entrevistas, os jornalistas também concordaram que suas condições de trabalho deixam a desejar: eles devem cumprir cotas para produzir certo número de matérias; muitos trabalham para mais de um meio de comunicação; e reconhecem que carecem de especialização em questões energéticas. Ter as evidências que coletamos nos permite identificar esses gargalos, que também se tornam áreas de oportunidade.
Não será fácil ou rápido, mas é também um pedido a editores e grandes veículos de imprensa para levarem mais a sério questões que estarão na agenda jornalística nos próximos anos. Acreditamos ser possível melhorar tanto as condições de trabalho quanto profissionalizar os repórteres para a compreensão e comunicação de temas complicados.
Em meio à crise climática, o jornalismo também tem urgência em se transformar. O Climate Tracker oferece oportunidades para jornalistas que queiram fazer parte dessa transformação. Uma maneira de fortalecer o jornalismo é analisando a própria mídia. Tais interações entre pesquisa e jornalismo podem ajudar a democratizar a mídia e colocar a sociedade em primeiro lugar.