Energia

Barragens da patagônia argentina são vinculadas a outros empréstimos

Se forem canceladas, a China interrompe outros financiamentos para o país

O projeto de construção de duas barragens no Rio Santa Cruz, na Patagônia Argentina, se apresenta em um momento de crise energética no país, onde a necessidade de geração a preços exequíveis é uma prioridade.  Mas qual é a preocupação em relação a estas represas? A informação oficial existente prevê que o complexo Kirchner Cepernic não se encontra bem situado (nem econômica nem ambientalmente), existindo pelo menos uma dezena de projetos que têm melhor qualificação e perspectiva de viabilidade econômica, social, energética e ambiental. Depois de dois processos licitatórios falidos (2007 e 2012), da modificação da lei provincial de águas para permitir ao capital privado a exploração de energia hídrica, de uma concessão tornada sem efeito (2011), entre outros pontos de interesse, finalmente a obra foi entregue, em 2013, no terceiro processo licitatório, ao consórcio Represas Patagônia S.A., constituído pela China Gezhouba Group Company LimitedElectroingeniería y Hidrocuyo S.A., após um processo de licitação caracterizado pela falta de transparência. Um dado que não pode ser desprezado é que, em maio de 2015, o Grupo do Banco Mundial anunciou a inabilitação da Gezhouba e suas subsidiárias por um período de 18 meses, devido à má conduta destas entidades em três projetos financiados pelo Banco na China, vinculados à conservação da água, recuperação pós-terremotos e gestão de inundações. A isso se soma, em junho de 2016, o cancelamento de uma obra destinada ao transporte de água potável na Argentina, devido ao superfaturamento da obra e à ausência de estudos técnicos prévios. O financiamento da obra por USD 4.714.350.000 será através de três instituições financeiras chinesas: o China Development Bank Corporation (CDB), o Industrial and Commercial Bank of China Limited (ICBC) e o Bank of China Limited. O empréstimo tem uma taxa Libor + 3,8% adicional em 15 anos, com um período de carência que coincide com o prazo de execução da obra (cinco anos e meio), o que indica que o crédito começaria a ser pago com a obra já em funcionamento. Estima-se que 76% do crédito serão enviados ao país em forma de certificados de obras, enquanto o resto permanecerá em contas chinesas, que atuam como agentes de pagamento dos fornecedores de maquinarias e outros bens de capital. O acordo de financiamento e as obrigações extracontratuais derivadas serão regidos pela legislação inglesa, em caso de futuras controvérsias. Este complexo hidrelétrico afetará o curso do último rio glaciar (Rio Santa Cruz), que corre livre desde a Cordilheira dos Andes até o Mar Argentino, impactando não somente a fauna e a flora que interagem com ele, mas também o Parque Nacional Monte León e o Parque Nacional Perito Moreno, prejudicando os Glaciares Upsala e Perito Moreno. Os referidos glaciares são a terceira porção de reserva de água doce do mundo, depois do Polo Norte e da Antártida, além de considerados Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Esta situação confronta e se opõe às Leis de Proteção dos Glaciares (26.639) e dos Parques Nacionais (22.351). Mesmo que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) tenha sido realizado, seu procedimento apresentou sérias falhas, que impedem a realização de uma análise completa e integral das reais consequências do projeto Kirchner Cepernic, e que é fundamental para a liberação da licença ambiental de operação, descumprindo os requisitos mínimos estabelecidos na Lei Geral do Meio Ambiente. Esta situação resultou em duas ações judiciais apresentadas à Suprema Corte de Justiça do país, que ordenou ao atual governo a apresentação dos relatórios sobre os conteúdos da questionada EIA e os resultados ambientais do projeto. No entanto, o que haveria além das represas é a pergunta que aparece depois da intenção de realizar uma obra de infraestrutura, que será a terceira barragem hidrelétrica do país, mesmo com tantos questionamentos sobre sua sustentabilidade já que, em relação à sua qualificação econômica, as represas Kirchner e Cepernic estão em 23ª e 25ª posição de prioridade, respectivamente, entre 30 projetos analisados. Desde 2012, a Argentina tem fortalecido laços políticos e econômicos com a China. Este ano será assinada uma Declaração Conjunta, o que deu o pontapé inicial para determinar os acordos vinculados a temas energéticos, de transporte e agropecuário. Neste contexto, tiveram início as negociações de financiamento para a Ferrocarril Belgrano Cargas, entre outros. Em 2014, acontece outro marco na relação sino-argentina e se eleva a relação bilateral à categoria “Associação Estratégica Integral”. Isto ocorreu em um contexto econômico particular, onde o conflito com os holdouts internacionais tornaram sumamente difícil a possibilidade de acesso a créditos, gerando uma forte pressão sobre as reservas do Banco Central, o que colocou o país em risco de default. Entre os 18 acordos assinados, foi incluído um swap financeiro que permitiu fortalecer o nível das reservas. A estreita relação bilateral se manifesta, durante os primeiros meses de 2015, com a assinatura de novos acordos, além do contrato do início das obras das represas, com dois desembolsos milionários, sem que sequer houvesse sido concluído o procedimento do EIA. Diante de um possível cancelamento do projeto, anunciado a princípios de 2016 com a chegada de um novo governo ao país, o CDB enviou uma carta ao Ministério da Fazenda, com cópia para Gezhouba, referindo-se ao empréstimo concedido de US$ 4.714 bilhões e recordando o vínculo entre este e o acordo da Ferrocarril Belgrano Cargas de US$ 2.099 bilhões. A carta reforça pontos importantes dos acordos financeiros. Um deles é o cross default entre convênios firmados com a China, ou seja, uma cláusula de descumprimento cruzado. Isto implica que, ao cancelar um projeto, poderiam ser cancelados outros projetos com financiamento dessa fonte. Portanto, se o projeto das represas deixa de ser pago, provocaria o descumprimento do financiamento da ferrovia, colocando em risco fundos de US$ 6.813 bilhões para Argentina. Assim, a realização da obra permanece distante de uma análise de viabilidade do projeto, mas na dependência da recepção de fundos para outras obras de infraestrutura.