Energia

Após COP30, petróleo brasileiro avança rumo ao mercado global

País autoriza explorar a Foz do Amazonas enquanto exportações disparam e o setor busca consolidar posição no mercado internacional
<p>Plataforma petrolífera P-71 da Petrobras, a 200 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. Apesar do compromisso assumido na COP30 de construir um plano para eliminar os combustíveis fósseis, o Brasil abriu a Foz do Amazonas para a exploração (Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil)</p>

Plataforma petrolífera P-71 da Petrobras, a 200 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. Apesar do compromisso assumido na COP30 de construir um plano para eliminar os combustíveis fósseis, o Brasil abriu a Foz do Amazonas para a exploração (Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil)

A decisão de autorizar a exploração de petróleo na costa amazônica poucas semanas antes de o Brasil sediar a COP30 sinaliza a intenção do governo de reforçar sua presença no mercado internacional, apesar das críticas de ambientalistas.

No encerramento da conferência climática em Belém, o Brasil se comprometeu a continuar buscando avançar com um plano para eliminar os combustíveis fósseis das economias mundiais após não conseguir incluí-lo no acordo final. Internamente, porém, ele segue ampliando suas fronteiras petrolíferas, sobretudo de olho no mercado internacional.

As exportações brasileiras de óleo cru cresceram 132% na última década, chegando a quase 90 milhões de toneladas em 2024, segundo dados de comércio exterior. Nesse período, a China dominou a demanda: sozinha, importou mais petróleo do que todos os demais países do top 10 somados, segundo análise do Dialogue Earth.

Mapa da Foz do Amazonas
Mapa: Dialogue Earth

Com as exportações em alta também este ano, o Ibama, órgão federal de licenciamento ambiental, autorizou em outubro a estatal Petrobras a buscar petróleo no Bloco 59, na bacia da Foz do Amazonas, uma das regiões mais biodiversas do país. A aprovação ocorreu após sucessivas negativas da entidade desde 2023, motivadas por falhas apontadas no projeto.

A licença autoriza a perfuração de um poço marítimo no Bloco 59 para avaliar a presença de petróleo. Se houver reservas comercialmente viáveis, a Petrobras terá de aplicar para uma nova licença voltada à produção. Se não houver, novas autorizações seriam necessárias para perfurações adicionais. Mas a empresa já pediu ao Ibama que inclua a abertura de outros três poços sob a mesma licença.

Segundo a CEO da Petrobras, Magda Chambriard, o trabalho técnico apresentado pela estatal deve facilitar novos licenciamentos e destravar o avanço do setor rumo a uma “nova fronteira energética mundial”. A área fica próxima da região onde grandes descobertas de petróleo na Guiana vêm redesenhando a economia local na última década.

Autoridades do governo afirmam que a exploração é necessária para garantir a soberania energética do Brasil, mas observadores interpretam a licença principalmente como um sinal a investidores estrangeiros de que a expansão petrolífera seguirá em curso, mesmo diante da campanha do país de desacelerar o uso de combustíveis fósseis.

“Essa expansão é muito mais voltada para o mercado externo do que para atingir uma autossuficiência na produção”, disse Mahatma Ramos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), entidade de pesquisa vinculada à Federação Única dos Petroleiros.

Dias após a liberação, oito organizações brasileiras, incluindo o Observatório do Clima, acionaram a Justiça para denunciar supostas ilegalidades e falhas técnicas no processo de licenciamento. Elas afirmaram que o processo não consultou as comunidades locais, utilizou dados desatualizados sobre a ameaça à biodiversidade e deixou de avaliar seus impactos climáticos.

Tanto o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ao qual o Ibama é vinculado, quanto a Petrobras afirmaram que a licença resulta de um processo rigoroso de análise ambiental conduzido por cinco anos e destacaram que a empresa cumpriu todas as exigências estabelecidas.

A meeting room filled with attendees holding signs opposing fossil fuels and fracking
Protesto em audiência pública do Senado sobre a exploração de petróleo e gás na margem equatorial brasileira. O governo federal e a Petrobras afirmaram que a recente licença de perfuração foi concedida após uma rigorosa análise ambiental (Imagem: Geraldo Magela / Agência Senado, CC BY)

O Ibama também impôs 28 condicionantes à Petrobras, incluindo a realização de uma nova simulação de vazamento de óleo durante a perfuração do Bloco 59, cujos resultados deverão ser apresentados em até um ano.

“Na simulação de vazamento de petróleo feita em agosto, a Petrobras utilizou uma modelagem ultrapassada de 2013, embora já houvesse uma de 2024 disponível”, disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. “Se o próprio Ibama considera que há a necessidade de uma nova modelagem, não poderia ter dado essa licença”.

Óleo voltado ao mercado internacional

A Petrobras afirma que, se o Brasil mantiver a atual demanda por petróleo e não incorporar novas reservas, o país pode perder sua autossuficiência e precisar importar óleo já no início da próxima década. 

Uma análise do site jornalístico InfoAmazonia sugere que esse cenário só se concretizaria caso o país deixasse de cumprir sua meta climática de redução de emissões de carbono. Além disso, um relatório do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável aponta que 85% dos projetos da Petrobras seriam inviáveis economicamente em um cenário alinhado à meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação aos níveis pré-industriais, como estabelecido pelo Acordo de Paris.

Aerial view of an industrial complex featuring large storage tanks, pipelines, and processing units
Refinaria Abreu e Lima, recentemente ampliada em Pernambuco. Parte do petróleo cru exportado pelo país é refinado no exterior e depois reimportado (Imagem: Ricardo Stuckert / Presidência da República)

Em 2024, ano da segunda maior produção já registrada, o Brasil exportou 52% de todo o petróleo extraído. Parte das exportações corresponde ao envio de petróleo cru para ser refinado no exterior e depois reimportado, mas, segundo Ramos, a expansão recente da produção brasileira não tem como foco atender à demanda interna. 

“O Brasil tem ampliado bastante a sua produção de petróleo cru, o que permitiu que se tornasse um país importante no mercado de exportação”, disse Ramos. 

O país já ocupa a sexta posição entre os maiores produtores globais de petróleo, com 3,9 milhões de barris por dia, segundo o Trading Economics. A exploração da margem equatorial — que inclui a Foz do Amazonas — pode levar o país à quarta posição na próxima década, dizem analistas.

Ao mesmo tempo, empresas estrangeiras vêm ampliando seus investimentos na produção de petróleo no Brasil. No leilão realizado em julho, 19 blocos na foz do Amazonas foram arrematados — todos com participação de companhias estrangeiras, entre elas subsidiárias locais das americanas Chevron, responsável por um dos maiores vazamentos de óleo da história da Amazônia equatoriana, e ExxonMobil, principal operadora na Guiana, além da chinesa CNPC.

Ramos destacou que essa presença estrangeira tende a levar para fora os ganhos da produção futura de petróleo. “Grande parte da tecnologia, emprego e renda gerados a partir dessa exploração não vai permanecer em território brasileiro”, afirmou. 

Alguns especialistas acreditam que as empresas não estão levando em conta o risco de queda na demanda por petróleo após 2030, conforme projetado pela Agência Internacional de Energia. Mesmo que sejam encontradas reservas comercialmente viáveis na Foz do Amazonas, a produção só começaria, na melhor das hipóteses, daqui a sete anos.

“O mundo vive um momento em que as novas fronteiras da indústria fóssil avançam sobre jazidas de acesso cada vez mais difícil”, disse Andrés Gómez, coordenador para a América Latina da Iniciativa do Tratado de Combustíveis Fósseis. “Isso significa que serão feitos grandes investimentos que não necessariamente trarão retorno econômico, e há um alto risco de que as empresas terminem com ativos encalhados”.

A exploração na bacia da Foz do Amazonas, uma área de difícil acesso, também seria onerosa. Em seu plano estratégico, a Petrobras prevê investir US$ 3,1 bilhões na margem equatorial até 2028, perfurando 16 poços em águas profundas e ultraprofundas.

Petróleo: ativo econômico e político

Ativistas afirmam que a decisão do Ibama de conceder a licença ocorreu após pressão de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O momento da decisão, às vésperas de o Brasil sediar a COP30, também foi criticado, com ativistas classificando-a como um golpe na liderança climática do país.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que a decisão não foi resultado de pressão política e que seria “hipócrita” esperar o fim da conferência para conceder a licença.“Apesar de defender o fim do uso de combustíveis fósseis em Belém, o governo Lula destinou R$ 100 bilhões a mais para o setor de petróleo e gás natural do que seu antecessor pró-exploração, Jair Bolsonaro.

Isso ocorre em meio à aproximação do Brasil dos principais produtores de petróleo do mundo. Este ano, o país aceitou o convite — feito em 2023 — para integrar a OPEP+, grupo que reúne aliados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo. E, em diversas ocasiões, Lula afirmou que nenhum país está pronto para abrir mão do petróleo.

Clarissa Lins, sócia-fundadora da Catavento, consultoria em estratégia e sustentabilidade,  afirma que esse movimento do Brasil é guiado sobretudo por interesses econômicos, e não pela segurança energética. 

“É muito difícil pedir a um país considerado pelo Banco Mundial como sendo de renda média abra mão desse recurso econômico,” disse ela. “O óleo produzido aqui é de alta competitividade, e a indústria tem uma relevância que não pode ser ignorada”. 

O debate deve ganhar impulso com a aproximação das eleições presidenciais de 2026. “O presidente Lula ainda associa muito o petróleo ao desenvolvimento”, disse Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe da organização 350.org. “Na busca por uma reeleição, ele deve trazer esse tema à tona quando falar sobre empregos, geração de renda, melhoria da qualidade de vida”.

Petrobras ‘discreta’ na COP30

Apesar de suas manobras nas semanas que antecederam a conferência, a Petrobras teve um papel “discreto” na COP30, enviando funcionários de segundo escalão — mesmo com um número recorde de lobistas de combustíveis fósseis presentes.

“A Petrobras tem um peso claro dentro do governo, com acesso direto ao presidente Lula e a outros políticos relevantes, mas durante a COP, eles se comportaram de maneira muito discreta”, disse Zugman.

A crowd marches in a city street, holding banners and flags, with a large globe balloon in the background
Marcha pelo Clima na COP30 levou cerca de 70 mil pessoas às ruas de Belém. A Petrobras realizou dois eventos na conferência climática, um deles no mesmo dia do protesto (Imagem: Hellen Loures / Cimi, CC BY NC SA)

Questionada sobre sua participação e eventual orientação para reduzir aparições públicas, a Petrobras limitou-se a dizer ao Dialogue Earth que “esteve presente na COP30, assim como participou das últimas edições, pois reconhece a oportunidade de discutir modelos sustentáveis”. 

A estatal realizou dois eventos no pavilhão oficial do Brasil, na área restrita onde ocorrem as negociações. Um deles coincidiu com a Marcha pelo Clima, que levou cerca de 70 mil pessoas às ruas de Belém cobrando, entre outras demandas, que não haja exploração de petróleo na Amazônia.

Segundo especialistas, tratou-se de “uma escolha tática”. “O evento aconteceu justamente quando a sociedade civil organizada estava ocupando as ruas, concentrando a atenção da mídia”, disse Renata Prata, analista ambiental do Instituto Internacional Arayara.

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