Quase duas décadas após o início das obras com investimentos de US$ 3,2 bilhões no norte do Equador, a hidrelétrica Coca Codo Sinclair continua sendo uma eterna promessa.
Concebida para reforçar a matriz energética equatoriana e pôr fim aos recorrentes apagões do país, a usina foi erguida na Amazônia, entre as províncias de Napo e Sucumbíos, com a expectativa de cobrir cerca de 30% da demanda elétrica nacional. Porém, desde que começou a operar em 2016, nunca alcançou sua capacidade de 1,5 gigawatts, e os cortes de energia seguem frequentes.
No fim de 2024, os equatorianos enfrentavam cortes de 14 horas e a usina atingia um terço de sua capacidade. Na iminência de outra seca severa, novos apagões são considerados inevitáveis.
O capítulo mais recente da novela veio da China. No fim de junho, o presidente equatoriano Daniel Noboa encontrou seu homólogo chinês Xi Jinping em Beijing. Após a visita, a chanceler equatoriana, Gabriela Sommerfeld, anunciou um acordo para que a PowerChina assumisse a operação.
A PowerChina controla a Sinohydro, responsável pela construção da hidrelétrica. O projeto foi viabilizado por um financiamento de US$ 1,7 bilhão do Banco de Exportação e Importação da China. No entanto, o custo final superou o dobro desse valor.
Agora, o acordo prevê US$ 400 milhões em indenização ao Equador e o fim da disputa internacional aberta em 2021, que cobrava US$ 580 milhões por problemas estruturais da usina. Entre elas, havia 17 mil rachaduras, válvulas defeituosas e peças mal instaladas.
Líderes da oposição questionam a legitimidade do novo acordo, que, na prática, entrega a operação da usina à mesma empresa responsável por sua construção.
“O paradoxo é claro: o projeto emblemático, que deveria transformar nossa matriz energética, acabará sendo operado pela mesma empresa culpada pelas falhas que impediram que isso acontecesse”, disse a ex-congressista Ana Galarza, do Movimiento Construye, ao Dialogue Earth.
“A PowerChina está pagando US$ 400 milhões pela concessão da Coca Codo Sinclair”, acrescentou. “Não tentem nos enganar nem nos tratar como se fôssemos ingênuos”.
Concessão à PowerChina
Da construção à operação, a saga da hidrelétrica atravessou quatro presidentes do Equador: os três mandatos de Rafael Correa (2007–2017), seguidos por Lenín Moreno (2017–2021), Guillermo Lasso (2021–2023) e, agora, Daniel Noboa (2023–2029).
A ministra de Energia do Equador, Inés Manzano, explicou ao Dialogue Earth que o acordo não configura uma concessão ou privatização da usina, “mas um modelo de gestão temporário para garantir o funcionamento técnico do sistema”.
Manzano acrescentou que, “como parte desse acordo, espera-se que a Sinohydro assuma a manutenção e a administração da usina hidrelétrica”. Hoje isto fica a cargo da estatal Corporação Elétrica do Equador (Celec).
Mas ela não detalhou prazos, explicando que o acordo é “apenas o primeiro passo de um processo mais amplo” de procedimentos legais antes que a arbitragem seja concluída.
Pelo menos quatro ministérios participaram das negociações. A ministra de Economia e Finanças, Sariha Moya, explicou ao Dialogue Earth que a PowerChina havia proposto inicialmente uma garantia financeira, a ser liberada gradualmente conforme a empresa realizasse melhorias na Coca Codo Sinclair. A ideia, no entanto, foi rejeitada. “Os problemas da usina não geraram prejuízos apenas para a empresa, mas também para o Estado. Portanto, não aceitamos a garantia e exigimos uma indenização”, afirmou.
Para a oposição, os impactos ambientais também precisam ser levados em conta. Ana Galarza destacou que a Coca Codo Sinclair teria contribuído para a erosão do rio Coca — questão que ganhou força quando a cachoeira San Rafael, a jusante da usina, praticamente secou em 2020. Pesquisadores sugerem que as instalações podem ter agravado a erosão do solo, embora a operação da usina também tenha sido afetada na época.
Para Inty Grønneberg, engenheiro mecânico e cientista que estudou a trajetória da Coca Codo Sinclair ao longo de duas décadas, deixar a PowerChina no comando da hidrelétrica pode ser a melhor solução possível.
“Não se trata de ideologizar o projeto, mas de resolver problemas”, disse Grønneberg ao Dialogue Earth. “Não importa se é administração, concessão ou como você quiser chamar. O Equador precisa de eletricidade, especialmente com um período de baixa vazão batendo à porta novamente”.
Embora a usina estivesse operando apenas parcialmente, quase um terço da eletricidade do país ainda era gerada pela Coca Codo Sinclair no período de escassez hídrica de 2024.
Natureza contra a Coca Codo Sinclair
Projetada para gerar mais de 8,7 mil gigawatts-hora por ano — o equivalente a um terço da demanda elétrica do Equador —, a usina funciona de forma intermitente. Parte da limitação se deve ao fato de ser uma hidrelétrica a fio d’água — que não conta com um grande reservatório, e por isso depende do fluxo do rio Coca.
Em outubro de 2024, ela operou a 39% de sua capacidade; em julho de 2025, foi temporariamente suspensa devido ao acúmulo de sedimentos após chuvas fortes; e, nos primeiros sete meses de 2025, ficou fora de operação 19 vezes, conforme a Celec.
A usina está instalada em uma região marcada por forte atividade sísmica e processos de erosão regressiva — em outras palavras, um vale naturalmente propenso a desastres naturais. No último inverno amazônico, as chuvas intensificaram o fluxo e aumentaram a profundidade do rio Coca, destruindo obras de contenção e ampliando os riscos à usina.
A erosão já devastou parte da infraestrutura ao redor e ameaça alcançar o ponto de captação de água. Em julho de 2025, a estatal Celec informou que a frente erosiva estava a 4,7 km da usina; quatro semanas depois, a distância havia diminuído para 4 km.
Segundo a Celec, as enchentes também destruíram estruturas essenciais, como as paredes rochosas e o revestimento do canal que serviam para reforçar as encostas. A força da água varreu a praia antes usada por moradores e aprofundou a margem esquerda do rio.
Desde 2020, a estatal já investiu mais de US$ 150 milhões em estudos, projetos, consultorias e obras de engenharia para conter a erosão do rio Coca.
