Ao se aproximar do fim de seu primeiro ano no cargo, o compromisso de Claudia Sheinbaum com a geração de energia limpa no México seguiu firme.
A presidente prometeu tornar a energia renovável um dos pilares de seu governo, aproveitando os vastos recursos solares e eólicos do país para torná-lo um dos líderes regionais em energia limpa.
Os planos de Sheinbaum demonstram um afastamento das políticas energéticas de seu antecessor e padrinho político, Andrés Manuel López Obrador, que se concentrou em aumentar a produção da estatal petrolífera Pemex. A administração anterior desacelerou iniciativas renováveis, congelando o processo de licenciamento de novos projetos.
“Vamos impulsionar a energia renovável no México”, disse Sheinbaum na cerimônia de posse, em 1º de outubro de 2024. “O objetivo é que, até 2030, 45% da energia do país seja proveniente de fontes renováveis”.
Esses esforços incluíram um amplo pacote de reformas constitucionais, aprovado rapidamente no início do ano graças à maioria governista no Congresso. Esse novo conjunto de leis, publicado em 18 de março, abre as portas para ampliar os investimentos privados em energia limpa.
As novas leis também permitem que produtores privados de eletricidade aumentem a chamada geração distribuída, descentralizando a produção energética. E, em mais uma guinada em relação à gestão de López Obrador, foi ampliada a quantidade de energia autogerada que os projetos podem utilizar no local de produção, passando de 0,7 para 20 megawatts.
Essas mudanças foram elogiadas por representantes do setor, que consideram as novas leis benéficas para os pequenos geradores de energia. A nova legislação permite que empresas privadas criem usinas para abastecer suas operações com eletricidade limpa, seja de forma independente ou em parceria com companhias de energia.
O Dialogue Earth conversou com Yolanda Villegas, advogada especializada no setor mexicano de energia. “Acho que é uma medida muito positiva”, afirmou sobre o recente pacote legislativo. Villegas trabalhou como consultora jurídica e gestora de compliance em gigantes do setor, como a Pemex e a Vitol. “Muitas empresas privadas terão interesse em aproveitar essa oportunidade”.
A nova legislação garante o domínio estatal do setor por meio da Comissão Federal de Eletricidade (CFE), que ficará a cargo da geração de pelo menos 54% da energia elétrica do país. O pacote legal também fortalece a Pemex, que está altamente endividada, para tentar reverter o declínio da produção de petróleo bruto mexicano e reduzir a dependência das importações.
O objetivo de Sheinbaum é que o México alcance a “soberania energética”, meta que, segundo ela, exige que a Pemex e a CFE sejam os principais produtores de energia do país. Vozes críticas à medida argumentam que isso contradiz as metas do governo em relação às energias renováveis. Também há preocupações sobre a ampliação de investimentos na Pemex, considerando seu alto grau de endividamento.
As ambições de Sheinbaum marcam uma mudança importante em direção a um futuro mais verde, mas alcançá-las não será fácil. O maior desafio, de acordo com um funcionário público do setor que pediu para não ser identificado, será manter uma relação colaborativa e construtiva com os Estados Unidos. Isso tem se mostrado difícil desde que Donald Trump reassumiu o poder na Casa Branca.
No país, há dúvidas sobre a capacidade de cumprir as metas climáticas mexicanas a partir das operações da Pemex e da CFE. A iniciativa privada também expressa dúvidas em relação ao marco do setor que agora prioriza as estatais.
Primeiros passos: finanças e legislação
Em fevereiro, Sheinbaum disse que seu governo pretende adicionar quase 23 gigawatts de capacidade à geração de energia do México até 2030. De acordo com ela, isso deve incorporar “uma grande porcentagem de geração de energia renovável”. Considerando que a capacidade instalada do país é de cerca de 95 gigawatts, a meta representaria um aumento de 24% em cinco anos.
A maior parte da rede elétrica do México é alimentada por combustíveis fósseis, principalmente gás importado dos Estados Unidos. A CFE fornece energia para cerca de 50 milhões de pessoas no México e gerou 72% de toda a eletricidade consumida em 2024, de acordo com dados da empresa.
Para atingir seus objetivos, o governo vai gastar mais de US$ 22 bilhões nos próximos cinco anos para financiar melhorias na geração e distribuição de energia elétrica da CFE. O México também buscará entre US$ 6 bilhões e US$ 9 bilhões em investimentos privados do setor de energia para ampliar de 6,4 GW a 9,5 GW a capacidade de energia limpa até 2030.
A recente reforma legal mexicana inclui novos modelos de contrato para incentivar os investimentos privados, como parcerias com a CFE e limites maiores de autoabastecimento. As novas leis formalizam o controle estatal do setor, conferindo à iniciativa privada uma participação limitada. A partir das reformas, a CFE e a Pemex agora podem celebrar acordos com empresas privadas, mas continuarão como os principais acionistas nos novos projetos.
“São planos ambiciosos”, afirmou Israel Hurtado, CEO e fundador da Associação Mexicana de Hidrogênio e Transição Energética. “Acredito que podem ser concretizados se o governo cumprir suas intenções de incluir a iniciativa privada na geração de energia renovável”.
O Dialogue Earth também conversou com María José Treviño, diretora da Acclaim Energy no México. Treviño supervisiona a análise e negociação dos contratos de fornecimento de gás e eletricidade da empresa americana no país. Segundo ela, seus clientes estão motivados pela flexibilização dos limites de geração de energia renovável, o que, por exemplo, abrirá caminho para um aumento nas instalações de energia solar.
“Acho que há demanda para comprar energia renovável e desenvolvê-la de uma forma que faça sentido do ponto de vista econômico”, disse Treviño. “Mas, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma usina solar de 20 MW, por exemplo, requer um grande terreno, e será difícil encontrar espaço para isso”.
A CFE planeja desenvolver centenas de projetos de geração, transmissão e distribuição de energia, muitos deles financiados pelo governo e potencialmente abertos às parcerias privadas, conforme o novo modelo do estado.
Questões sobre transparência
O marco legal e as normas das políticas energéticas de Sheinbaum são mais abertos ao capital privado para projetos de energia solar, hidrelétrica, eólica, geotérmica e de hidrogênio do que os de López Obrador. Porém, alguns analistas acreditam que esse papel será limitado devido ao domínio da CFE e ao maior controle regulatório do Estado sobre o setor.
O pacote de reformas muda radicalmente o ambiente regulatório do setor energético mexicano, eliminando dois órgãos reguladores autônomos: a Comissão Reguladora de Energia (CRE) e a Comissão Nacional de Hidrocarbonetos (CNH). Esses dois órgãos supervisionavam de forma independente contratos, licenças e preços nos mercados de petróleo, gás e energia. Agora, essas funções são desempenhadas pela Comissão Nacional de Energia (CNE), sob o guarda-chuva do Ministério da Energia.
Empresas privadas já alertam que a dissolução da CRE e da CNH poderia “prejudicar a livre concorrência e priorizar a concessionária estatal em detrimento das empresas privadas”. Além disso, a legislação estabelece um limite máximo de 46% para a participação privada em investimentos nos setores de eletricidade e energias renováveis.
Treviño alimenta um otimismo moderado em relação a esses pontos: “Queremos acreditar que a energia renovável avançará e ampliará sua capacidade. Se o investimento estatal na CFE aumentar conforme planejado, a produção privada terá que acompanhar esse crescimento”.
Justiça energética
Outro princípio dos planos de Sheinbaum para o setor é a “justiça energética”. Esse conceito visa garantir que todos os cidadãos — sobretudo aqueles em comunidades rurais, marginalizadas e indígenas — tenham acesso à eletricidade para aquecer água, cozinhar e refrigerar seus alimentos. Até 2020, 1% dos lares mexicanos ainda não tinha acesso à eletricidade.
O governo Sheinbaum agora tenta acabar com os fogões a lenha, que contribuem significativamente para a poluição do ar no México. De acordo com Villegas, cerca de 50% da população segue usando esses fogões, cujo funcionamento também abrange uma cadeia de desmatamento e incêndios florestais.
Para implementar esses planos de justiça energética, as leis recentemente aprovadas exigem que o Ministério da Energia crie e administre um Fundo Universal de Serviços Energéticos, o qual, por sua vez, deve priorizar a oferta de eletricidade para comunidades rurais e urbanas mais vulneráveis. Os ministérios das Finanças, do Meio Ambiente e do Bem-Estar vão trabalhar em parceria com a CFE e a Pemex para decidir como devem distribuir os recursos.
“A ideia de justiça energética parece uma iniciativa positiva”, afirmou Hurtado. Ele destacou que a expressão “justiça energética” aparece 33 vezes na nova legislação.
“Se uma parte da população mexicana ainda não tem acesso à eletricidade, então é necessário que essas pessoas tenham justiça energética”, completou.


