A relação da América Latina com a mineração tem sido bastante turbulenta. É uma história que remonta ao período da invasão europeia no século 16, quando exploradores saquearam a região em busca de ouro e prata para enriquecer, principalmente, as coroas espanhola e portuguesa.
Após os processos de independência no século 19, com a chegada de capital estrangeiro e novas tecnologias, o setor introduziu elementos que promoveram uma verdadeira destruição dos ecossistemas e comunidades locais: o mercúrio, o cianeto, a dinamite e a dragagem de rios.
Essa segunda fase da mineração latino-americana perdurou por dois séculos, apesar das diversas crises. E o que ela nos trouxe? Investimentos, royalties e algum avanço em infraestrutura. Mas, depois de tanto tempo, é nítido que a mineração tirou muito mais do que entregou à região.
Agora, a América Latina encara uma terceira oportunidade — talvez a última — de estabelecer uma nova relação com a mineração, pelo bem da humanidade e do planeta.
Os minerais críticos para a transição energética, como cobre, lítio, níquel, cobalto, grafite e terras-raras, são parte fundamental tanto da geração de energia renovável quanto do estabelecimento de economias de baixo carbono. Sem esses minerais, a eletrificação não acontece: não há painéis solares, nem turbinas eólicas, nem veículos elétricos.
Os minerais críticos estão concentrados em pouquíssimos lugares do planeta. E, mais uma vez, a América Latina atrai as atenções do setor. A região concentra grande parte dos minerais necessários para a transição energética global: ela tem 38% das reservas globais de cobre, 52% de lítio, 22% de grafite e níquel e 17% de zinco, entre outros. Esses metais são abundantes principalmente em países como Chile, Bolívia, Argentina, Brasil, México e Peru.
Porém, há o risco de que a história seja repetida nesse novo ciclo de mineração: os minerais críticos são extraídos independentemente dos custos socioambientais; exportados em estado bruto para países que conseguem processá-los e transformá-los em produtos de valor agregado; e o país exportador não recebe royalties suficientes para melhorar as condições de vida nos territórios afetados.
Para transformar essa história, a América Latina precisa aproveitar a janela de oportunidade do cenário internacional.
Se os países estiverem verdadeiramente comprometidos com o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, a produção atual de minerais críticos não será suficiente para eletrificar as economias do mundo. Até 2040, cerca de 90% da demanda global de lítio será voltada para a geração de energia limpa — a título de comparação, essa proporção era de menos de um terço em 2020.
Uma projeção semelhante é esperada para a extração de metais como cobre, cobalto e níquel, cuja fatia destinada às tecnologias de transição energética será de 40%, 60% e 70%, respectivamente. Em outras palavras, esses números indicam que a América Latina será indispensável para as cadeias globais de abastecimento e produção.
Em termos geopolíticos, a região não representa uma ameaça às potências globais: ela não é marcada por ataques terroristas de radicais religiosos, nem por ameaças de bombas nucleares, nem por guerras imprevisíveis. Por isso, ela está em uma posição privilegiada para promover relações comerciais com países ávidos por minerais críticos, mitigando eventuais disputas geopolíticas que interrompam seu abastecimento.
A América Latina tem grande potencial de produção no setor automotivo — sobretudo em países como Brasil, México, Argentina, Colômbia e Costa Rica — e pode processar internamente alguns minerais críticos. O Chile e a Argentina, por exemplo, processam, respectivamente, 29% e 10% do lítio do mundo. Isso pode ser ainda mais incentivado por meio de uma cooperação regional para expandir os investimentos, aumentar a capacidade industrial e tecnológica e diversificar a cadeia de valor desses minerais.
Porém, o impulso dessa atividade precisa vir acompanhado de salvaguardas sociais que garantam sua legitimidade. São necessários empregos dignos, com remuneração decente e com atuação diversificada, passando pela extração de minérios e operação de máquinas de refino à montagem de baterias ou veículos elétricos, por exemplo. Em segundo lugar, os benefícios não podem se resumir a salários, mas precisam se traduzir em investimentos para a infraestrutura social e produtiva local.
A extração de minerais críticos não está livre de emissões, conflitos ou destruição ambiental. O lítio é um exemplo disso: abundante em desertos e salinas do Chile e da Bolívia, o metal demanda o uso de muita água para sua extração e processamento, gerando um grande estresse hídrico em zonas vulneráveis. Daí a importância de novas e melhores salvaguardas ambientais, muito mais sólidas do que as implementadas no passado para a mineração tradicional.
Esse desafio é gigantesco, mas a região não começa do zero: o Acordo de Escazú, primeiro tratado ambiental regional da América Latina, pode ser uma plataforma política e jurídica fundamental para proteger a biodiversidade e os ativistas ambientais.
Nenhum país latino-americano possui os minerais, a força financeira ou a tecnologia para ser uma potência na transição energética por si só. No entanto, coletivamente, suas reservas acumuladas, suas condições geopolíticas, seu potencial de diversificação industrial e tecnológica e sua capacidade de desenvolver salvaguardas socioambientais constituem uma oportunidade para transformar seu modelo de desenvolvimento e o de todo o planeta.