Investimentos chineses têm ajudado a impulsionar a energia fotovoltaica na Nicarágua. O governo nacional concedeu, este ano, à China Communications Construction Company Limited (CCCC) a construção e operação de três usinas solares no país.
Em 2022, a CCCC, uma das principais empreiteiras asiáticas, chegou com força na Nicarágua após a adesão do país à Iniciativa Cinturão e Rota, da China.
O principal projeto, a Usina Solar San Isidro Enesolar AP-AS 1, que deve custar US$ 92 milhões, foi concedido no fim de junho. O filho e conselheiro do presidente Daniel Ortega, Laureano Ortega Murillo, disse que ele será um marco na parceria com a China.
“A China tem as melhores tecnologias fotovoltaicas do mundo”, ressaltou Ortega Murillo ao anunciar o projeto. “Isso nos dá a garantia de que o projeto será realizado da melhor maneira e com o melhor desempenho”.
As outras duas, a usina fotovoltaica El Hato, também em Matagalpa, receberá cerca de US$ 80 milhões, e o projeto solar em Masaya, terá US$ 70,5 milhões.
A matriz energética do país centro-americano é composta por 60% de fontes renováveis, com a maior parte proveniente de biocombustíveis e biomassa. Já a capacidade de geração solar ainda é baixa.
Quase 60% da energia gerada na Nicarágua provêm de fontes renováveis: a maior parcela é de biocombustíveis e biomassa (41,8%), seguida pela geração eólica, hidrelétrica e solar (17,4%). Já os 40% restantes englobam os derivados de petróleo.
Organizações locais também ressaltam que a Nicarágua desperdiça quase 20% de sua eletricidade devido a sistemas obsoletos e conexões ilegais em linhas de transmissão. Isso faz com que o país tenha uma das tarifas de luz mais caras da América Central.
Recentemente, a Nicarágua levou seu relacionamento com a China — que controla quase 80% da cadeia global de fornecimento de energia solar — ao patamar de “parceira estratégica”. Isso ocorreu após a retomada das relações diplomáticas bilaterais em 2021, movimento marcado pelo rompimento de laços com Taiwan, visitas oficiais das duas nações e um encontro entre os presidentes Daniel Ortega e Xi Jinping.
Desde abril de 2018, a Nicarágua vem enfrentando uma grave crise sociopolítica sob o governo autoritário de Ortega. Em pouco mais de um ano, pelo menos 355 pessoas morreram em meio à violenta repressão estatal contra as manifestações da oposição.
A chegada dos novos projetos de energia solar no país gera preocupações entre analistas, principalmente pela dificuldade de fiscalizar com transparência impactos socioambientais.
O Dialogue Earth conversou com Evan Ellis, pesquisador sobre América Latina na Escola de Guerra do Exército dos EUA, na Pensilvânia, sobre o histórico do governo nicaraguense em projetos do tipo.
“O resultado tem sido desastroso em termos de benefícios para as comunidades, impactos ambientais e conflitos sociais — sobretudo em um regime que carece de transparência, instituições democráticas sólidas e Estado de Direito”, avaliou o professor.
Usinas solares de grande porte
Conforme o governo Ortega, a usina de San Isidro terá 112 mil painéis solares. Sob condição de anonimato, fontes disseram ao Dialogue Earth que a usina de El Hato deve ter escopo semelhante. Um especialista em energia renovável do setor privado — que preferiu não se identificar — disse que a construção das duas usinas solares exigirá o desmatamento de aproximadamente 200 hectares na região.
O Dialogue Earth também falou com Amaru Ruiz, presidente da Fundação do Rio. O governo determinou o fechamento da organização na Nicarágua devido às suas críticas à política ambiental do país, e por isso hoje ela funciona na Costa Rica. Com base em seu conhecimento prévio sobre o setor de mineração, Ruiz afirmou que “não há nenhum estudo de impacto ambiental ou social que barre os interesses do governo”.
Ruiz acrescentou que a administração Ortega “tem um longo histórico de violação aos direitos das comunidades indígenas e de repressão às vozes dissidentes e, infelizmente, esse caso não será diferente”.
O Dialogue Earth tentou conversar com líderes comunitários em Matagalpa, mas eles preferiram não comentar o caso por medo de represálias.
Eletricidade limpa cresce, mas tarifa segue alta
Em mais de uma década, o governo da Nicarágua criou incentivos para investidores estrangeiros, aproveitando a abundante irradiação solar, vento e calor geotérmico para apostar em energias renováveis.
Em 2009, o país viu um boom nos investimentos de energia eólica, somando cerca de US$ 300 milhões. Quatro grandes parques eólicos foram construídos no sul, numa faixa de terra entre o Lago Cocibolca e o Oceano Pacífico. O financiamento foi obtido junto a investidores locais e estrangeiros.
O parque eólico Amayo, por exemplo, foi financiado por um consórcio de empresas de Nicarágua, Guatemala e Estados Unidos. Essas iniciativas de geração renovável foram elogiadas em 2014 pelo então secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. O país também tem apostado em pequenos projetos hidrelétricos que aproveitam o curso natural dos rios para produzir energia.
Se em 2007, apenas 25% de sua matriz energética era composta por fontes renováveis, esse número subiu para cerca de 50% em 2016. Embora o país continue importando combustíveis fósseis, a produção de energia renovável por meio de biocombustíveis e biomassa hoje supera a dos derivados do petróleo.
Para seguir impulsionando essa transformação, a Nicarágua tem oferecido incentivos a investidores, como isenções fiscais sobre a renda, propriedades e importações de bens de capital.
“As usinas de geração renovável instaladas no país são isentas de impostos por lei. Por dez anos, elas não pagam tributos sobre o valor agregado e nem imposto de renda até uma fase inicial de operação”, explicou um dos especialistas consultados pela reportagem.
“As projeções [do governo] são de que, até 2035, a energia solar triplicará sua capacidade instalada”, acrescentou o especialista, embora “a principal joia seja a energia geotérmica” — que representa mais de 15% da matriz elétrica da Nicarágua.
Diante das oscilações de outras fontes renováveis no país, a extensa cadeia de montanhas vulcânicas alimenta consistentemente o setor geotérmico. A Cordilheira dos Maribios faz parte do Anel de Fogo do Pacífico, com vários vulcões ativos. O governo estima que o potencial geotérmico da Nicarágua seja de dois gigawatts.
A energia solar da Nicarágua pode triplicar até 2035, mas a joia do país é a energia geotérmicaEspecialista do setor de energias renováveis da Nicarágua
A Empresa Nacional de Transmissão Elétrica da Nicarágua (Enatrel) também coloca as energias renováveis como prioridade em seu plano de expansão para o período 2022-2037. Uma nova leva de projetos deve ser implementada nos próximos anos para manter as fontes limpas na liderança da geração elétrica no país.
O plano reconhece os efeitos das mudanças climáticas no setor, como a seca dos rios e a perda de safras, que afetam tanto a geração hidrelétrica como a produção de biocombustíveis.
Especialistas consultados pelo Dialogue Earth avaliam que as energias renováveis têm um enorme potencial no país. Porém, os custos da eletricidade na Nicarágua também representam um grande desafio: a conta de luz varia conforme o setor devido a complexos acordos tarifários e subsídios cruzados, além das ligações ilegais e sistemas obsoletos.
Segundo um estudo da Forbes baseado em dados de 2018-2022, o preço da energia na Nicarágua foi de US$ 0,33 por quilowatt-hora (kWh) no período. Isso tornou a eletricidade nicaraguense a mais cara da América Central: em El Salvador, o preço era de US$ 0,20 por kWh, enquanto na Costa Rica era de apenas US$ 0,14.
Um estudo de 2015 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) afirmou que os custos de energia na Nicarágua comprometem tanto a competitividade de suas indústrias quanto o bem-estar de sua população. As altas tarifas limitam o acesso a serviços essenciais, elevam os custos de produção e freiam o crescimento econômico. Para um país com elevados índices de pobreza, a Cepal afirma que os preços muito altos da energia pressionam os orçamentos familiares, principalmente nas áreas rurais.
Na avaliação de um dos especialistas do setor, “não há relação direta ou coerente entre o preço da eletricidade e o nível de renda da população ou das empresas”.
China e Nicarágua retomam relações
As relações entre a China e a Nicarágua oscilam há décadas. Os laços com Taiwan, firmados em 1930, foram rompidos em 1985, no primeiro mandato de Daniel Ortega, para abrir espaço às relações com a República Popular da China. Em 1990, a então presidente Violeta Barrios de Chamorro retomou a aliança com Taiwan. Porém, em 2021, Ortega reverteu a decisão, restabelecendo laços com a China.
Ortega tem se referido à renovada relação diplomática de “presente de Natal”. Os resultados desse estreitamento se materializaram em um acordo de livre comércio, assinado em 2023. Posteriormente, empresas chinesas anunciaram investimentos em diversos projetos de infraestrutura, somando cerca de US$ 850 milhões, na Nicarágua. Isso inclui um empréstimo de US$ 400 milhões para a construção do aeroporto internacional de Punta Huete, no oeste do país, além de usinas solares e de armazenamento de gás, ferrovias, estradas, uma nova rota marítima comercial e empreendimentos habitacionais.
“Esses projetos solares são explicados pelos interesses da política industrial da China”, resumiu Margaret Myers, diretora do programa para a Ásia e a América Latina do Inter-American Dialogue. “O setor de energia solar é um dos três setores que a China priorizou”, acrescentou ela, destacando que os outros dois são a produção de baterias de lítio e a fabricação de veículos elétricos.
“Mas a Nicarágua tem apresentado um cenário problemático de investimento para a China”, observou Myers. O vaivém diplomático com Taiwan é um dos pontos mais sensíveis, bem como o colapso do controverso Canal da Nicarágua, projetado para atravessar o país e rivalizar com o Canal do Panamá. A concessão do projeto foi vencida em 2013 pelo empresário chinês Wang Jing por meio de sua empresa, a HK Nicaragua Canal Development Investment. Prevista para durar pelo menos 50 anos, a concessão foi revogada este ano sem explicação; Wang também teria declarado falência.
“O que a China está fazendo na Nicarágua faz parte de uma estratégia mais ampla para toda a região”, disse Myers. “Alguns desses projetos parecem bastante alinhados com os objetivos econômicos da China — ou seja, encontrar mercados, mesmo em países pequenos como a Nicarágua”.