O Ministro do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Argentina, Sergio Bergman, admitiu para o Diálogo Chino a possibilidade de modificar a proteção às florestas e geleiras do país.
A decisão foi tomada após uma reunião a portas fechadas entre o presidente Mauricio Macri e empresários da mineração, durante a COP23, na qual Macri aceitou alterar a legislação de preservação dos recursos naturais para favorecer essa atividade no país.
“Temos que ter uma discussão aberta sobre florestas e geleiras. Nossas leis não estabelecem a maneira de manejar esses recursos, só impedem que sejam afetados e precisam ser revistas. São excelentes ideias, mas fora da realidade, que não contêm mecanismos de implementação, fiscalização e execução”, sustentou Bergman.
Acrescentou, também: “Acabam sendo uma epopeia legislativa que o lobby criou para sua promoção e, assim, não trazem nenhuma perceptibilidade sobre seu impacto real na mudança da matriz, do recurso natural e o território que queremos preservar”.
Promulgada em 2009, a Lei das Florestas estabelece investimentos mínimos para a proteção das florestas nativas na Argentina, dividindo-as em três zonas, de acordo com o tipo de atividade permitida no local. Sua sanção ocorreu após anos de crescente desmatamento no país, com uma perda de mais de 70% das florestas nativas originais.
O apoio financeiro vem de investimentos que o Poder Executivo destina anualmente à lei, que não pode ser inferior a 0,3% do orçamento nacional, e 2% das taxações referentes às exportações agropastoris e do setor florestal. Entretanto, desde sua sanção, a lei nunca recebeu o que lhe corresponde.
Essa falta de recursos é, em parte, responsável pela continuidade do desmatamento na Argentina.
Nos primeiros seis meses de 2017, foram desmatados, no norte do país, mais de 45 mil hectares, segundo um relatório do Greenpeace baseado em imagens de satélite. Quase metade do desmatamento foi ilegal e ocorreu em zonas que deveriam estar protegidas, de acordo com a Lei das Florestas.
Ao mesmo tempo, a Lei das Geleiras também registrou problemas desde sua sanção, em 2011. A lei também estabelece inversões mínimas para a proteção das geleiras e ordena realizar seu inventário a cada cinco anos. O inventário, porém, nunca se concretizou e é esperado para 2018.
“Enquanto acontecem negociações climáticas em Bonn, onde os países buscam aumentar a extensão e proteção dos ecossistemas, Macri se coloca na contramão de tudo e busca flexibilizar as leis das florestas e geleiras,” sustentou ao Diálogo Chino Enrique Maurtua Konstantinidis, diretor de Mudanças Climáticas da Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN).
“É realmente surpreendente, sobretudo quando o governo demonstrou progressos em muitas frentes, na luta contra as mudanças climáticas. É um claro retrocesso,” acrescentou.
Enrique Viale, presidente da Associação de Advogados Ambientalistas, afirmou ao Diálogo Chino que as declarações de Bergman foram uma “vergonha internacional”, pois aconteceram simultaneamente com a COP23, e considerou que as leis podem ser aplicadas, diferente do que declarou Bergman.
“Ambas as leis confrontam os grandes poderes da Argentina. A Lei dos Bosques, os grandes plantadores de soja e a das Geleiras, as grandes empresas multinacionais de mineração. São leis de orçamentos mínimos, que deveriam ter uma aplicação efetiva, mas não são aplicadas em razão dos lobbies”, revelou Viale.
A intenção de modificar as duas legislações foi criticada também por influentes políticos que formam parte da mesma base de governo do presidente Macri. Elisa Carrio, deputada federal da Coalizão Cívica, enviou uma carta ao Secretario de Mineração, Daniel Meilán, para expressar seu descontentamento, e o deputado da UCR, Ricardo Alfonsín, preveniu das “severas consequências ambientais”.
Atividades em expansão
A intenção de modificar ambas as legislações coincide com uma política oficial da administração Macri de impulsionar os setores de mineração e agropecuário na Argentina, tendo dado sinais claros nesse sentido desde sua posse, em 2015.
A expansão da fronteira agropecuária é uma das principais metas da economia argentina, o que coloca em risco a proteção das florestas nativas. Através de um decreto presidencial, Macri promulgou a eliminação total das taxações do trigo, milho e carne, ao passo que no caso da soja a medida será gradual.
As políticas de estímulo à mineração deixaram as geleiras em perigo. O governo eliminou as taxações à mineração, argumentando que os impostos dissuadiam a entrada de investidores. A expectativa é de investimentos de US$ 20 bilhões para o setor e para concretizar essa possibilidade, avalia-se também firmar um acordo federal mineiro com as províncias donas do recurso.
Argentina é, hoje, o 13º produtor mundial de ouro, 20º de cobre e 10º de prata, exportando a maior parte de sua produção sem processá-la. Do total das exportações mineiras, 96% correspondem à mineração metalífera, composta por 67,6% de ouro, 13,8% de cobre, 12,8% de prata e 5,8% de outros. A mineração representa 6,1% das exportações argentinas.
Muitos projetos em execução e planejados para curto e longo prazo poderiam ser afetados quando seja finalizado o inventário das geleiras, já que se encontram em zonas próximas, onde não podem ser executados projetos produtivos, segundo Viale, o que explicaria a intenção de modificar a Lei das Geleiras.
A Argentina se encontra entre os países com mais conflitos ativos em relação a projetos de mineração, de acordo com o Observatório de Conflitos Mineiros da América Latina (OCMAL). Isso fez com que leis locais proibissem a mineração a céu aberto em oito províncias, freando a expansão do setor desejada pelo governo.