Os bancos chineses têm sido duramente criticados nos últimos anos por continuarem financiando usinas de energia a carvão no exterior, apesar do agravamento da crise climática. Segundo um novo relatório, as instituições financeiras chinesas devem também se atentar a outro inimigo, desta vez menos óbvio: a soja.
A China é a maior importadora de soja do mundo e a guerra comercial com os Estados Unidos levou o país a aumentar as importações da América do Sul. Críticos dizem que, infelizmente, a guerra vai impulsionar uma nova onda de desmatamentos e por em risco a biodiversidade da região e os principais sumidouros de carbono.
Um relatório divulgado hoje pelo Carbon Disclosure Project (CDP) revela uma ligação entre as instituições financeiras chinesas e o desmatamento, que é causado principalmente pelos clientes que atuam no ramo da soja. Até o momento, essas instituições estão atrasadas no quesito boas práticas de combate ao desmatamento.
Apesar disso, o CDP afirma que essas mesmas instituições poderão, daqui em diante, desempenhar um papel-chave na luta pela sustentabilidade do setor.
Será que os bancos de Pequim poderão zerar o desmatamento nas florestas sulamericanas?
Cortando árvores para plantar soja
As importações de soja chinesas estavam associadas a 49 mil hectares com risco de desmatamento em 2019, segundo dados do Trase. Isso representa 46% de toda a área com risco de desmatamento ligado a soja no Brasil.
Agora, a taxa de desmatamento deve aumentar porque a China tem se voltado cada vez mais para o Brasil para comprar soja, deixando os EUA para trás.
Os brasileiros costumavam ser a segunda maior fonte de soja dos chineses. De acordo com o relatório do CDP, para suprir o déficit dos Estados Unidos, o Brasil precisaria desmatar uma área 25 a 57 vezes maior do que aquela que desmatou para atender a demanda chinesa entre 2013 e 2017.
Essa tendência é bastante significativa do ponto de vista das mudanças climáticas, porque o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Metade das emissões do país são causadas pelo desmatamento. O relatório revelou que a agricultura é a maior impulsionadora do desmatamento, e o cultivo da soja é um dos principais culpados.
Riscos de desmatamento
O CDP argumenta que o impacto ambiental causado pelas culturas de soja apresenta riscos tanto para as empresas chinesas que compram soja, como para as instituições financiadoras. Os apelos para deter o desmatamento em todo o mundo estão pressionando bancos e empresas e podem afetar os negócios de todos.
10-15%
de todas as emissões de gases de efeito vêm de perda ou degradação florestal
O Acordo de Paris elegeu a conservação e a restauração florestal como uma das suas principais metas, uma vez que a degradação e a perda florestal são responsáveis por 10-15% de todas as emissões de gases de efeito estufa. As Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas pretendem zerar o desmatamento e restaurar as florestas degradadas em todo o mundo até 2030.
Para responder a este apelo global, alguns esforços foram realizados para conter o desmatamento. Em 2018, 50 investidores, cujos ativos somam 5,6 trilhões de dólares, formaram uma coalizão com empresas para lutar pelo desmatamento zero no Cerrado brasileiro.
O aumento desses esforços, aliado às regulamentações do governo e aos impactos causados pelas mudanças climáticas, têm forçado as empresas a reduzirem as suas operações em áreas com grande risco de desmatamento. Na pesquisa de 2017 do CDP, 32% das empresas entrevistadas afirmaram que já tinha experimentado os impactos deletérios da produção e do consumo de commodities de risco florestal, incluindo a soja.
Assim como as empresas são afetadas por esses riscos e mudanças, os seus financiadores também são. De acordo com o relatório, 34% dos empréstimos concedidos por instituições financeiras chinesas ao setor – um valor que chega a 2,1 bilhões de dólares – podem causar desmatamentos. Os grandes bancos chineses fornecem a maioria dos empréstimos ao setor, sendo que o Banco da China lidera o ranking, concedendo 32% dos empréstimos.
Como responder ao desmatamento
Até agora, os bancos não desenvolveram nenhuma política para lidar com a questão do desmatamento, revelou o relatório. Apenas oito das instituições analisadas contemplam fatores ambientais no seu processo decisório – porém, nestes casos, o foco costuma ser a identificação de poluentes, conforme definidos pelo Ministério de Ecologia e Meio Ambiente, não o desmatamento.
Embora os bancos chineses desconheçam o seu grau de exposição a esses riscos, ou sequer estejam tomando providências nesse sentido, o CDP argumenta que eles poderiam influenciar os seus clientes a tomarem medidas necessárias. Algumas instituições financeiras fora da China vêm colocando essa ideia à prova.
O HSBC, por exemplo, pede para os clientes obterem certificações globais de desmatamento zero da Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS). A instituição interrompe o relacionamento em caso de descumprimento. A JP Morgan Chase & Co faz o mesmo.
Essas políticas, apesar de fazerem sentido, têm um alcance limitado, segundo Isabel Nepstad, gerente de programa para o China Sustainable Commodity Trade Program, da rede Solidaridad. “É muito difícil para [os bancos], sozinhos, pressionarem os clientes, porque é muito fácil para uma empresa chinesa simplesmente trocar de banco e procurar um que não tenha essas políticas”, disse ela.
No entanto, se mais bancos se unissem para adotar essas políticas, eles poderiam ampliar o seu poder de influência. O relatório do CDP recomenda que as instituições financeiras chinesas primeiro avaliem a sua exposição aos riscos de desmatamento, solicitando dados dos seus clientes sobre a sua cadeia de suprimentos no setor de soja.
Depois, devem formular políticas da mesma forma como os bancos internacionais já fazem. Os bancos devem focar nas empresas que atuam em setores de alto risco de desmatamento, incentivando-as a eliminar o desmatamento das suas cadeias de suprimento.
Os acionistas chineses também podem desempenhar um papel importante, uma vez que a exposição deles aos riscos de desmatamento é maior do que a dos bancos.
“De acordo com as nossas pesquisas e entrevistas, os acionistas (investidores institucionais) estão mais bem posicionados para engajar as empresas de soja (…) Eles exercem uma influência considerável sobre as empresas do portfólio”, disse Sabrina Zhang, diretora da CDP China. “Enquanto isso, alguns investidores institucionais da China, especificamente os que estão buscando estabelecer presença em mercados de capitais no exterior, também estão motivados a aumentarem os investimentos sustentáveis”.
Papel dos governos
Se os incentivos serão suficientes para levar as instituições financeiras a agirem no curto prazo, tudo vai depender do quanto elas sentem os riscos. Até o momento, disse Nepstad, “Elas sequer enxergam os riscos porque o impacto não é direto”.
Cada vez mais medidas regulatórias e corporativas estão sendo implementadas para lidar com o desmatamento, mas a maioria das empresas pensa apenas nos resultados de curto prazo. O desmatamento altera os padrões de chuva, o que já causou um prejuízo de R$ 17 bilhões (4,4 bilhões de reais) nas safras brasileiras. As secas e as tempestades prenunciam os impactos climáticos que ainda estão por vir, mas, como as empresas cultivam soja no mundo inteiro, elas não são afetadas pelas flutuações regionais do produto no curto prazo, afirmou Nepstad.
Nepstad disse que os governos precisam pressionar as empresas e as instituições financeiras. É possível que as medidas regulatórias aumentem nos próximos anos, colocando em evidência a urgência da questão e exigindo maior ação por parte das instituições financeiras e das empresas. Em preparação para a COP da biodiversidade, que será realizada em 2020 em Kunming, na China, os países começaram a discutir como lidar com o desmatamento causado pelas atividades de agricultura, como o cultivo de soja.
Sabrina Zhang disse: “Se o governo chinês começasse a defender, regulamentar e desenvolver diretrizes para as cadeias de suprimento sustentáveis, e pedisse para as instituições financeiras incluírem a questão do desmatamento nas suas decisões financeiras, isso seria uma grande força propulsora que incentivaria as empresas e as instituições financeiras a implementarem mudanças alinhadas com o governo”.