A Amazônia está em alerta vermelho. No Peru, grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais destroem a floresta tropical em ritmo acelerado. Em 2020, o desmatamento atingiu os níveis mais altos em duas décadas, de acordo com dados do governo peruano.
À medida que essas ameaças ganham força, organizações do mundo todo se unem para empregar novas tecnologias a serviço da Amazônia.
Alertas indígenas
Invasões, incêndios florestais, derramamentos de petróleo e assassinato de líderes são ameaças latentes nos territórios indígenas, de acordo com a Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Peruana (Aidesep), que representa 2.439 comunidades no Peru. Mas, até recentemente, era quase impossível para os indígenas alertarem sobre esses perigos.
“Fazíamos relatórios em papel”, lembra Lenín Sánchez, coordenador de monitoramento da Aidesep, em entrevista ao Diálogo Chino. “Não havia como recolher provas, e éramos ignorados pelas autoridades”.
Sánchez é especialista no Sistema de Alertas e Ações Preventivas (Saat, na sigla em espanhol) — uma nova plataforma que mudou essa dinâmica. Até agora, a associação instalou pontos de monitoramento nas oito comunidades mais ameaçadas do nordeste do Peru. Essas unidades têm drones, GPS, smartphones e outras ferramentas para monitorar e alertar sobre potenciais ameaças.
“O Saat gera alertas em tempo real e permite prever em que momento e lugar uma ameaça pode desencadear situações perigosas”, explica Sánchez.
Em um dos casos, com ajuda de drones, observadores indígenas de Shambo Porvenir, na região de Ucayali, alertaram autoridades sobre acampamentos de agricultores descobertos dentro de seu território. “A gente sugeriu que falassem com os invasores, e assim evitamos um conflito”, diz Sánchez
“Ainda há muito a fazer, mas o Saat já ajuda muito na prevenção de conflitos e para sabermos o que acontece”, diz Sánchez.
O sistema permitiu verificar, por exemplo, invasões em San Martín, derramamentos de petróleo em Loreto e mineração ilegal no Amazonas (região peruana). A tecnologia também ajuda a rastrear os ativistas ambientais ameaçados por proteger seu território.
Detector de madeira em tempo real
O tráfico ilegal de madeira é uma crime transnacional mais lucrativo, depois do tráfico de drogas e de produtos falsificados, segundo a Interpol. Estima-se que até 30% de toda madeira comercializada no mundo seja extraída ilegalmente, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. No Peru, esse índice sobe para 37%.
37%
de toda a madeira comercializada no Peru é extraída ilegalmente.
Traficantes geralmente “lavam” a madeira: misturam aquela que é obtida legalmente com aquela extraída por meio de subornos, licenças fraudadas e documentação falsa.
Contra esses crimes, foi desenvolvido o Xylotron, dispositivo que permite identificar espécies de troncos em tempo real, sem a necessidade de análise de laboratório. O sistema consiste em um computador conectado a uma câmera que capta imagens de cortes transversais de amostras de madeira. Ele compara a imagem com aquelas de um banco de dados de espécies de árvores no mundo todo e aponta as espécies mal etiquetadas ou com possíveis registros ilegais.
Como a tecnologia foi desenvolvida pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos, o banco de espécies começou de forma limitada, incluindo apenas o cedro e mogno da América do Sul. Desde 2018, uma equipe peruana vem acrescentando espécies locais, entre elas cedrorana (Cedrelinga catenaeformis), uma das mais extraídas das florestas peruanas, e jatobá (Hymenaea oblongifolia Huber). O trabalho é conduzido pelo CITEMadera, centro ligado ao Ministério da Produção do Peru.
O banco incluirá ao todo 41 das espécies das madeiras mais comercializadas do Peru. “Assim seremos mais eficientes nos portos, postos de controle e alfândegas, todos aqueles lugares onde é preciso tomar decisões rápidas”, explica José Ugarte, diretor de pesquisa do Xylotron no Peru.
Radar contra mineração ilegal
A corrida do ouro já destruiu florestas repletas de vida em Madre de Dios, no sudeste do Peru, fronteira com o Brasil e a Bolívia. Em 2017, o garimpo arrasou quase dez mil hectares de mata nativa, conforme o Centro de Inovação Científica da Amazônia. A área mais crítica foi La Pampa, na zona da Reserva Nacional de Tambopata, que perdeu 1.685 hectares naquele ano, segundo o Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (Maap, na sigla em inglês).
Até pouco tempo, iniciativas como o Maap utilizavam imagens de satélite para rastrear a destruição da mineração ilegal, já que seus efeitos são visíveis do espaço. Porém, não era fácil monitorar a atividade durante a estação chuvosa. Por cerca de quatro meses, os garimpeiros ilegais tinham a natureza do seu lado.
“A mineração é feita o ano todo, independentemente da estação, mas o monitoramento que fazíamos ficava bastante limitado durante a estação chuvosa pela maior presença de nuvens”, diz Sidney Novoa, da organização Conservação Amazônica (Acca), que comanda o Maap. “A solução foi usar um radar, tecnologia capaz de penetrar as nuvens e fornecer informações durante o ano todo”.
A Ferramenta de Monitoramento de Mineração com Radar (Rami, na sigla em inglês), criada em 2020, também usa satélite e radar para monitorar o avanço da mineração ilegal ao longo do ano. Ela foi adotada pelo governo peruano e por povos indígenas.
Para a Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (Fenamad), organização que representa os povos indígenas da região, o monitoramento da mineração traz enorme risco para ativistas ambientais. No ano passado, Juan Julio Fernández Hanco foi assassinado após 11 anos de ameaças de garimpeiros ilegais.
É aí que tecnologias como a Rami se tornam vitais: a federação tem 53 pessoas monitorando 300 mil hectares de florestas, com mais eficácia e segurança do que antes.
“Os observadores não entram onde os garimpeiros do crime organizado estão, mas usamos a tecnologia para verificar que o desmatamento está ocorrendo”, explica Alexander Noa Sillo, diretor do Programa de Supervisão Florestal, criado em 2013 para monitorar as ameaças aos territórios indígenas.
Todo mês, cada supervisor realiza duas patrulhas em campo e envia alertas através do aplicativo Forest Link, que é então verificado por técnicos da Fenamad. “Com a Rami, comparamos esses alertas e preparamos relatórios para levar as denúncias às autoridades”, diz Noa.