Florestas

Líderes regionais debatem compromissos para proteção da Amazônia

Enquanto ministros e presidentes se reúnem na Colômbia, analisamos alguns dos maiores desafios que povos indígenas enfrentam nas nações amazônicas
<p>Susana Muhamad, ministra de Meio Ambiente da Colômbia, em encontro com líderes comunitários na região de La Guajira, em 28 de junho (Imagem: Presidência da Colômbia)</p>

Susana Muhamad, ministra de Meio Ambiente da Colômbia, em encontro com líderes comunitários na região de La Guajira, em 28 de junho (Imagem: Presidência da Colômbia)

Líderes de oito países que compartilham a floresta amazônica se encontram esta semana em Letícia, na Colômbia, para conversas preliminares antes de uma cúpula que discutirá a proteção do bioma no próximo mês.

O Caminho para a Cúpula da Amazônia, realizado de 6 a 8 de julho, reúne ministros do Meio Ambiente de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Também participam o presidente do país anfitrião, Gustavo Petro, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva — chefes de Estado que demonstram mais interesse em proteger a Amazônia, maior floresta tropical do mundo e lar de mais de um milhão de indígenas. 

A reunião na Colômbia, que reúne ainda representantes do setor privado, da academia e da sociedade civil, espera definir propostas e compromissos para 2025 e 2030. O que for acertado agora será assinado formalmente em uma cúpula de presidentes da região amazônica, prevista para ser realizada em Belém do Pará, entre 8 e 9 de agosto. 

Entre os destaques na agenda, está o bem-estar dos cerca de 400 povos indígenas que vivem na Amazônia e têm suas terras e modos de vida constantemente ameaçados. A exploração econômica dos recursos naturais geralmente é a causa dessas violações.

“Esta pode ser nossa última chance de reverter a destruição da Amazônia. Precisamos de ações ambiciosas, coordenadas e de larga escala em todos os países da região”, diz Juan Bello, diretor para a América Latina e o Caribe do Programa da ONU para o Meio Ambiente, em um artigo de opinião sobre a cúpula.

Conforme se aproxima a reunião em Belém e as organizações indígenas reivindicam seu espaço na cúpula, analisamos alguns dos principais desafios que os povos originários enfrentam na Amazônia.

Peru: conflitos legislativos

Em todos os países amazônicos, há marcos legais para proteger as florestas e suas populações. Porém, dificilmente isso é suficiente. “Somos perseguidos, incriminados, e tentam aprovar leis que promovem o genocídio dos povos indígenas isolados”, diz o líder indígena peruano Julio Cusurichi.   

Cusurichi é membro da Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Peruana, que representa os povos indígenas de todo o Peru e pressiona pelo cumprimento da legislação que deveria protegê-los.

No final de junho, o Congresso peruano debateu o projeto de lei 3.518, para retirar funções do Ministério da Cultura — que comanda a proteção dos povos indígenas — e entregá-las aos governos regionais. A jogada legislativa seria uma forma de abrir o caminho para projetos de infraestrutura e exploração econômica em territórios com povos isolados e de recente contato. 

Após vários apelos dentro e fora do país para barrar o projeto de lei — até mesmo da ativista Greta Thunberg e do ator Mark Ruffalo —, a proposta foi arquivada, mas organizações indígenas dizem que a pressão continua.

Colômbia: vítimas de violência

O ano passado registrou os níveis mais altos de violência contra as comunidades indígenas da Colômbia. Segundo a Organização Nacional Indígena da Colômbia, há mais de 450 mil vítimas de confinamento (quando grupos armados forçam o isolamento de comunidades), migração forçada, invasões territoriais, ameaças e mortes. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz acrescenta que, no mesmo ano, 42 líderes indígenas foram assassinados no país. 

Apesar dos discursos pró-Amazônia do presidente Gustavo Petro, a situação segue piorando em quase um ano de mandato. Nas últimas semanas, milhares de indígenas Awá foram forçados a deixar seus territórios no sudoeste da Colômbia devido às tensões entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). As FARC oficialmente se desmobilizaram após os acordos de paz com o governo em 2016. O governo Petro agora tenta acertar um tratado de paz com o ELN em meio ao fogo cruzado entre guerrilheiros e militares. 

Nesse cenário violento, as populações originárias são algumas das mais afetadas: 19% das vítimas do conflito armado são indígenas.

Group of Waorani Baihuari people
Delegação do povo Waorani Baihuari na comissão de biodiversidade do Congresso do Equador, em 2019. Indígenas da Amazônia equatoriana lutam contra exploração de petróleo no Parque Yasuní (Imagem: Fernando Sandoval / Congresso do Equador, CC BY-SA)

Equador: petróleo da Amazônia

No dia 20 de agosto, junto as eleições do Equador, será realizada uma consulta pública sobre a exploração das reservas de petróleo no Parque Nacional Yasuní, maior área protegida do Equador e lar de uma das maiores biodiversidades do planeta.

O tema é motivo de controvérsia há décadas no país. Representantes indígenas alegam que as empresas petrolíferas estão dividindo as comunidades afetadas pela exploração do Bloco 43-ITT, que responde por 11% da produção nacional de petróleo. 

Até o momento, duas das sete comunidades afetadas pelo projeto petrolífero se posicionaram a favor da exploração. “Isso nos deu desenvolvimento, saúde e educação”, diz Lauro Papa, membro da comunidade Boca Tiputini, em entrevista recente à EFE. A comunidade Kawymeno também é favorável à exploração petrolífera. 

Por outro lado, Juan Bay, presidente da Nação Waorani, diz que sua comunidade votará pelo fim das atividades e critica o “péssimo costume” da indústria petrolífera de dividir as comunidades. “Convocamos a unidade dos povos”, diz Bay, acrescentando que “Yasuní é um símbolo da biodiversidade amazônica e terra de povos em isolamento voluntário”.

Bolívia: riscos de contaminação

Um estudo recente realizado na Bolívia mostrou que as populações indígenas da região amazônica de La Paz foram contaminadas pelo mercúrio da mineração de ouro. A pesquisa, liderada pelo Centro dos Povos Indígenas de La Paz (Cpilap) e pela Universidade Superior de San Andrés, analisou 302 pessoas de diferentes etnias. A presença de mercúrio acima dos níveis aceitáveis foi detectada no sangue de 74,5% das pessoas testadas.

“É urgente tomar medidas sanitárias para controlar esses efeitos”, diz Gonzalo Oliver, presidente do Cpilap, que também pediu ajuda para reverter a situação e exigiu que o governo “lute contra a mineração ilegal e destrutiva”.

Essas descobertas vão de encontro a outro estudo publicado recentemente na Environmental Research, que constatou que as populações indígenas da Amazônia têm duas vezes mais chances de morrer prematuramente devido a incêndios florestais do que outras populações sul-americanas. Segundo os pesquisadores, as partículas de fumaça espalhadas pelo vento são responsáveis por duas mortes prematuras a cada 100 mil pessoas por ano na América do Sul, proporção que dobra nas comunidades indígenas.

Brasil: obras polêmicas

No Brasil, os povos originários estão preocupados com a possível construção da Ferrogrão, projeto ferroviário de mil quilômetros para transportar soja e milho do Mato Grosso ao Pará. A rota planejada atravessará territórios indígenas, passando pelo Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. 

Apoiado por Lula, o projeto foi descrito como “antiambiental” por ativistas, embora o presidente tenha prometido colocar as questões ambientais e a proteção da Amazônia no centro de seu governo. “Vamos demonstrar mais uma vez ser possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente”, disse ele em campanha.

A Ferrogrão foi proposta em 2016, durante o governo de Dilma Rousseff, mas não seguiu adiante. Como demonstração de apoio ao setor agrícola, agora Lula tenta tornar o projeto realidade. Por enquanto, disputas legais barram o início das obras.

“Minha impressão é que o Supremo Tribunal Federal aprovará o avanço desse projeto”, diz Luis Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga. Porém, diz Baldez, mesmo que seja aprovado, o projeto ainda deve enfrentar debates internos no governo, uma vez que ele traz potenciais impactos à Amazônia.

Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, a Ferrogrão “é uma contradição, porque acontece em um governo que afirma ter uma agenda ambiental diferente, que afirma ser um líder nessa área”.