Florestas

Opinião: Como a Iniciativa Cinturão e Rota pode se adequar à Amazônia

Investimentos da China no exterior devem levar em conta particularidades da região, avalia a organização peruana DAR
<p>Na avaliação da organização peruana DAR, investimentos chineses na Amazônia precisam levar em conta as características únicas da região (Imagem: Sjs.std / Alamy)</p>

Na avaliação da organização peruana DAR, investimentos chineses na Amazônia precisam levar em conta as características únicas da região (Imagem: Sjs.std / Alamy)

A Amazônia é o maior sistema florestal e fluvial do mundo e fornece serviços ecossistêmicos com benefícios globais. Entretanto, várias atividades econômicas, tanto legais quanto ilegais, provocam o desmatamento do bioma. Em 2020, a Amazônia perdeu cerca de 2,3 milhões de hectares de mata nativa nos nove países de sua bacia.

Essas pressões intensificam os efeitos das mudanças climáticas e, com ela, a vulnerabilidade socioeconômica da região, principalmente de populações rurais e indígenas. Essa situação é particularmente alarmante em países como Brasil, Colômbia e Peru, que estão entre os mais perigosos para a atuação de ativistas ambientais.

Equilibrar desenvolvimento, crescimento econômico e preservação ambiental é um desafio de longa data para as nações da América Latina e do Caribe, que têm deficiências significativas de infraestrutura e necessidades reais de investimentos. Não foi por menos que 19 países da região aderiram à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, em inglês) proposta pela China. A estratégia propõe a integração econômica, comercial, social e cultural da China com diversos países por meio do desenvolvimento de projetos de logística e energia.

Entretanto, desde seu lançamento em 2013, tem havido pressões para tornar a BRI mais sustentável algo que as novas diretrizes emitidas conjuntamente este ano por dois ministérios chineses procuram abordar. Mas tais diretrizes, argumentamos, deveriam dar um passo à frente e levar em conta as características específicas da Amazônia, seu ambiente e comunidades.

Diretrizes de desenvolvimento verde

Em julho deste ano, os ministérios chineses do Comércio e do Meio Ambiente publicaram conjuntamente as “Diretrizes de desenvolvimento verde para investimentos e cooperação no exterior“, dentro do escopo da BRI. Nelas, há três objetivos principais: a prevenção da poluição, mitigação das mudanças climáticas e conservação da biodiversidade. Elas não são vinculantes, ou seja, não são obrigatórias.

A proposta encoraja as empresas chinesas a mitigar os riscos de impactos ambientais em seus investimentos no exterior e as aconselha a não seguir apenas os padrões de sustentabilidade do país anfitrião. Também as incentiva a respeitar acordos internacionais, como a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030, o Acordo de Paris e a Convenção sobre Diversidade Biológica.

É essencial incorporar uma dimensão social para que os projetos contribuam para o desenvolvimento local e evitem conflitos

Ainda, as diretrizes reconhecem a importância de implementar ferramentas, tais como a avaliação ambiental estratégica (AAE) e a medição de gases de efeito estufa. 

Outra recomendação é incorporar canais de denúncias pelo não cumprimento de obrigações ambientais e sociais, a fim de aumentar a transparência das ações. 

Adaptação à Amazônia

As características exclusivas da Amazônia e as lições aprendidas com a implementação de projetos de infraestrutura e energia na região devem ser levadas em conta pelas diretrizes de projetos chineses no exterior.

Você sabia?


A Amazônia perdeu cerca de 2,3 milhões de hectares de mata nativa nos nove países de sua bacia em 2020.

Por exemplo, é essencial incorporar uma dimensão social para que os projetos contribuam para o desenvolvimento local e evitem conflitos, que são frequentes na região. Exemplos de projetos sociais bem-sucedidos implementados conjuntamente por comunidades locais e investidores internacionais incluem: o programa do Banco Interamericano de Desenvolvimento de monitoramento ambiental comunitário (PMAC-BU) para a produção de gás natural do reservatório de Camisea, no Peru; e, no mesmo país, a colaboração do Banco Mundial com o Fórum Indígena Abya Yala para a formulação das Diretrizes de Boas Práticas em Educação, Saúde, Recursos Naturais e Desenvolvimento Produtivo.

Com essas considerações e experiências em mente, fazemos as seguintes recomendações para a implementação das diretrizes na região amazônica:

  1. A aprovação de projetos de alta complexidade socioambiental demanda uma avaliação ambiental estratégica (AAE). É em contextos com fortes pressões sobre o uso de recursos naturais e bolsões de pobreza que as AAE se tornam particularmente importantes, de acordo com a OCDE.
  2. As diretrizes devem ser baseadas em padrões internacionais de Avaliações de Impacto Ambiental (AIA). Como foi identificado por análises da Corporação Financeira Internacional (IFC, em inglês), o braço de empréstimos privados do Banco Mundial, os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) na América Latina e no Caribe tendem a ser mais reativa, e carecem da contribuição das populações de áreas afetadas pelos projetos. Assim, as diretrizes devem exigir que as EIAs sejam baseadas em padrões do Banco Mundial, IFC ou em outros internacionais.
  3. Rodovias na Amazônia tanto construção de novas como as obras de melhoria devem ser classificadas como “vermelhas” de acordo com o sistema de semáforos. A infraestrutura rodoviária gera impactos indiretos e cumulativos na Amazônia, que podem se estender por mais de 50 km da rota rodoviária.
  4. As diretrizes devem aderir aos princípios e objetivos do Acordo de Escazú. Trata-se do primeiro acordo internacional a criar uma estrutura de proteção para os ativistas ambientais na América Latina. As diretrizes devem incluir a divulgação e o acesso a informações ambientais, como previsto pelo mecanismo.
  5. A aprovação de projetos deve estar vinculada à implementação do direito à consulta prévia. É importante estabelecer um mecanismo de diálogo intercultural em que as comunidades locais e a sociedade civil possam monitorar o cumprimento dos acordos de consultas. Organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) já possuem protocolos de consulta prévia.

As recomendações descritas acima podem servir como ponto de partida para novas contribuições de organizações da Amazônia em áreas como o monitoramento por indígenas de projetos existentes, além de melhorar a sustentabilidade ambiental e social no desenvolvimento de novos projetos.