O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) arquivou o processo de licenciamento da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Ao arquivar o processo, a entidade se baseou tanto nos danos ambientais que o empreendimento causaria à Amazônia, quanto no fato de a barragem possivelmente atingir terras indígenas, o que é proibido pela legislação brasileira. Sem a licença ambiental, não é possível a realização do leilão para construção da hidrelétrica.
“O governo acertou na decisão que garante a proteção da floresta e seus povos. Agora, esperamos que o Ministério da Justiça reconheça o direito originário do povo Munduruku e realize a demarcação da terra Sawré Muybu”, disse Danicley de Aguiar, do Greenpeace Brasil que realizou uma grandecampanha, nos últimos meses, para barrar a construção do empreendimento. Até mesmo o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, afirmou à imprensa que Tapajós é uma “obra inteiramente dispensável” podendo a energia que seria gerada ali ser substituída por quaisquer outras fontes geradoras renováveis como eólica ou solar.
O projeto de São Luiz do Tapajós previa a instalação de 38 turbinas totalizando 8.040 megawatts (MW) de capacidade instalada e 4.012 megawatts (MW) médios de energia assegurada, uma área de reservatório do tipo fio d’água, de 729 quilômetros quadrados, e barragem com altura de 53 metros e comprimento de 7.603 metros. Uma das interessadas na usina era a China Three Gorges Corporation, que atua no país via EDP Energias do Brasil, de quem é a principal acionista após privatização promovida pelo governo de Portugal, em 2012.
Os ambientalistas temiam que o presidente interino do Brasil, Michel Temer, revogasse uma decisão tomada por Dilma Rousseff, na véspera de seu afastamento da Presidência da República para análise de seu pedido de impeachment: a que declara terra indígena uma área de 180 mil hectares, localizada no norte do país, justamente onde seria construída a última usina hidrelétrica brasileira, São Luiz do Tapajós, no estado do Pará.
A área, equivalente a 180 mil campos de futebol, está próxima de ser demarcada como pertencente à etnia indígena Munduruku uma vez que o primeiro passo já foi dado com a aprovação do estudo antropológico pela Fundação Nacional do Índio (Funai). De acordo com a Constituição brasileira, é proibido construir qualquer empreendimento de infraestrutura em terras indígenas, bem como remover aldeias indígenas em terras já demarcadas. A construção em áreas onde há risco de afetar terras próximas precisa de autorização do Congresso Nacional.
Era justamente esse o receio dos ambientalistas: o de que, para tentar agradar a chamada bancada ruralista (formada basicamente por agricultores e pecuaristas) no Congresso Nacional, Temer revogasse a portaria de Rousseff. O medo estava baseado em um documento que os ambientalistas dizem ter sido entregue ao presidente interino pelos ruralistas onde, entre outras reivindicações, está a “revisão das recentes demarcações de áreas indígenas/quilombolas, bem como de desapropriações para fins de reforma agrária”.
Na avaliação da Funai, a construção de usinas no rio Tapajós é fator de preocupação para a população indígena, uma vez que poderia impactar fortemente as áreas onde vivem. O estudo destaca que haveria mudanças nas águas e na paisagem; no comportamento dos rios Tapajós e Jamanxim, além dos respectivos afluentes; na vegetação e na fauna, especialmente relacionada a insetos, micro organismos e pequenas espécies. E ainda alerta para o risco de “problemas sociais, econômicos e de infraestrutura gerados em função da implantação do canteiro de obras”.
O processo de licenciamento já vinha sendo tumultuado porque parte da sociedade local, basicamente ligada aos indígenas, é contra a construção da usina. A situação era tão complexa que os Estudos de Componente Indígena, parte do processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica, foram realizados com base em dados secundários, como estudos e publicações anteriormente disponíveis, já que o Grupo de Estudos Tapajós, um consórcio de empresas responsável pelos estudos, não conseguia autorização da Funai para entrar nas aldeias mapeadas e estudar o comportamento dos índios.
Este e outros pontos levaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a pedir a complementação dos estudos (EIA/Rima). Com a decisão da Funai, o Ibama suspendera o processo de licenciamento prévio agora arquivado. O governo agora está obrigado rever a estratégia de expansão da oferta de energia com a usina, que tem previsão de ter potência instalada de 8.040 megawatts (MW).
O movimento Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ressalta que há ainda um grande passivo de processos de demarcação que ainda estão no Executivo, alguns com prazos constitucionais expirados. “Dessa forma, é responsabilidade governamental dar sequência à regularização fundiária das terras indígenas”, disse a entidade.
Além disso, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, na prática, elimina a necessidade de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura, que vem gerando crescente resistência de promotores públicos, entidades de defesa do meio ambiente e lideranças políticas.
São Luiz do Tapajós é considerada polêmica porque a área hoje tida como possível de ser demarcada não era considerada oficialmente terra indígena quando os estudos ambientais começaram, o que funcionou como um sinal verde para o empreendimento. O governo e o Ministério Público vinham se situado em campos opostos, pois procuradores estavam afirmado que o país descumpre a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a consulta prévia a comunidades indígenas em caso de empreendimentos que possam afetar os arredores das aldeias.