Florestas

Nova corrida madeireira traz promessas e destruição à Amazônia

Quatro anos após início da febre do pau-de-balsa, comunidades indígenas e produtores avaliam impactos de atividade que se espalhou por Equador, Peru e Colômbia
<p>Blocos da espécie pau-de-balsa enchem canoas no território indígena Achuar, na Amazônia equatoriana. Em 2020, sua corrida madeireira impulsionou exportações, mas deixou enormes problemas socioambientais (Imagem: Fundación Pachamama)</p>

Blocos da espécie pau-de-balsa enchem canoas no território indígena Achuar, na Amazônia equatoriana. Em 2020, sua corrida madeireira impulsionou exportações, mas deixou enormes problemas socioambientais (Imagem: Fundación Pachamama)

No Equador, um grupo de jovens indígenas do povo Achuar pilota drones a mil metros de altura, mapeando os pontos vulneráveis de seu território no rio Pastaza, indo do coração da Amazônia equatoriana até o Peru. Eles são os Lanceiros Digitais, que vigiam a área para impedir que madeireiros retornem em busca do pau-de-balsa (Ochroma pyramidale).

“Até agora, não encontramos nenhum madeireiro”, explicou Roberto Peas, um dos coordenadores da iniciativa, criada junto à Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana. “Eles sabem que tudo está sendo vigiado”.

Essa foi a maneira encontrada pelos indígenas para proteger esse importante pedaço da Amazônia, que enfrentou a chamada “febre do pau-de-balsa” em anos recentes. Na última década, o Equador ascendeu à posição de maior exportador global de pau-de-balsa, produto destinado principalmente à China e que, paradoxalmente, é usado na construção de turbinas eólicas e ajuda a impulsionar a transição para as energias renováveis.

Em 2020, a corrida pelo pau-de-balsa, árvore que pode atingir 30 metros de altura e quase dois metros de diâmetro, tem se espalhado das regiões costeiras à Amazônia. Ao contrário de várias espécies que têm um crescimento lento, o pau-de-balsa leva apenas três anos para ficar pronto para o corte. 

Em um comunicado, o Ministério de Meio Ambiente do Equador apontou vários fatores que impulsionaram a exploração ilegal de madeira, destacando, entre outros, os subsídios do governo chinês para sua indústria eólica e o surgimento do pau-de-balsa como uma possível fonte de renda para comunidades indígenas duramente afetadas pela pandemia de Covid-19.

Enquanto o país enfrentava a pandemia e os cientistas se esforçavam para desenvolver vacinas, os madeireiros subiam o rio Pastaza até Sharamentsa, comunidade Achuar de mais de 7,5 mil habitantes, próxima à fronteira com o Peru.  

“Ninguém estava preparado para vender pau-de-balsa”, disse Tiyua Uyunkar, líder Achuar, explicando que antes não havia demanda pela espécie. Embora a maioria dos indígenas fosse contra a atividade, alguns cortavam as árvores para vendê-las a atravessadores. “Isso gerou conflitos entre aqueles que queriam vendê-las e os que preferiam preservá-las”.

Derrubada de pau-de-balsa próximo a Sharamentsa
Derrubada de pau-de-balsa próximo a Sharamentsa, comunidade indígena na província de Pastaza, Equador. A atividade criou divisões entre os indígenas, disse líder do povo Achuar (Imagem: Wajai Moisés Peas Senkuan)

Em seguida, as florestas nativas também foram derrubadas para a silvicultura de pau-de-balsa, explicou Rosa Mercedes Vargas Illanes, líder de Sharamentsa. Segundo o governo peruano, esse padrão foi visto em outras comunidades. 

Hoje, quatro anos depois, os Achuar avaliam que essa corrida madeireira só deixou tristeza. A duas horas de carro da comunidade, nossa reportagem encontrou centenas de toras no chão e 15 barcos carregados com destino ao porto de Manta, na costa central do país.

Para Uyunkar Domingo Peas, presidente da Cuencas Sagradas, rede de organizações que atuam no Equador e no Peru, a pior consequência da atividade foi a ruptura social: “Muitos foram enganados, mal pagos. Ou usaram mal o dinheiro com cerveja e prostitutas, criando um problema social”.

Rosa Mercedes Vargas Illanes, líder da comunidade Sharamentsa
Rosa Mercedes Vargas Illanes, líder da comunidade Sharamentsa, explicou que as florestas nativas foram cortadas para produzir pau-de-balsa (Imagem: Wajai Moisés Peas Senkuan)

Várias fontes confirmaram que, na época dessa corrida, um bloco de madeira serrada valia em média US$ 40. Outra fonte disse que os atravessadores pagavam menos da metade desse valor, citando um exemplo em que um grupo recebeu US$ 5 mil por 280 blocos — para os quais poderiam ter recebido US$ 11.200. Muitas comunidades Waorani e Kichwa também foram enganadas, de acordo com o WWF.

Outro impacto dessas incursões foi a violência sexual e de gênero atribuída aos madeireiros. “Houve muitos abusos, e eles até se juntaram com algumas jovens e as deixaram grávidas”, disse Andrea Wampach Vargas, presidente da Associação de Mulheres Indígenas de Pastaza e Morona Santiago. “Tínhamos muito medo”.

Desde 2022, o povo Achuar penaliza os membros da comunidade que estejam vendendo pau-de-balsa, segundo o Projeto Sharam, iniciativa financiada por organizações internacionais como a Fundação Pachamama e o Time de Conservação da Amazônia. Agora, os madeireiros devem pedir autorização e replantar dez árvores a cada corte. Além disso, o respeito às mulheres é uma condição fundamental para a permissão da atividade. Porém, a violência continua, sobretudo onde a madeira ainda é extraída ilegalmente. “Esses homens ainda estão lá”, alertou Wampach.

Febre madeireira chega ao Peru

Em 2020, madeireiros equatorianos cruzaram a fronteira com o Peru em busca de pau-de-balsa, invadindo o território indígena Wampís. Estima-se que mais de 42 mil metros de madeira tenham sido extraídos ilegalmente, segundo autoridades indígenas.

“O pau-de-balsa trouxe muitas disputas e ameaças”, lembrou Teófilo Kukush, principal liderança do povo Wampís, que se distribui em 22 comunidades ao longo dos rios Santiago e Morona, na Amazônia peruana. “A inação do Estado também não ajudou”.

Apesar dos ataques dos madeireiros, os Wampís determinaram a interrupção de toda a extração de madeira em seu território e bloquearam o acesso de barcos. “Conseguimos acabar com essas disputas”, disse Kukush. “Até hoje, eles não voltaram”.

Madeireiros equatorianos descobriram que era fácil extrair pau-de-balsa peruano. É um setor com muitos documentos falsificados e corrupção
Alfredo Rodríguez, especialista em silvicultura peruana

Em 2020 e 2021, o pau-de-balsa — conhecido localmente como topa — foi uma das cinco espécies de madeira mais exportadas pelo Peru, segundo a organização Forest Trends. Nesses dois anos, foram exportados 44.855 metros cúbicos de madeira, de acordo com dados da Superintendência Nacional de Aduanas e Administração Tributária (Sunat). Em 2021, 97% da madeira de pau-de-balsa foi destinada ao Equador, onde é processada em tábuas e blocos antes de ser vendida ao mercado chinês.

Alfredo Rodríguez, especialista em silvicultura peruana e coautor do relatório da Forest Trends, explicou que praticamente toda a madeira ilegal foi comercializada. Em 2021, foram explorados 13.393 metros cúbicos de toras e blocos de pau-de-balsa legais, segundo dados fornecidos ao Dialogue Earth pelo Serviço Nacional de Florestas e Vida Selvagem do Peru (Serfor). Porém, a quantidade de madeira exportada foi muito superior. 

“Madeireiros equatorianos descobriram que era fácil extrair pau-de-balsa peruano”, observou Rodríguez. “É um setor com muitos documentos falsificados, informações não verificadas e corrupção”.

Desde 2016, a silvicultura de pau-de-balsa é registrada sob a chancela do Serfor. Porém, a atividade geralmente extrai a madeira de áreas sem plantações regulamentadas. “Eles trazem caminhões de uma suposta plantação e carregam madeira de todas as comunidades, estejam elas registradas ou não”, disse Rodríguez.

Atualmente, há 875 plantações com potencial de produzir 371 mil metros cúbicos de madeira de balsa, de acordo com o Serfor. “É um registro simples e automático”, disse Frank Rivero, especialista em silvicultura. Rivero observou que os planos de manejo florestal ou as licenças de extração não são verificados. Nem a Agência de Supervisão de Recursos Florestais e da Vida Selvagem (Osinfor) fiscaliza essas plantações. A inspeção só pode ser feita quando há colheita florestal, mas ela não é obrigatória. 

“O Serfor deve corrigir as regulamentações sobre o registro e o uso de plantações florestais”, avaliou Rivero. “Muitas vezes, o pau-de-balsa é extraído ilegalmente de áreas não autorizadas e ‘lavado’ com registros de plantações”.

Isso foi evidente em 2021, quando as exportações de pau-de-balsa atingiram seu pico, com recorde de área de plantio. A Jalsuri Green S.A.C., empresa de fachada pertencente ao grupo criminoso “O Clã Topa”, foi responsável por quase metade das exportações de pau-de-balsa do país, segundo uma análise a partir dos dados da Sunat. Conforme o Ministério Público, o grupo teria criado a empresa em 2020 com o apoio de ex-funcionários do órgão ambiental da região amazônica de San Martín, obtendo documentos falsificados para legalizar a exploração madeireira.

Desde então, as exportações diminuíram. Em 2022, apenas 12.778 metros cúbicos de pau-de-balsa foram exportados pelo Peru, 60% menos que em 2021. Além disso, em 2023, o Serfor aprovou novas diretrizes para a extração de madeira em florestas secundárias: as normativas determinam que os locais onde há pau-de-balsa selvagem agora são fiscalizados pela Osinfor e não podem ser registrados como áreas de silvicultura. 

Nossa reportagem questionou o Serfor sobre o uso da silvicultura para disfarçar o tráfico de madeira, mas não recebemos resposta até a publicação da reportagem.

Pau-de-balsa nativo na comunidade Sharamentsa na Amazônia equatoriana
Pau-de-balsa nativo na comunidade Sharamentsa na Amazônia equatoriana. Algumas comunidades do Equador e do Peru decidiram reflorestar a espécie para comercializá-la de forma sustentável (Imagem: Wajai Moisés Peas Senkuan)

Após a febre do pau-de-balsa, o povo Wampís, do Peru, decidiu reflorestar áreas com a espécie para comercializá-la de forma sustentável. “Estamos procurando um mercado direto com a China”, disse Kukush. “Porém, ainda não encontramos uma empresa que pague um preço justo”.

Colômbia: silvicultura em vez de coca

Na mesma época da corrida do pau-de-balsa no Equador e no Peru, o produtor colombiano Maximino Morales ouviu falar dessa espécie de madeira em La Carmelita, no departamento de Putumayo, sudoeste do país. Antes, o agricultor de 50 anos plantava folhas de coca nessa região amazônica pressionada há anos por grupos armados.

Intrigado, Morales viajou ao Equador para aprender sobre o negócio do balso, como a espécie é chamada na Colômbia. Depois, enviou seus filhos em busca de mais informações sobre o setor, e eles retornaram com o contato de uma empresa equatoriana. “Foi um boom”, disse ele. “Cada caminhão carregava 12 metros cúbicos de ripas de madeira, que vendíamos por US$ 10,5 mil. Um hectare gerava três caminhões, ou seja, US$ 31 mil”.

Atualmente, Morales tem 12 hectares de pau-de-balsa plantados, cinco deles graças aos “créditos verdes” concedidos pelo REM Visión Amazonía, iniciativa governamental que visa reduzir o desmatamento na Amazônia colombiana. No total, 60 produtores da região foram beneficiados pelo programa, conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente da Colômbia e financiado por agências governamentais de Alemanha, Noruega e Reino Unido.

“Os agricultores nos disseram que estava sendo usada a madeira das florestas, e muitas pessoas queriam plantar. Por isso, promovemos esse crédito”, explicou Yezid Beltrán, coordenadora da unidade de desenvolvimento agroflorestal do projeto.

A REM Visión Amazonía fornece aos agricultores um financiamento de até US$ 6,3 mil e subsídios adicionais de até 50% do valor de cada empréstimo, além de assistência técnica. Porém, esses incentivos estão condicionados a um compromisso de conservação ambiental.

Maximino Morales (à esquerda), agricultor colombiano que costumava cultivar folha de coca, planta uma muda de pau-de-balsa ao lado de um militar
Maximino Morales (à esquerda), agricultor colombiano que costumava cultivar folha de coca, planta uma muda de pau-de-balsa ao lado de um militar. Morales foi o primeiro dos 60 produtores de sua região a receber apoio do governo para o cultivo da espécie (Imagem: Maximino Morales)

“O balso tem sido uma bênção”, disse Morales, primeiro produtor a receber um empréstimo da iniciativa. “Nem mesmo na época das plantações de coca tive tanta motivação para o cultivo”.

No entanto, Morales destacou que ainda falta assistência para os agricultores que querem deixar de cultivar a coca. Também não há interesse suficiente no balso como alternativa às culturas ilícitas, explicou.

“No futuro, se não apostarmos no pau-de-balsa, as pessoas continuarão com a coca”, disse ele. “Isso está nas mãos do governo, é um problema muito grande e de longo prazo para a Amazônia”.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network.