A floresta amazônica no sul da Colômbia se estende imponente pelo horizonte, mas sua densa cobertura esconde uma realidade inquietante. Na remota província de Putumayo, na fronteira com o Equador, o cultivo de coca — matéria-prima da cocaína — sustenta economias locais enquanto intensifica a violência de grupos armados.
Para muitos em Putumayo, a coca é uma renda garantida em um local onde há poucas alternativas legais, a infraestrutura é limitada, e a presença do Estado, intermitente. Nas últimas décadas, sucessivos governos tentaram restringir seu cultivo, mas sem sucesso, e a produção aumentou em 2023.
O custo humano e ambiental dessa cultura ilícita é enorme: homicídios, violações de direitos humanos, exploração infantil, desmatamento, degradação do solo e contaminação da água deixam cicatrizes profundas no tecido social de Putumayo e ameaçam o ecossistema da Amazônia.
“O cultivo de coca é, muitas vezes, uma economia de subsistência, que atrai a violência de grupos armados e duras repressões do Estado”, diz Bram Ebus, consultor do think-tank International Crisis Group. “Não podemos dizer que as plantações de coca enriquecem as comunidades locais ou são realmente desejadas por elas. Mas, devido à falta de oportunidades de subsistência, as pessoas muitas vezes são forçadas a participar porque precisam sobreviver”.
Diante desse cenário, um pequeno grupo nos arredores da cidade de Puerto Caicedo trilha um caminho diferente. A Associação de Mulheres Piscicultoras e Produtoras Agrícolas de El Progreso, conhecida pelo acrônimo em espanhol Asoppaep, é um coletivo feminino de ex-produtoras de coca que encontraram uma alternativa legal e mais ecológica: a piscicultura. “Antes tínhamos uma renda maior, mas vivíamos com o medo de saber que era algo ilícito, que se encontrássemos o exército ou um grupo armado seria um problema”, disse Aura Ruiz, representante da organização, ao Dialogue Earth, ao lado de uma das piscinas do coletivo.
As 12 participantes do coletivo limparam seus terrenos de coca, que antes cobriam as colinas da região. Em seu lugar, ergueram várias piscinas de aquicultura, onde criam milhares de tambaquis e tilápias, produzindo cerca de quatro toneladas de peixe a cada seis meses.
“Agora podemos cultivar nossos produtos sem impedimento legal. Isso nos fortalece e nos dá paz de espírito”, explica Ruiz. “Além disso, sabemos que estamos contribuindo para a economia familiar”.
Luz Ángela Florez, coordenadora do WWF Colômbia para a região amazônica, afirmou ao Dialogue Earth que, “quando se trata de alternativas econômicas, nenhuma se equipara à renda gerada pela coca”. Por isso, disse ela, “as transições para além da coca estarão sempre relacionadas, não a uma questão econômica, mas a uma questão de risco”.
Custo ambiental da coca
O solo fértil e a localização remota de Putumayo tornam a região ideal para o cultivo de coca, mas a um alto custo ambiental. Agricultores derrubam vastas áreas de floresta para dar lugar às plantações.
A grilagem de terras e indústrias como a da pecuária também contribuem para o desmatamento na região e têm ligações com economias ilícitas e grupos armados.
Além disso, o processamento da cocaína libera produtos químicos tóxicos, muitas vezes despejados em rios e córregos do entorno das plantações, contaminando as fontes de água da região.
Para as comunidades de Putumayo, o desmatamento e a contaminação associados ao cultivo de coca vão além dos danos ambientais — representam a perda de recursos essenciais para sua subsistência.
A piscicultura da Asoppaep surge como uma alternativa mais sustentável, que promove um modelo de uso da terra em equilíbrio com a saúde ecológica e uma fonte de renda às famílias. “Nos esforçamos para fazer bom uso de tudo, ajudando a conservar a natureza, as árvores e a água”, diz Ruiz.
A cooperativa também reconhece haver impacto ambiental em suas atividades e afirma ter adotado protocolos para reduzir o desperdício e aumentar as oportunidades. Por exemplo, seus membros reutilizam as escamas de peixes para produzir colágeno e convertem as entranhas em fertilizante orgânico para as plantações da região.
Assim, buscam implementar uma economia circular que favoreça tanto a comunidade quanto o solo. Ao valorizar a autossuficiência e uma fonte de renda legal, desafiam o domínio econômico da coca em Putumayo, oferecendo ao ambiente degradado uma oportunidade de regeneração.
Batalha difícil
No entanto, a Asoppaep enfrenta desafios. A piscicultura exige altos investimentos e envolve riscos consideráveis, enquanto precisa lidar com ameaças inerentes ao trabalho rural na região.
“Para promover a transição para outras economias, é essencial encontrar maneiras de reduzir os riscos que as comunidades rurais enfrentam ao optar por abandonar a coca”, afirmou Florez.
Além disso, a cooperativa opera em um ciclo de produção de seis meses, período necessário para que os estoques de peixes amadureçam antes de serem pescados e comercializados. Esse intervalo prolongado leva os membros a buscar renda complementar por meio da agricultura de pequena escala ou outros trabalhos paralelos para cobrir as despesas entre as colheitas.
A cooperativa também enfrenta dificuldades para acessar mercados de larga escala, pois a infraestrutura rural em Putumayo continua subdesenvolvida, limitando sua capacidade de expansão.
O Programa Nacional de Substituição de Cultivos Ilícitos, lançado pelo governo colombiano em 2017, foi criado para apoiar agricultores na transição para alternativas legais. Mas sua implementação tem sido inconsistente, deixando comunidades sem os recursos necessários para abandonar a economia ilícita.
“Nessa região periférica da Amazônia, a presença do Estado historicamente é limitada ou inexistente”, explica Ebus. “Em Putumayo, percebemos a necessidade de uma estratégia regional para fortalecer a segurança das populações amazônicas e dos ecossistemas — mas sem uma abordagem militar, pois, especialmente em Putumayo, o aumento da presença militar está associado ao aumento das violações de direitos humanos”.
No futuro, a Asoppaep planeja diversificar suas atividades, cultivando frutas e legumes em suas terras e explorando a possibilidade de desenvolver um projeto de ecoturismo.
“Estou apaixonada pela criação de peixes”, diz Ruiz. “Mesmo que às vezes a recompensa econômica seja muito baixa, é algo que devemos manter ao longo do tempo porque é um trabalho muito bonito e nos ensinou a ter nossa autonomia. Não pretendo voltar atrás”.
Iñigo Alexander viajou para a região de Putumayo a convite do World Wildlife Fund.