O futuro de um dos projetos de mineração mais importantes do Equador é incerto. O governo quer apostar no setor para alavancar a economia, mas precisa aguardar o pronunciamento da Corte Constitucional, o mais alto tribunal do país. Em jogo, estão as jazidas subterrâneas de ouro e prata da mina de Río Blanco.
Dois juízes decidirão o desfecho de três anos de litígio entre a mineradora chinesa Junefield Ecuagoldmining e comunidades nativas da região montanhosa de Cuenca. Os moradores das comunidades ganharam da empresa em duas instâncias, sob o argumento de que tinha o direito de ter sido consultados previamente sobre o projeto.
É a condição de indígenas que lhe dá direito a exigir a consulta. Mas os moradores de Río Blanco só começaram a se identificar desta forma em 2017, depois do início do projeto minerador.
O governo do presidente Lenin Moreno recorreu da decisão, e o caso agora segue em um limbo.
Mas, à espera da sentença definitiva, o conflito — intensamente coberto pela imprensa — revela as dificuldades do setor de mineração no Equador, em meio à falta de diálogo entre empresas e comunidades, preocupações com os impactos ambientais e disputas sobre identidade indígena.
Uma comunidade entre o ouro e a água
Para chegar a Río Blanco, um povoado escondido pela névoa 3.550 metros acima do mar, na cordilheira dos Andes, há apenas dois caminhos.
Ambos são controlados por cancelas de metal que bloqueiam a passagem segundo a vontade de quem as maneja. Contudo, cada cancela tem um operário diferente: enquanto as comunidades que se opõem à mina de ouro controlam a via asfaltada para impedir a passagem de veículos da mineradora, uma empresa de segurança privada contratada pela companhia controla passagem pela pedregosa estrada secundária.
As duas cancelas são a evidência física do ponto a que chegou o conflito social nessa região pouco povoada, mas rica em água e ouro.
“Não podemos entrar livremente em nosso próprio território: eles nos controlam, muitas vezes pedem nossos documentos. Nós mesmos construímos esse caminho sem ajuda de ninguém, porque a empresa não quis colaborar”, conta a líder camponesa Elizabeth Durazno, que veste um gorro de lã roxa para proteger-se do frio do alto dos Andes. Durazno, aos 37 anos e mãe de quatro filhos, é um dos rostos mais conhecidos do que em Río Blanco se chama de “a resistência”, “a luta” ou “a prevenção”.
Essa é apenas uma das questões por trás do confronto entre dezenas de camponeses indígenas e a empresa do conglomerado chinês Junefield Mineral Resources Holding, cujas jazidas de ouro e prata poderiam gerar mais de 200 milhões de dólares ao Equador. O conflito foi herdado da empresa canadense International Minerals Corporation (IMC), comprada pela companhia chinesa em 2013, mas cresceu significativamente desde então.
Embora quase todos os moradores de Río Blanco tenham trabalhado para a mineradora no passado, eles hoje a acusam de não cumprir seus compromissos trabalhistas, de não gerar melhorias na qualidade de vida do local, de entulhar uma lagoa com escombros, de promover cisões dentro das comunidades e, sobretudo, de não lhes ter consultado previamente.
Verdade ou não, hoje, os povoados da região estão divididos quanto ao projeto. A maior parte das 80 famílias de Río Blanco se opõe à mina. Em Cochapamba, povoado mais distante da mina, mas também localizado dentro de sua área de influência direta, a maioria apoia o projeto. Mais abaixo na montanha, na via de acesso, Yumate decidiu por unanimidade bloquear o acesso de veículos da mineradora, enquanto Molleturo (sede do governo local) é mais favorável à empresa. Mesmo dentro das comunidades, há enfrentamentos, cuja responsabilidade detratores da Junefield atribuem à companhia, enquanto seus defensores a empurram aos opositores.
Tudo isso contribuiu para a escalada do conflito a tal ponto que não é possível vislumbrar possibilidades claras de solução.
A tensão chegou ao ápice em maio de 2018, quando um protesto pacífico em Río Blanco terminou com o incêndio do acampamento da mineradora. Até hoje não se sabe muito bem o que aconteceu nesse dia, num conflito que os chineses dizem ter sido provocado pelos camponeses, que por sua vez acusam a empresa de segurança particular da mina.
Mas moradores e mineradora não são os únicos interessados com o futuro de Río Blanco. A mina está situada na fronteira com o Parque Nacional Cajas, que abriga centenas de lagoas de altitude e é uma verdadeira fábrica de água. Cerca de dez rios correm desde seus morros, levando água a Cuenca, ao litoral do Equador e aos rios da bacia do Amazonas.
As comunidades temem que as atividades da mineradora possam afetar a água que nasce dentro do parque nacional, algo proibido por lei. A empresa insiste que seu projeto está fora da área de influência — a 3,5 quilômetros dos limites do parque — e que não há como afetá-lo.
“Nós precisamos da Mãe Terra para comer. Vivemos do campo e da irrigação, então o que vai acontecer? Não queremos que isso se perca. A empresa chinesa não nos escuta”, conta a camponesa Beatriz Loja na comunidade de Yumate, cujos riachos nascem em Río Blanco.
O valor hídrico do Parque Nacional Cajas, considerado uma Reserva da Biosfera pela ONU, é tão alto que o caso também se tornou politicamente sensível em Cuenca, a terceira maior cidade do Equador, que também recebe água do parque, e cujos tribunais há um ano se tornaram o novo cenário da disputa.
A batalha judicial por Río Blanco
Embora quase todas as manchetes publicadas na imprensa tenham se centrado nos conflitos diretos entre comunidades e empresa, o caso na verdade tem se desdobrado dentro dos tribunais.
Em 1o de junho de 2018, o juiz Paúl Serrado ordenou a suspensão das atividades na mina e a desmilitarização da região, respondendo a uma ação judicial de proteção iniciada pelas comunidades, que argumentavam que seus direitos à água, ao trabalho e à consulta prévia haviam sido violados.
Serrado desferiu o golpe mais duro para a Junefield e para o governo do Equador, a determinação de que os direitos das comunidades indígenas de serem consultadas previamente sobre o projeto foram violados.
O governo equatoriano recorreu, e o caso foi para o Tribunal Provincial de Azuay, instância superior de julgamento. No dia 3 de agosto do mesmo ano, em meio a grande expectativas e protestos no Parque Calderón de Cuenca, os magistrados ratificaram a decisão anterior.
A dupla vitória não é, no entanto, definitiva. O governo equatoriano decidiu recorrer e levar o caso à última instância possível, na Corte Constitucional.
O caso é exemplo de uma realidade cada vez mais comum no Equador e em outros países da América Latina. Conscientes de que os protestos e bloqueios de estradas costumam terminar em enfrentamentos com força pública e até em processos penais contra os líderes dos movimentos locais, as comunidades agora estão optando por estratégias jurídicas e políticas.
E estão ganhando. Em abril deste ano, os indígenas waorani da Amazônia equatoriana ganharam na justiça um caso parecido, que envolvia um projeto petroleiro dentro de seu territóriopelo qual não haviam sido consultados. Em outubro último, outro tribunal protegeu os indígenas do povo cofán de Sinangoe, que apresentaram uma queixa idêntica contra várias concessões de mineração.
Río Blanco foi a primeira dessas vitórias. O sucesso se deve em parte ao fato de que o caso foi acompanhado por inúmeras organizações indígenas e ONGs, que intervieram nas audiências judiciais apoiando os moradores da região.
Entre eles estava Jingjing Zhang, prestigiosa advogada ambiental chinesa que enfatizou o compromisso da China com o respeito às normas ambientais e com os direitos de minorias étnicas dos países onde investem.
“É hora de as empresas chinesas que estão investindo ou querem investir na América Latina enfrentarem o desafio: adotem boas práticas globais, escutem com sinceridade e respondam às perguntas das comunidades afetadas”, escreveu Zhang ao Diálogo Chino. A advogada atua há anos em temas ambientais na China e dirige o Programa de Accountability Ambiental Transnacional da Universidade de Maryland (EUA).
Há uma diferença, contudo, entre o caso de Río Blanco e outras vitórias judiciais que está na raiz da disputa política atual.
Os moradores de Río Blanco começaram a se identificar como indígenas cañari kichwa somente em 2017, quando já havia um conflito com a Junefield. É a condição de indígenas que lhe dá direito a exigir a consulta prévia, livre e informada, um direito protegido pela Constituição equatoriana e pelo Convênio 169 sobre povos indígenas das Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinado pelo país. Por isso, organizaram-se como comunidade indígena, escreveram estatutos e se registraram na Ecuarunari, o braço da organização indígena nacional que reúne os povos indígenas dos Andes.
A autoidentificação é um assunto espinhoso. O governo de Lenin Moreno afirma hoje que os moradores de Río Blanco não são indígenas, argumentando que esta informação não estava disponível no início do projeto. Ironicamente, foi o próprio governo equatoriano — então liderado por Rafael Correa, no qual Moreno atuou como vice-presidente — que convocou as comunidades de raízes indígenas a se declararem como tais, a partir do censo populacional de 2010.
“O Ministério de Minas até agora diz que não somos povos indígenas, que somos mestiços, mas nós nos autoidentificamos como indígenas”, conta Elizabeth Durazno, acrescentando que as comunidades cumprem dois dos critérios provatórios: ter sobrenomes que demonstrem ancestralidade indígena e documentos históricos provando que a paróquia de Molleturo teve presença história dos cañari-kichwa.
“Os povos indígenas foram vítimas de muitas violações de direitos coletivos, apesar de a consulta prévia ser uma garantia da Constituição. Sobretudo no governo de Rafael Correa, que certificava quem era indígena e quem não era, fortaleceu-se a ideia de que nós somos contrários ao desenvolvimento e à tecnologia, que queremos viver como nossos antepassados, que somos um atraso ao progresso. Essa imagem nos deslegitimava, sobretudo os líderes”, argumenta Laura Sigcha, dirigente da Federação de Organizações Indígenas e Camponesas de Azuay (FOA), que ajudou os moradores de Río Blanco a se organizarem.
A situação levou comunidades no Equador a se perguntarem se são ou não indígenas. Em meio à ausência de espaços para que as comunidades locais participem da tomada de decisões sobre seus próprios territórios — envolvendo, por exemplo, projetos mineradores e petroleiros —, muitas estão lançando mão da carta indígena.
Este será um dos temas examinados pela Corte Constitucional, uma vez que o governo de Moreno recorreu da última decisão judicial, argumentando que o devido processo legal não fora cumprido e solicitando a retomada das operações pela empresa. A decisão pode levar até um ano, já que a Corte tem mais de 8 mil casos pendentes.
Isso permitirá esclarecer uma situação confusa para todos. “Ainda não entendemos as implicações da suspensão [da mina]”, conta Andrés Durazno, secretário da associação de agroecologia de Río Blanco e um dos líderes da oposição à mina.
Entre tantas decisões judiciais através dos anos, os termos da suspensão da mina não são claros. Não se sabe se a suspensão agora em vigor é total ou parcial. Atualmente a mina está fechada.
De advogado antimineração a governante provincial
Com o cabelo preso em um rabo-de-cavalo e um lenço de arco-íris amarrado no pescoço, Carlos Yaku Pérez é o advogado à frente da estratégia judicial dos moradores de Río Blanco contrários ao projeto de mineração.
Carismático, o advogado de 50 anos, que até pouco tempo atrás liderava a organização indígena regional Ecuarunari, foi quem aconselhou a comunidade de Río Blanco a identificar-se como povo cañari kichwa e quem abriu a ação de proteção em seu nome. Embora já fosse conhecido em Cuenca após anos trabalhando em casos que envolviam água e direitos indígenas, a vitória judicial sobre a Junefield cimentou ainda mais sua fama.
“Claro que somos indígenas: nossos sobrenomes, nossa cor, nossa cosmovisão, tudo é indígena. Mas há um modus operandi muito generalizado: aqui não há consulta prévia. Confundem consulta prévia com socialização, com audiências, com qualquer outra coisa que não é consulta prévia”, afirma Pérez, enfatizando que esse tipo de vitória judicial teria sido impossível durante o mandato de Rafael Correa, que exercia uma forte pressão sobre o poder judiciário.
Durante o processo legal, Pérez denunciou ter sido detido ilegalmente por moradores a favor da mina, que — segundo ele — o ameaçaram de morte e o espancaram. Após esse episódio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), braço da OEA, lhe concedeu medidas cautelares, solicitando que o governo equatoriano garantisse a segurança de Pérez.
Numa virada que pode complicar ainda mais o caso, Pérez decidiu este ano concorrer para prefeito da província de Azuay como candidato do partido indígena Pachakutik. Na campanha, ele circulou o slogan “defensor da água” e tocou saxofone pelas ruas.
Sua vitória nas eleições de março foi tão inesperada quanto contundente: Pérez ganhou com 117 mil votos e mais de 10 pontos percentuais de vantagem sobre seu rival.
De certa maneira, a carreira de Pérez reflete como influência da causa indígena no Equador tem aumentado nas últimas duas décadas. Após ajudar a fundar a federação de organizações indígenas provincial, da qual foi o primeiro presidente, Pérez começou a liderar a Ecuarunari e a dirigir a Confederação Nacional de Indígenas do Equador (Connaje). Ao assumir o cargo provincial em Azuay um mês atrás, tornou-se também o terceiro prefeito indígena do Equador.
Durante o processo de autoidentificação como indígena cañari kichwa, Pérez mudou também de nome: há dois anos ele já não se chama Carlos Ranulfo, mas Yaku Sacha — ou “água do monte” —, em reconhecimento das origens cañari kichwa de sua família.
A eleição de Pérez não foi o único assunto envolvendo mineração que se debateu nas urnas. Em uma consulta popular, cerca de 86% dos moradores de três povoados de Azuay — inclusive aquele onde nasceu Pérez — votaram contra outro projeto de mineração, de Quimsacocha. A disputa com a mineradora canadense Iamgold foi justamente o primeiro caso que Pérez e FOA levaram à justiça. A votação teve caráter meramente consultivo, e não impede que o projeto vá adiante.
Embora seu cargo não implique uma influência direta sobre decisões de temas ligados à mineração, a presença de Pérez no governo regional deve tornar o ambiente ainda mais tenso. Uma de suas primeiras promessas logo após a eleição foi anunciar que levará um projeto de consulta popular — similar ao de Quimsacocha — à legislatura provincial, para que todos os habitantes de Azuay se pronunciem sobre a presença de projetos de mineração perto de fontes hídricas.
A campanha de Pérez gerou entusiasmo em Río Blanco, como atestam os cartazes e grafites nas casas e sítios da região, mas também entre os habitantes urbanos de Cuenca, onde o tema da água também é considerando assunto sensível.
“Emergem territórios que veem o potencial de reconhecer-se e autoidentificar-se como povo indígena, e há tratados internacionais que os favorecem. Não se vê esse processo como um retrocesso, mas como uma forma de proteção de seus territórios, sobretudo de projetos extrativos”, conta Laura Sigcha.
É o outro lado da moeda: ser indígena deixou de ter uma conotação negativa, tornando-se um ativo neste tipo de disputa.
A visão do governo equatoriano
O processo judicial que envolve a mina de Río Blanco tem gerado um dilema para o governo do presidente Lenin Moreno, que a considera um de seus quatro projetos estratégicos de mineração.
“Quando você tem um projeto que pode gerar 610 mil onças de ouro e 4,3 milhões de onças de prata, a preços atuais de 1.325 dólares por onça, você vê quão importante é esse projeto do ponto de vista econômico. Antes de precisar fazer cortes em outubro, a empresa gerava 656 empregos, além de pagar impostos”, explica o vice-ministro de minas Fernando Benalcázar em seu escritório em Quito. “Resumindo, o projeto tem um impacto imenso para todos num país que precisa desse tipo de investimento”.
O projeto da Junefield, que tem sede em Hong Kong e projetos de extração de ouro e cobre no Peru, é crucial para que o Equador possa cumprir a meta de que o setor aporte 4% do PIB nacional até 2020. Para cumprir a meta, em 2018 Moreno criou um superministério fortalecido para impulsionar a política de longo prazo de que necessitam os setores de hidrocarbonetos, mineração e energia.
“Os moradores de Río Blanco se beneficiariam diretamente da geração de empregos, de treinamento profissional e dos serviços que podem prestar à empresa, desde os mais básicos como lavanderia até alimentação e mão de obra”, argumenta Benalcázar, engenheiro civil e antigo executivo do setor petroleiro que voltou ao Equador para trabalhar no governo de Moreno.
Sua visão é compartilhada por outros moradores da região, que veem com bons olhos o investimento local possibilitado pela mina, que havia sido inaugurada em 2016 com a presença do ex-vice-presidente Jorge Las — hoje preso pelo escândalo de corrupção da Odebrecht.
“Como comunidade, a única coisa que exigimos é que o governo ponha as coisas em ordem. Se é preciso levar adiante [o projeto de mineração], então que o façam de maneira bem-feita. Apoiamos o projeto com a intenção de que esses recursos beneficiem as comunidades e sejam investidos em necessidades básicas, priorizando educação, saúde, estradas e projetos produtivos”, conta Manuel Muevecela, dirigente da comunidade de Cochapamba, cuja família paterna era de Río Blanco. “Claro que vai haver impactos, inclusive no meio ambiente, mas devemos garantir que haja mais impactos positivos do que negativos”.
O governo equatoriano também lança suspeitas sobre a liderança do movimento contra a mina.
“Há um conflito? Sim, entre certas pessoas que sequer pertencem à comunidade. Dos oito líderes, seis são de fora e são todos liderados por uma pessoa de fora. É uma minoria que tenta comprometer um projeto de interesse nacional”, afirma o vice-ministro, referindo-se — sem dar nomes — ao advogado Yaku Pérez.
Na visão do governo, os moradores de Río Blanco não são indígenas, mas sim camponeses. Seguindo essa linha de pensamento, a decisão judicial que lhes dá direito à consulta prévia lhes parece equivocada.
“Em circunstâncias específicas a consulta prévia, livre e informada deve ser realizada, não com quaisquer comunidades — quero ser claro nisso — mas com comunidades indígenas ancestrais que existem desde épocas coloniais, antes dos espanhóis, e que são protegidas pela Constituição. Algumas pessoas, com outros interesses, manipulam essa situação e tentam obter um poder de veto que não existe nem em nossa Constituição nem em nenhuma convenção internacional que assinamos”, explica, sublinhando que, em todo caso, o governo respeitará qualquer decisão final do poder judiciário.
As comunidades pró-mineradora concordam com o governo: também atribuem a Pérez um interesse eleitoreiro, acreditam que o argumento indígena é oportunista (os moradores de Río Blanco seriam “mestiços”) e se declaram vítimas dos bloqueios de estradas. No entanto, distanciam-se do governo ao reconhecer que seus opositores são genuinamente locais.
O maior medo dos setores favoráveis à mina é que Río Blanco se torne uma grande mina ilegal. O precedente dramático que cita Benalcázar é Buenos Aires, no norte do Equador, onde milhares de pessoas extraem ouro ilegalmente sob o controle de grupos militares e sem a presença do estado.
“Río Blanco é considerada o próximo alvo dos criminosos no país. A diferença é enorme: escravidão moderna, prostituição, lavagem de dinheiro, zero impostos ou benefícios, danos ambientais. Não traz um centavo [para a economia]”, explica Benalcázar, assinalando — sem mostrar evidências — que os ativistas antimineração teriam um interesse econômico em explorar o ouro caso a empresa não realize o projeto da mina.
Enquanto o debate político esquenta, o conflito só cresce.
As comunidades estão cada vez mais preocupadas com os possíveis danos ambientais do projeto e se mostram céticas quanto a seus benefícios econômicos. Enquanto isso, as empresas e o governo descartam os temores dos habitantes nativos como produto de desinformação ou do ativismo, limitando-se a insistir que detêm as tecnologias mais avançadas, e que os projetos extrativos trazem progresso.
Não há qualquer espaço de diálogo onde comunidades, empresas e autoridades possam conversar de maneira horizontal, pois ninguém no governo reconhece as preocupações dos moradores como legítimas, nem as aborda de maneira séria. “Eles preferiram falar com pequenos grupos de líderes de trabalhadores e [pedir] que contássemos às outras famílias. Para nós, a política da empresa tem sido esta: não conversar com todo mundo”, conta o camponês Rubén Cortés.
A reportagem tentou entrar em contato com a Ecuadoldmining por telefone e pessoalmente, mas a empresa disse que sua gerente local estava muito ocupada com reuniões em Quito e que precisava de permissão de sede central em Pequim. “Vocês deveriam falar com o Ministério de Minas. São nossos sócios”, disse a empresa no escritório em frente ao rio Tomebamba, em Cuenca.
O único ponto em que todas as comunidades — as que estão a favor e contra a mina — parecem concordar é sobre a ausência do governo.
“Isso não foi resolvido. O governo entregou a concessão, mas não houve acompanhamento adequado. É um abandono total por parte das instituições do estado”, conta Muevecela, que também participou das audiências judiciais e pede que a voz dos povoados pró-mineração seja levada em conta.
“O governo é parte desse conflito: mostrou-se incapaz de ver a complexidade do problema, pensando que atua em prol do país sem sequer entender a postura das comunidades”, critica Ivonne Yánez, bióloga da ONG Acción Ecológica que acompanhou o processo judicial.
Também se argumenta que é necessário um modelo participativo mais amplo, que não proteja apenas as minorias étnicas. Como diz o líder indígena Lauro Sigcha, “isso não deveria ser só para indígenas, mas para todos que moram em territórios cujas comunidades estão ameaçadas. Por que a preferência apenas para indígenas nesses casos?”
A imobilidade do governo e das empresas é frequente. Comunidades equatorianas criticam empresas mineradoras por reagir apenas quando percebem que seus investimentos podem ser afetados pela oposição a seus empreendimentos. Também argumentam que o governo apenas aparece quando precisa apagar um incêndio. Enquanto isso, as comunidades irritam-se com decisões tomadas a centenas de quilômetros de distância, na capital. As tensões parecem minar a legitimidade de qualquer decisão futura.
“Mesmo se o próprio presidente do país vier aqui, não nos interessa falar de mineração”, afirma Hipólito Pacheco, outro líder de Río Blanco. “Já não acreditamos, é tarde demais”.
Por mais que a Corte Constitucional se pronuncie, não parece existir hoje um caminho claro para resolver o conflito social e ambiental nos povoados acolhidos pelas nuvens dos Andes.
O crescente apoio à sua luta torna difícil de prever se as comunidades de Río Blanco aceitariam uma decisão a favor da mina. Enquanto isso, mesmo que o tribunal decida que a mina não pode operar, será difícil fiscalizar a mineração ilegal na região.
Mas, para além do ouro, não será fácil encerrar o debate iniciado pela comunidade de Río Blanco: afinal, o que é ser indígena no Equador, e seria direito de todas as comunidades recusar um projeto que transforma seu modo de vida?
Esta é a primeira de uma série de dois reportagens sobre os impactos ambientais e sociais de projetos de mineração chineses no Equador. Este projeto recebeu apoio da Rainforest Journalism Fund por meio do Pulitzer Center on Crisis Reporting./em>