Pelo menos 177 ambientalistas foram mortos no ano passado por proteger o planeta — uma média de uma pessoa a cada dois dias, de acordo com um novo relatório da Global Witness, organização sediada no Reino Unido. A situação na América Latina continua particularmente preocupante: cerca de 88% dos assassinatos ocorreram na região, uma parcela que cresce a cada ano.
Desde 2012, quando o relatório começou a ser publicado, 1.910 assassinatos de ativistas socioambientais foram registrados no mundo. Mas o número real pode ser muito maior, dizem os autores do levantamento: ainda há uma porção desconhecida de casos subnotificados ocorridos em zonas de conflito ou com limitações na coleta dos dados.
“São pessoas que tentam proteger suas casas, seus meios de subsistência e a saúde do planeta contra os impactos nocivos de indústrias como as do petróleo, gás, mineração, agronegócio e extração de madeira”, diz Gabriella Bianchini, consultora e pesquisadora da Global Witness no Brasil. “Eles trabalham para defender a vida de todos nós”.
A Colômbia é o país mais letal do mundo para ambientalistas, conforme o relatório: foram 60 mortes no ano passado — mais de um terço dos assassinatos a nível global. Os números contrastam com os compromissos assumidos recentemente pelo país: o Acordo de Escazú, tratado juridicamente vinculante para proteger ambientalistas na região, foi ratificado pelo Congresso da Colômbia em outubro de 2022; mas, no mesmo ano, os assassinatos de ambientalistas colombianos praticamente dobraram em relação a 2021.
Pelo menos 382 ativistas socioambientais foram mortos na Colômbia desde 2012, superando o Brasil no número de assassinatos registrados no período. Sirley Muñoz, porta-voz da organização colombiana Somos Defensores, explica ao Diálogo Chino que esse recrudescimento da violência está ligado a disputas territoriais e ao fortalecimento de grupos armados no país.
“A Colômbia tem uma grande dívida com seus ativistas ambientais”, diz Muñoz. “A violência marcou nossa história recente, mas a situação piorou em 2016, quando as FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] se desmobilizaram. Outros grupos armados assumiram o controle e os ativistas ambientais ficaram no meio do fogo cruzado. Esse relatório deve servir como alerta”.
Outros países duramente afetados na região foram o Brasil, onde 34 ativistas socioambientais foram mortos (30% a mais do que em 2021), e o México, onde os 31 assassinatos do ano passado representaram uma queda de 42% em relação a 2021, quando o país teve o maior número de assassinatos de ambientalistas no mundo.
Com 14 mortes, Honduras foi o país com o maior número per capita de assassinatos de ambientalistas no mundo.
O México assinou e ratificou o Acordo de Escazú; Brasil apenas assinou, mas não ratificou; e Honduras sequer assinou o acordo.
Jorge Santos, coordenador da Unidade de Proteção a Ativistas dos Direitos Humanos da Guatemala, vê um “grave retrocesso” na segurança de ativistas na América Central. “Não é apenas o setor privado que promove a violência. Em muitos países, vemos os governos assumirem uma postura mais autoritária”, ressalta.
Violência cresce na Amazônia
Pela primeira vez, o relatório anual da Global Witness deu destaque ao papel dos ambientalistas na região da floresta amazônica, que abrange partes de Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Suriname e Venezuela. Em 2022, foram registrados 39 assassinatos de ativistas socioambientais na Amazônia — ou seja, um de cada cinco casos no mundo.
“Como guardiões da floresta, os ativistas socioambientais estão na linha de frente contra a devastação da Amazônia. Eles enfrentam empresas perigosas que agem com impunidade, forças impiedosas do Estado e assassinos de aluguel”, diz o relatório. “Os ativistas são sistematicamente intimidados, criminalizados, atacados e assassinados”.
O caso de maior destaque no ano passado foi o do indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, mortos durante uma expedição no Vale do Javari. Os assassinatos deles chocaram o mundo e chamaram a atenção para as ameaças enfrentadas por ativistas socioambientais.
Cerca de mil quilômetros do local onde os dois foram encontrados, as atividades de garimpeiros ilegais colocam em risco a sobrevivência do povo Yanomani.
A líder indígena Maria Leusa Kaba, do povo Munduruku, também foi alvo de diversas ameaças de morte nos últimos anos devido à sua resistência contra a mineração ilegal. “É uma realidade dolorosa e triste”, diz ela em entrevista ao Diálogo Chino. “Eles queimaram nossas casas para nos forçar a deixar nossas terras. A Amazônia não precisa de nenhum desses projetos de exploração atuais — ela deve ser protegida”.
A situação é semelhante na Venezuela com a comunidade indígena Uwottüja, que vive em isolamento voluntário ao longo dos afluentes do rio Orinoco. Em 2022, Virgilio Trujillo Arana, um dos líderes mais proeminentes da comunidade, foi assassinado depois de denunciar a presença de mineração ilegal em seu território e a consequente violência gerada pela atividade na Amazônia venezuelana.
Em um vídeo gravado antes de seu assassinato, Trujillo diz que a comunidade seguiria protegendo sua terra: “Aconteça o que acontecer, sem a terra nós desaparecemos. É por isso que defendemos nossos territórios”. Desde 2014, 20 ativistas ambientais venezuelanos foram assassinados, 17 deles na Amazônia.
Aconteça o que acontecer, sem a terra nós desaparecemos. É por isso que defendemos nossos territórios.Virgilio Trujillo Arana, líder indígena Uwottüja assassinado em 2022
No Peru, três ativistas ambientais da região de Ucayali — Santiago Vega Chota, Yenes Ríos Bonsano e Herasmo García Grau — foram mortos após defenderem suas terras. O Peru é um dos 10 países mais perigosos para ativistas ambientais no mundo, com 42 pessoas mortas desde 2014 — metade delas na Amazônia.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Anistia Internacional pediram ao governo peruano que cumpra as leis internacionais e proteja os ativistas e suas famílias. No ano passado, o Congresso do país arquivou um projeto de lei que ratificaria o Acordo de Escazú.
O caminho a seguir
Apesar do cenário assustador, a Global Witness destaca alguns avanços feitos no ano passado. O Acordo de Escazú já teve duas Conferências das Partes (COPs) e elegeu seis representantes da sociedade civil para ajudar na implementação do tratado. Além disso, a ONU nomeou o francês Michael Forst como o primeiro relator especial sobre ativistas ambientais.
No Peru, a Suprema Corte condenou cinco madeireiros ilegais a mais de 28 anos de prisão cada pelo assassinato de quatro líderes indígenas Ashéninka — embora a decisão tenha sido anulada este ano. Enquanto isso, no México, um tribunal superior revogou as licenças ambientais para a construção do porto de Veracruz, obra bastante criticada por seus possíveis impactos.
Em suas recomendações, a Global Witness pede aos governos que criem um ambiente seguro para que ativistas e organizações sociais possam exercer seus direitos. Os mecanismos existentes, como o Acordo de Escazú, também devem ser implementados de uma melhor maneira, diz a organização. Na América Latina, 15 países ratificaram o tratado até o momento.
Os governos também devem denunciar, investigar e responsabilizar autores de ataques contra ativistas, fortalecendo a aplicação das leis e monitorando as ameaças, sugere a Global Witness. Já as empresas, acrescenta o relatório, não só devem ser investigadas por possíveis violações socioambientais: também precisam ser cobradas por mais transparência sobre suas ações para combater, prevenir e mitigar danos ao meio ambiente e aos direitos humanos.
“Cada vez mais ativistas estão se reunindo e criando associações para se proteger contra ameaças e violações. Vemos isso em diferentes partes do mundo”, diz Gabriella Bianchini, consultora da Global Witness. “O Acordo de Escazú poderia ser usado como exemplo em outras regiões que não têm esse instrumento em vigor”.