A mina de cobre Las Bambas, uma das maiores do mundo, foi palco de um protesto na semana passada, que levou, mais uma vez, à paralisação de suas operações.
Membros da comunidade local que participaram da movimentação alegam que a China Minmetals Corporation (China MMG), que opera a mina e contribui com cerca de 1% do PIB do Peru só com esse projeto, teria descumprido diversos acordos.
Las Bambas vive em estado de constante conflito. Em março, comunidades bloquearam a estrada usada para transportar o cobre da mina, exigindo melhores condições de vida. No final de 2021, bloqueios no mesmo local também forçaram o fechamento da mina.
Mas por que Las Bambas gera tantos atritos?
Estrada irregular de Las Bambas
Las Bambas atravessa uma complexa área geográfica. Sua zona de influência se encontra entre as províncias de Cotabambas e Grau, na região sul do Peru, onde quatro em cada dez dos quase 500 mil habitantes vivem na pobreza.
Para que o cobre produzido na mina chegue à costa peruana para ser exportado, é preciso transportá-lo pelo Corredor Vial Sur, uma estrada de 325 quilômetros entre os departamentos de Cusco e Arequipa.
Mas esse plano foi deixado de lado em 2014 quando a Glencore, que se fundiu com a Xstrata um ano antes, vendeu Las Bambas à China MMG. Uma segunda modificação no estudo de impacto ambiental (EIA) do projeto, aprovada em novembro daquele ano, declarou que o minério seria escoado por via terrestre, mas não existia nenhuma estrada para esse fim.
Assim, o governo peruano reclassificou e converteu estradas locais em uma rodovia nacional, em meio a várias irregularidades relatadas.
Essa escolha não veio sem reclamações. Desde que o presidente Pedro Castillo tomou posse em julho do ano passado, comunidades locais apontam uma série de questões, que vão desde indenizações por poluição sonora e poeira levantada por caminhões até demandas da comunidade por mais benefícios, como de emprego para operar os veículos que prestam serviços a Las Bambas.
No final de 2021, um bloqueio em Chumbivilcas, a 200 km da mina, interrompeu as operações e levou a perdas de US$ 9,5 milhões por dia, segundo estimativas do sindicato da mineração.
Em fevereiro, a comunidade de Capacmarca, em Chumbivilcas, bloqueou a estrada localizada a cerca de 100 km de Las Bambas com o objetivo de pedir uma indenização. Em março, a comunidade de Urinsaya, em Espinar, a cerca de 250 km da mina, fez o mesmo. A empresa afirmou ter perdido mais de 400 dias de transporte de materiais desde 2016, ano em que iniciou suas operações.
Las Bambas e suas complexidades
Um relatório de janeiro de 2022 da Ouvidoria do Peru, órgão encarregado de proteger os direitos de cidadãos, registrou nove conflitos socioambientais ativos relacionados a Las Bambas — cinco em Apurímac e quatro em Cusco.
O conflito mais recente ocorreu em julho de 2021. Seis comunidades e outros grupos em Chumbivilcas solicitaram que a Resolução 372-2018-MTC, lei que reclassificou e converteu estradas locais em uma rodovia nacional, não fosse reconhecida.
A Presidência do Conselho de Ministros (PCM), uma espécie de gabinete do primeiro-ministro, também monitorou a situação da estrada. Um documento publicado em janeiro detectou nove casos de conflito social na área, embora nem todos mencionem Las Bambas.
No final de março, outro conflito surgiu quando a comunidade de Huancuire, em Cotabambas, rejeitou a aprovação do governo para a expansão da mina. A decisão permitiria a exploração mineral em Chalcobamba, um dos três depósitos de Las Bambas, e poderia alavancar a produção para cerca de 400 mil toneladas de minério por ano.
Atualmente, o minério é extraído de Ferrobamba, em operação desde 2016. Mas a expansão e sua integração com o complexo de mineração exige a aprovação de uma quarta Modificação do Estudo de Impacto Ambiental (Meia), iniciada em junho de 2020, mas ainda sem conclusão. O EIA e o Meia também devem ser apresentados para consulta pública.
O estilo de negociação da China MMG encorajou mais protestos ao invés de soluções definitivas
José De Echave, da ONG CooperAcción e ex-vice-ministro do Ministério do Meio Ambiente do Peru, disse que os problemas em Las Bambas são complexos e resultam de um clima de grandes expectativas.
“Há um número grande de diferentes populações, vilarejos e comunidades camponesas. Alguns têm expectativas econômicas, outros têm preocupações ambientais. Alguns querem fazer parte da cadeia de valor, outros buscam empregos”, disse De Echave. “Muitos reinvindicam uma compensação pela passagem da estrada, que deixou de ser uma trilha ligando comunidades e se tornou uma rodovia nacional, sem cumprir com o devido processo. Em outras palavras, não houve negociação com as comunidades”.
Cynthia Sanborn, pesquisadora da Universidade do Pacífico, em Lima, é especialista em indústrias extrativistas e investimentos chineses. Sanborn concorda que as expectativas não atendidas são um ponto de tensão e acrescenta que os bloqueios de estradas e protestos prolongados refletem reclamações diferentes. Nem todas são exclusivas de Las Bambas.
Erros de governos anteriores ao aprovar mudanças no plano de transporte de minérios levaram a isso, de acordo com Sanborn. Os erros da empresa, que ela disse ter um ”estilo transacional” de negociação, “cederam às pressões dos bloqueios de forma a encorajar mais protestos, e não em soluções definitivas”.
Também há uma contínua ausência do Estado na área. Conselheiros que vêm de uma variedade de organizações e abordam comunidades oferecendo serviços — muitas vezes se apresentando como aliados — podem por vezes aprofundar divisões em busca de benefícios econômicos imediatos, acrescenta Sanborn.
Instabilidade política e incerteza econômica
Richard Arce, ex-congressista da Apurímac e candidato a governador da região, disse que o Estado e a China MMG devem atender às reivindicações, já que o corredor de mineração e, em particular, a área de Chumbivilcas, se tornaram prioridades nacionais. Ele insiste que Apurímac e Cusco precisam de soluções rápidas, caso contrário, as regiões testemunharão “um confronto entre comunidades irmãs”.
Nos últimos meses, autoridades de ambas as regiões têm mantido posições conflitantes quanto ao alcance das reivindicações sobre Las Bambas e seus benefícios econômicos. Baltazar Lantarón, governador da Apurímac, disse que as leis referentes aos royalties e ao cânone da mineração — um mecanismo no qual 50% do total do imposto de renda pago pelas empresas extrativistas é transferido para a região anfitriã — não devem ser violadas em detrimento da região. Este ano, Las Bambas começou a pagar imposto de renda e espera-se que isso traga grandes benefícios econômicos.
O comentário de Lantarón se insere em um contexto em que comunidades de Cusco desejam ser consideradas como parte da área de influência direta do projeto, algo a que ele se opõe. Já o governador de Cusco, Jean Paul Benavente, faz coro às demandas da comunidade. “Ninguém vai tocar nos royalties ou no cânone [de Apurímac]”, disse.
Em Apurímac, há preocupação de que os bloqueios interrompam o transporte de cobre. De acordo com Arce, a região perde 3,5 milhões de soles peruanos (US$ 900 mil) por dia quando há um bloqueio. Além disso, Las Bambas é responsável por 78% do PIB regional. Por esse motivo, Lantarón propôs a construção do chamado corredor econômico transandino de Apurímac, uma rota alternativa que não passaria por Cusco.
Arce acredita que o corredor transandino proposto é “uma resposta estratégica” ao risco de bloqueios ao longo da rota. Mas De Echave pede cautela.
“Enquanto as questões subjacentes não forem abordadas, e achem que a solução seja simplesmente construir uma nova estrada, os problemas serão transferidos para essa nova estrada e para as populações na área de influência”, disse o ex-vice-ministro.
Instabilidade prevalece
Ruth Luque, congressista de Cusco, questiona a assinatura de compromissos específicos com as comunidades ou distritos. Ela acredita que deve haver uma visão coordenada em toda a rodovia, de Apurímac a Cusco. “Isso está faltando, mas essa estratégia requer o envolvimento das autoridades em diferentes níveis — local, provincial e regional — e que parem de olhar [para a situação] de uma perspectiva demasiadamente territorial”, disse.
Arce avalia que falta uma “política clara do governo”, e que “não há interesse de lidar de forma responsável com a gestão de conflitos socioambientais, especialmente no corredor da mineração. Os danos são imensos”.
Para Sanborn, o presidente e o seu gabinete não demonstraram nenhuma liderança, estratégia ou prioridades claras. “Nem colocaram pessoas com conhecimento e treinamento em gestão de conflitos ou regulamentação de atividades extrativistas em cargos-chave”, disse.
Em seus primeiros oito meses de mandato, Castillo teve quatro chefes de gabinete e 45 ministros diferentes encarregados dos 18 ministérios do Peru. Várias mudanças de funcionários de baixo escalão contribuem para a contínua instabilidade política. As eleições regionais e municipais de outubro podem desestabilizar ainda mais a situação.
Neste contexto, Sanborn entende que “as frustrações surgem de todos os lados”. E pontua que “a desilusão é especialmente perceptível nas comunidades diretamente afetadas pela mineração, pois elas votaram esmagadoramente em Castillo com expectativas de mudança social a seu favor”.
O Diálogo Chino solicitou comentários da PMC e China MMG, mas elas não haviam respondido até o momento da publicação desta reportagem.