Centenas de pessoas com camisetas brancas protestavam contra a mineradora chinesa Zijin na praça de Buriticá em 9 de fevereiro. Esse município de dez mil habitantes, localizado no departamento de Antioquia, no nordeste da Colômbia, vive historicamente da agricultura e da mineração. Naquele dia, como em ocasiões anteriores nos últimos dois anos, manifestantes expunham seu descontentamento com a empresa que detém uma das maiores e mais importantes minas de ouro do país.
“Não queremos que o Estado seja um pai que nos dá tudo, queremos apenas ter projetos agrícolas e minerários. É tudo o que estamos pedindo. Eles nos prometeram isso”, disse um minerador que preferiu não se identificar ao Diálogo Chino.
Em seguida, o indivíduo se sentou acorrentado a uma estátua de um indígena morto no período colonial, que na época se recusou a revelar onde estavam as reservas de ouro da região. A estátua foi doada pelos antigos proprietários da mina, a canadense Continental Gold.
A chinesa Zijin comprou o projeto de mineração da Continental Gold no final de 2019 por 3,6 trilhões de pesos colombianos (cerca de R$ 4,2 bilhões). Isso lhes garantiu uma licença para explorar ouro em uma área de 1.893,8 hectares por 14 anos.
Sob a coordenação da Continental Gold, o projeto ganhou elogios por seu engajamento comunitário e pelas promessas de apoio a projetos sociais. Porém, desde que a Zijin assumiu a operação, três greves foram realizadas. A primeira ocorreu em março de 2020, poucos dias após o início das restrições pela Covid-19 na Colômbia.
Acusações contra Zijin
O ouro parece estar em toda parte nessa região. Segundo o Ministério de Minas e Energia, 77% das 47,6 toneladas de ouro produzidas no país vêm de Antioquia, principalmente dos municípios de Buriticá, Caucasia e El Bagre.
Um minerador que trabalhava para a Zijin disse que a primeira greve aconteceu porque, enquanto todo o país entrava em confinamento, “eles [Zijin] trabalhavam como se nada tivesse acontecido. A greve exigia que eles respeitassem a quarentena”.
O trabalhador também denuncia que seu contrato não foi renovado porque ele participou dos protestos. “Eles estão colocando mais funcionários chineses e não estão levando em conta as pessoas locais”, acrescentou o entrevistado, que pediu para permanecer anônimo.
(Vídeo: Ernst Udo Drawert / Diálogo Chino)
Em resposta a essas alegações, a Zijin explicou ao Diálogo Chino ter mantido suas operações durante a pandemia “porque a mineração foi enquadrada dentro das exceções decretadas na época pelo governo federal” e que autoridades locais aprovaram o protocolo de biossegurança da empresa. Permissões similares foram concedidas a empresas em outros países da América Latina, incluindo Peru e Equador.
Além disso, a mineradora afirmou empregar 3.885 trabalhadores diretos e terceirizados. “Ao todo, 63,7% da equipe operacional e dos aprendizes são do município de Buriticá e da área de influência da mina”, disse Sergio Petro, diretor de relações públicas e sustentabilidade da Zijin na Colômbia. Ele também garantiu não ter havido demissões pela participação nos protestos e que apenas 4,8% da equipe é de nacionalidade chinesa. Segundo Petro, chineses “vieram à Colômbia para realizar tarefas que exigiam uma experiência específica”.
Carolina Urrego, especialista em relações internacionais entre a Colômbia e a Ásia, que acompanhou o caso Zijin, afirmou: “É muito comum demonizar as empresas pelas atividades que realizam”. Mas questionou: “os governos estão de fato definindo regras sociais e ambientais que respeitam os direitos humanos? … Cuidar dos cidadãos é responsabilidade do Estado”.
Guarco, a reserva de água
De acordo com mineradores entrevistados pelo Diálogo Chino, outro fator que contribuiu para as greves foi o fato de Zijin começar a explorar reservas de ouro na vila de Guarco, ao norte da cidade de Buriticá. É lá que está localizada a reserva de água do município, e seus moradores temem por sua integridade.
A empresa explicou que suas atividades têm licença de mineração concedida pelo Estado e que a exploração ocorre “fora das áreas de importância ambiental da vila”.
David Berrío, vereador de Buriticá, diz que o problema é que o município tem um plano de uso do solo muito antigo e que Guarco não é considerada como parte da reserva ambiental. Por isso, “eles podem realizar a exploração sem nenhuma dificuldade”.
Para evitar danos futuros, o vereador está tomando medidas para que a Corantioquia, o órgão de desenvolvimento sustentável de Antioquia, torne a zona como uma área protegida.
Mineração informal e Creta
Um pesquisador de Antioquia, que prefere não ser identificado, explicou as diferenças entre a mineração ilegal e informal. A primeira “é realizada fora da lei, por exemplo por grupos armados”, enquanto a informal é aquela que pode ser formalizada por uma estrutura legal.
“Há vários caminhos para a formalização, dependendo de quem a faz e de sua situação. A questão é que não tem como tornar legal a mineração ilegal”, disse o pesquisador, acrescentando que, muitas vezes, um trabalhador informal acaba se associando a grupos ilegais que disputam o negócio entre si.
As entradas das minas ilegais são geralmente camufladas para se evitar que sejam vistas pelo exército ou pela polícia. O que ocorre em seu interior é escravidão moderna. Dezenas de pessoas trabalham de 8 a 12 horas por dia, carregando nas costas sacos mais pesados que seus próprios corpos. O trabalho é organizado por um capataz que obedece a grupos ilegais, que pagam pelo espaço e trabalho. Para combater a prática, o uso da força é comum em Buriticá.
O vereador Berrío trabalhou com a administração anterior (2016-19) e foi um dos coordenadores de Creta, uma operação militar para pôr fim à mineração ilegal. A ação foi financiada pela Continental Gold, que, segundo Berrío, investiu cerca de US$ 20 milhões entre 2016 e 2019 e envolveu cerca de 1.300 policiais e mais de 300 soldados. Cerca de 300 minas foram fechadas.
Mas o foco agora é na mineração informal. “Estimo haver 150 ou 200 minas”, disse o vereador. “A informalidade e a ilegalidade não desapareceram. Depois dessa experiência, entendemos que a forma de atacar a mineração informal é com determinação, e não com força”.
(Vídeo: Ernst Udo Drawert / Diálogo Chino)
“O que eles fizeram [no financiamento de Creta] foi tornar o negócio viável para vendê-lo aos chineses”, disse Berrío.
Esperando por promessas
Outra razão para os contínuos protestos é que, dos 4% dos lucros que a Zijin paga em royalties, apenas 1% vai para o município. Em 2021, a empresa pagou mais de 43 bilhões de pesos (aproximadamente R$ 52 milhões). No entanto, pouco mais de 430 milhões de pesos (R$ 522 mil) foram para Buriticá. Alguns buritiquenhos, incluindo o prefeito Luis Hernando Zapata, acreditam que a medida não corresponde à quantidade de ouro extraída.
1%
Apenas 1% dos royalties pagos pela Zijin vai para o município de Buriticá
Outro ponto de discórdia é a promessa de envolvimento da empresa com a região. “A Continental Gold trouxe uma estratégia de investimento social, em que havia projetos atraentes para o território, com a expectativa de emprego, vínculos produtivos, iniciativas empresariais e treinamento”, disse Zapata.
Entretanto, de acordo com o prefeito, até o momento a Zijin só apoiou projetos de construção de estradas e manutenção de infraestrutura, como a do telhado de uma igreja. Além disso, de nove projetos de formalização da mineração, apenas dois foram bem sucedidos.
Sergio Petro diz que a Zijin pagou mais de 33 bilhões de pesos (mais de R$ 40 milhões) e investiu “mais de 4,6 bilhões (quase R$ 5,6 milhões) em infraestrutura comunitária”. Ele acrescenta que a empresa tem um “programa consolidado de formalização”.
O que vem a seguir?
Segundo o Ministério de Minas e Energia,”[a Colômbia] definiu como prioridade acelerar a diversificação da produção minerária a fim de atender às necessidades globais”. Até 2022, a produção de ouro deve aumentar “entre 5% e 10% em relação ao ano anterior”, dando continuidade à tendência recente. Por isso, Zijin é um ator-chave e deve formalizar seu envolvimento em Buriticá.
Por anos, as empresas chinesas adaptaram suas políticas sociais e ambientais às condições de países anfitriões. No entanto, há sinais de que isso está mudando. A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), estratégia global de desenvolvimento de infraestrutura lançada pela China em 2013, estimulou multinacionais chinesas a aplicar controles ambientais mais rigorosos a seus investimentos no exterior.
Zhang Jingjing, advogada ambiental e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Maryland, nos EUA, onde dirige o Projeto de Responsabilidade Ambiental Transnacional, disse que Zijin é uma mineradora com investimentos em 12 países estrangeiros. Mesmo assim, afirma ela, na Colômbia, “a empresa não tem conseguido administrar muito bem o relacionamento com a comunidade vizinha”. Embora tenha autorização legal para empreender o projeto, sua “licença social”, diz Zhang, não está garantida.
*Os nomes de alguns entrevistados foram mantidos anônimos para proteger sua identidade.
*Esta reportagem é produzida por meio de uma parceria entre o Diálogo Chino e El Espectador.