Alter do Chão é uma localidade em que as areias finas às margens do rio Tapajós ganham formas onduladas por entre suas águas límpidas, criando um cenário no estado do Pará que ficou conhecido como o caribe da Amazônia.
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Este artigo é um resumo do quarto episódio de Amazônia Ocupada, uma nova série em podcast do Diálogo Chino.
No início deste ano, contudo, imagens que tiveram destaque nos noticiários mostravam uma mancha de poluição tomando conta daquela praia paradisíaca. Logo, análises da Polícia Federal e do ICMBio, órgão governamental de proteção da biodiversidade, concluíram que a mudança de cor do rio era provocada pelo garimpo e desmatamento ilegais, que ocorriam há centenas de quilômetros na bacia do Tapajós.
Depois de uma corrida do ouro nos anos 1980, o garimpo voltou a se expandir pela região amazônica, sobretudo em terras indígenas. A atividade avança em meio a uma regulamentação obsoleta e ao desmonte da fiscalização ambiental e enfrenta uma escalada de conflitos. E a poluição do cartão postal exacerbou as tensões locais.
O garimpo, seus impactos e personagens se misturam com a história de colonização da Amazônia desde o período militar e são o tema do quarto episódio do podcast Amazônia Ocupada, uma produção do Diálogo Chino com a Trovão Mídia.
Em uma série de cinco episódios, percorremos a BR-163 para entender como a floresta amazônica foi explorada nas últimas cinco décadas. Nos três primeiros episódios, tratamos das cadeias de produção da soja, pecuária e extração de madeira.
Percorremos a Transgarimpeira, uma via transversal à BR-163 e serviu como eixo para a expansão da atividade. De um sobrevoo, foi possível avistar garimpos dos dois lados da estrada de terra de cerca de 200 quilômetros.
No início dos anos 1980, a população garimpeira da região saltou de 140 mil para 240 mil pessoas. Era a época de Serra Pelada, a mina de ouro no sul do Pará que ficou eternizada pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado, mas que seria fechada pelo governo. Com receio de conflitos gerados pelos milhares de garimpeiros que seriam deixados sem opção, o Ministério de Minas e Energia criou a reserva garimpeira do Tapajós e começou a construção da via Transgarimpeira, na altura de Moraes de Almeida, distrito de Itaituba, no Pará.
“Meus pais vieram para cá na década de 1980. Cresci no meio dos pilotos de garimpo, dos donos de garimpo. Comecei a trabalhar diretamente quando eu completei 18 anos”, conta Lucas Peralta, nascido e criado em Itaituba, no Pará.
Garimpos que antes operavam legalmente se tornaram irregulares com a criação de reservas ambientais em meados dos anos 2000. Foi o que aconteceu com a família de Peralta. “Minha família tinha garimpo antes de eu nascer, há quase quarenta anos. E tinha documentação emitida pelo próprio governo federal”.
Peralta, que já fez de tudo no setor, defende, através do Instituto de Desenvolvimento Mineral do Tapajós, uma política de regulamentação e práticas menos poluentes para o garimpo. Para desenvolver a atividade de forma legal, é preciso ter a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), concedida pela Agência Nacional de Mineração. Mas a PLG tem brechas: não estabelece um limite de produção, nem uma técnica de extração mineral. Apesar de prever o rastreamento do minério, o controle também é falho.
Segundo o procurador Gabriel Dalla, do Ministério Público Federal do Pará, houve tentativas de regularizar a área, que não avançaram. “Houve uma pretensão normativa, de tentar regulamentar, criar uma zona de afetação da transgarimpeira. Só que obviamente isso provoca problemas das maiores”, diz. Riscos como o de abrir precedentes legais para o garimpo ocupar mais áreas protegidas estão entre eles.
Assim, o garimpo ilegal continua a prosperar. Cerca de 30% das 158 toneladas de ouro produzidas no último ano e meio no Brasil tinham indícios de irregularidades, de acordo com um estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais. Só a região de Itaituba concentrou 75% do ouro irregular do Brasil, segundo o levantamento.
Enquanto isto, os rejeitos do garimpo ilegal contém mercúrio, metal usado pra separar o ouro da terra, e que traz riscos à saúde. Um estudo da Universidade Federal do Oeste do Pará avaliou a situação de oito comunidades do Tapajós e de Santarém. Dos 462 adultos testados, 75% tinham níveis de mercúrio no sangue acima do limite de segurança da Organização Mundial de Saúde. Entre os ribeirinhos, esse índice chegou a 90%.
A intoxicação se dá pelo consumo de peixes das águas que são alvo do despejo de mercúrio. Entre os sintomas encontrados nas pessoas contaminadas, estão desde tonturas e tremores até alterações neurológicas, principalmente em crianças e gestantes.
“Estou falando como mulher, como mãe, como garimpeira. A nossa sobrevivência depende disso, depende de vocês, então olhem para nós como seres humanos, é isso que eu peço”, disse Estrella durante uma audiência pública para tratar do tema.
Ouça aqui o quarto episódio de Amazônia Ocupada, ou ouça também na Apple, Amazon ou Deezer. O quinto e último episódio e o artigo que o acompanha serão lançados na quinta-feira (29).