A produção de lítio passa por uma transformação. Empresas mineradoras, automotivas e químicas de todo o mundo correm para aumentar a eficiência e reduzir o impacto ambiental de sua extração e, assim, conseguir atender ao aumento exponencial da demanda do mineral por veículos elétricos.
“Os processos tradicionais de salmoura têm alto impacto ambiental, devido aos altos níveis de evaporação da água”, diz a pesquisadora Michelle Lee Yin, da Pontifícia Universidade Católica do Chile. “Há tecnologias alternativas que poderiam substituir e/ou apoiar o atual método, para termos uma indústria mais sustentável ao longo do tempo”.
Alguns métodos alternativos podem complementar os tradicionais, embora a maioria ainda esteja em testes. E a produção em nível industrial tem pela frente grandes desafios com relação ao consumo e recuperação da água, aos resíduos e ao uso de eletricidade.
Extração tradicional de lítio por evaporação
Nos salares — as salinas da Argentina e do Chile —, o método predominante de extração de lítio é a evaporação e a adição de cal e sódio. Ele consiste em bombear uma salmoura das profundezas dos salares e depois concentrá-la em grandes piscinas por entre 12 e 18 meses. A salmoura é um líquido com sais, e o lítio é um deles. Cada um desses sais tem uma solubilidade diferente, e o elemento restante após mais de um ano é o lítio.
A grande vantagem desse método é que a energia solar, que promove a separação do sal, é gratuita. A evaporação aumenta a concentração de lítio de 0,2% para 6%. O líquido resultante, rico em cloreto de lítio, é então canalizado para uma fábrica. Lá, são aplicados solventes, e é realizada a filtragem para obter o carbonato de lítio, um sólido. Em seguida, o carbonato de lítio de baixa pureza é lavado e seco, para atingir a concentração de lítio para baterias, o que significa uma pureza de mais de 99%.
No Salar do Atacama do Chile, as duas empresas que extraem lítio, a estatal SQM e a americana Albemarle, usam o método tradicional de evaporação. Da mesma forma, na Argentina, a australiana Orocobre (associada à japonesa Toyota Tsusho) extrai lítio do Salar de Olaroz na província de Jujuy, também com o método convencional.
O projeto Minera Exar, na salina argentina Cauchari-Olaroz, que deve em breve começar sua produção, é formado pela canadense Lithium Américas, pela mineradora chinesa Ganfeng e pela estatal de Jujuy, a Jemse. O projeto usará o método tradicional.
Enquanto isso, a coreana Posco terá 400 hectares de piscinas de evaporação no Salar del Hombre Muerto da Argentina, na província de Catamarca, para obter fosfato de lítio. Em seguida, transportará o concentrado para uma fábrica na vizinha província de Salta, para produzir hidróxido de lítio pela primeira vez no país.
Evaporação no deserto?
Como o lítio tem uma concentração muito baixa em salmoura, é preciso um enorme volume para atingir um índice alto, necessário para veículos elétricos.
Ernesto Calvo, cientista argentino e especialista no setor, explica que, em concentrações típicas de 500 a 1.000 mg de lítio por litro de salmoura, cerca de 200 mil litros de salmoura devem ser evaporados para extrair uma tonelada equivalente de carbonato de lítio.
“Esse método funcionou para os volumes exigidos na telefonia móvel, mas a escala exigida pelos carros elétricos o torna insustentável. Estamos nos dando ao luxo de evaporar água no meio de um deserto”, alerta ele.
Enquanto isso, Lee Yin calcula que, se cerca de 150 mil toneladas de carbonato de lítio são atualmente produzidas anualmente no Chile, isto significa que 25 milhões de metros cúbicos de água são evaporados por ano — uma quantidade que cresce junto com a demanda de lítio.
“Até 2025, a quantidade de água evaporada na indústria do lítio será a mesma que o consumo de água potável da região chilena de Antofagasta”, diz Yin.
Deve-se esclarecer que essa não é a água do consumo humano ou animal, mas da salmoura. Entretanto, estudos indicam que sua extração excessiva pode gerar mudanças climáticas locais e modificar a taxa de evaporação natural.
“O debate sobre o impacto ambiental das operações sobre ecossistemas frágeis só pode ser concluído quando houver informação suficiente e independente sobre o complexo sistema hidrogeológico no qual os projetos estão localizados”, diz Pía Marchegiani, diretora de política ambiental da organização argentina Farn.
Outras técnicas de extração de lítio
O incentivo para que as empresas adotem tecnologias alternativas é melhorar a eficiência da produção, o que impacta no equilíbrio entre o investimento inicial e a quantidade de lítio vendida. Parte do lítio contido na salmoura também é perdido na evaporação.
De acordo com a Albemarle, que opera no Chile, a perda de lítio de suas operações chega a 45%, enquanto estimativas apontam que a indústria opere com níveis de eficiência da ordem de 30-40%. Além disso, a extração é um processo demorado, levando entre 12 e 18 meses, o que tem impacto sobre o custo.
Ao contrário do Chile, o primeiro projeto de lítio na Argentina, da americana FMC, agora Livent, no Salar del Hombre Muerto, usa a extração direta, baseada em colunas de absorção de gibbsite, uma forma mineral de hidróxido de alumínio, que “filtra” o lítio.
O método consiste em uma salmoura, filtrada pela coluna de 25 toneladas que prende o lítio e permite que outros compostos fluam por ele. As colunas são lavadas com água para liberar o lítio preso. Entretanto, para aumentar a escala de produção, desde 2012, a Livent tem pré-concentrado o lítio por evaporação da salmoura.
Entre os novos projetos de lítio que em breve começarão a ser produzidos no país, a francesa Eramet também utilizará uma técnica de absorção, semelhante à da Livent. Segundo Daniel Chávez, CEO da subsidiária Eramine Sudamérica, “a curto prazo, talvez em poucos anos, toda a extração de lítio será realizada com novos métodos, principalmente porque muito lítio é perdido na evaporação do método tradicional”.
A australiana Rio Tinto fez recentemente um investimento de US$825 milhões para desenvolver o projeto de lítio de salmoura de Rincón em Salta e também utilizará um método de extração direta.
Corrida pelo lítio
Com um horizonte de altos preços e crescente demanda global, junto aos problemas ambientais e de eficiência dos métodos tradicionais, a indústria está em uma corrida pela pesquisa por novos métodos de produção.
Os métodos de extração direta, incluindo os da Livent e Eramine, se baseiam em uma estratégia que separa o lítio de outros compostos, em um processo que leva horas, em vez dos 12 a 18 meses da evaporação. Além disso, eles têm eficiência de 70-90%, extraindo muito mais lítio do que o método de evaporação.
Entretanto, os novos métodos têm suas próprias complexidades, que vão desde o uso intensivo de água doce e eletricidade até à geração de resíduos dos solventes.
“Os novos métodos estão em testes, exceto para as colunas de absorção, que estão mais avançadas. Todos são mais eficientes e muito mais rápidos. Não são processos químicos muito complexos, mas são volumes muito grandes, a uma altitude de quatro mil metros, com enorme diferença de temperatura entre dia e noite”, explica Calvo, que liderou o desenvolvimento de um método aprovado em laboratório. O processo aplica uma corrente elétrica para separar o lítio da salmoura. Não usa água, nem gera resíduos, e prevê o uso de energia de painéis solares.
Não são apenas as mineradoras que estão por trás dos novos métodos de produção. A General Motors, Tesla, BMW, a petrolífera Schlumberger, Panasonic e Renault, entre outros grandes players, também estão na corrida.
Os pesquisadores argentinos Andrés López, Martín Obaya, Paulo Pascuini e Adrián Ramos afirmam que “entre as técnicas mais avançadas” está uma desenvolvida pela israelense Tenova Advanced Technologies. Ela usa um solvente que, segundo a empresa, atinge uma solução de cloreto de lítio com uma pureza de mais de 99,9% em apenas um dia. O processo devolve salmoura sem lítio ao salar, um método complexo ainda não utilizado em escala industrial.
Outro método pesquisado envolve o uso de uma membrana de materiais que atraem o lítio, e que, por meio de vapor d’água, permite a separação dos sais.
Marchegiani, da Farn, argumenta que o avanço da exploração do lítio com técnicas que usam menos água parece uma boa notícia, no contexto da escassez de água no planalto do Atacama, onde está grande parte do lítio do Chile e da Argentina. No entanto, ela exige uma avaliação abrangente: “Por enquanto, muitos deles estão em testes de laboratório ou pilotos; temos que avaliar se eles são possíveis em escala industrial”.