Em 21 de dezembro, o governo equatoriano emitiu uma ordem pedindo a dissolução da ONG Acción Ecológica, baseada em Quito, que durante 30 anos trabalhou para defender os direitos da terra e proteger a Amazônia da degradação ambiental.
O Ministério do Interior do Equador chegou à conclusão de que a organização já não estava agindo de acordo com os princípios para os quais foi fundada por ter mobilizado a população contra um projeto chinês de mineração de cobre na província de Morona Santiago. Por este motivo, suas operações deveriam ser encerradas.
A ONG Acción Ecológica se defendeu afirmando que jamais desviou de sua missão: defender os princípios do buen vivir – algo como ‘viver bem’ ou ‘bem viver’, em português –, uma filosofia de vida que indica alternativas para o desenvolvimento econômico baseadas no respeito pelos direitos da natureza. O buen vivir refere-se aos princípios jurídico-filosóficos que regem a vida em harmonia com o mundo natural e que lhe oferece proteção legal. No Equador, o respeito pelos direitos da natureza está consagrado na Constituição de 2008 do país.
O caso da Acción Ecológica vem alimentar ainda mais as acaloradas discussões que já estão acontecendo na América Latina sobre como o buen vivir e os direitos da natureza podem coexistir com outros marcos legais, e quem deve assegurar sua implementação.
Além do desenvolvimento econômico
O buen vivir é a ideia de que existem alternativas para a globalização econômica baseadas no conceito de “boa vida” ou vida em plenitude. A ideia, que reflete valores e tradições indígenas, não deve ser confundida com conceitos como “padrão de vida” ou “crescimento econômico”, as quais são definidas em termos monetários ou econômicos. Ela inclui um componente espiritual e inclui a noção de comunidade, onde a harmonia entre as pessoas, assim como entre pessoas e natureza, é parte integral da vida em sociedade e das atividades econômicas.
Sua popularidade vem crescendo, especialmente no Equador e na Bolívia, onde já se articula uma linguagem de resistência para lutar contra os efeitos negativos do crescimento econômico e do capitalismo corporativo sobre a esfera social e econômica dos países.
Intimamente ligada à ideia do buen vivir, cuja ênfase é na harmonia com o ambiente natural, está a crença nos direitos da natureza. A convicção de que a natureza tem direitos está profundamente enraizada na cultura andina e está relacionada com a ideia da Pacha Mama, ou Mãe Terra, deusa andina que sustenta a vida na Terra. O Equador foi o primeiro país do mundo a incluir os direitos da natureza em sua constituição.
“A natureza, ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza”, diz o artigo 71. A Constituição equatoriana de 2008 também contém a frase sumak kawsay (uma antiga expressão quíchua que remete ao buen vivir e que pode ser traduzida como “boa maneira de viver”).
Na Bolívia, o poder legislativo aprovou a Lei dos Direitos da Mãe Terra em 2010. O país reconhece sete direitos da Mãe Terra: o direito à vida; à diversidade da vida; à água; ao ar limpo; ao equilíbrio; à restauração; e à vida livre de poluição.
Em ambos os países, tanto indivíduos como grupos podem recorrer aos tribunais para defender e proteger os direitos da natureza nos locais onde estes sejam violados.
Mera retórica?
Os proponentes argumentam que, em termos legais, o conceito de direitos da natureza é uma jurisprudência nova e emergente que precisa de tempo para se estabelecer e se formar através dos tribunais. Segundo eles, devido à ênfase concedida ao buen vivir e aos direitos da natureza, o Equador e a Bolívia mostram que estão atuando de modo ‘sério’ na busca por um modelo de desenvolvimento genuinamente indígena, em vez de um modelo determinado por investidores externos.
Tanto o Equador quanto a Bolívia têm procurado reduzir sua dependência em instituições econômicas internacionais, o que pode ser exemplificado pelo cancelamento de sua participação no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), um organismo criado pelo Banco Mundial para a arbitragem de disputas entre investidores transnacionais e governos anfitriões. O ICSID foi acusado por grupos ambientalistas e da sociedade de favorecer os investidores estrangeiros em detrimento dos países de acolhimento. A Bolívia foi o primeiro país do mundo a cancelar sua afiliação ao ICSID, em 2007, seguida do Equador, em 2010. Entretanto, o Equador tem acesso a poucas opções financeiras desde o calote da sua dívida externa em 2009, e isso, sem dúvida, fez aumentar a sua dependência econômica da China, para quem deve um valor estimado em US$ 15 bilhões.
O presidente equatoriano Rafael Correa trabalhou para aumentar a fatia dos países na arrecadação tributária de empresas de petróleo e mineração, mas parece que a conservação ambiental e a defesa dos direitos da natureza não foi priorizado por ele. Isso ficou evidente com a proposta Yasuní Ishpingo Tambococha Tiputini (Yasuní-ITT) de 2007, em que o governo do Equador prometia desistir de explorar as reservas de petróleo localizadas no Parque Nacional Yasuní caso recebesse uma compensação da comunidade internacional. Mas, logo depois que doadores internacionais se comprometeram em conceder US$ 13 milhões, o Equador abandonou a proposta e reafirmou seu direito de explorar a área.
O Equador e a Bolívia estão em processo de redefinir o que significa a soberania. Desde que Correa chegou ao poder no Equador, e Evo Morales na Bolívia, o conceito de plurinacionalismo vem se tornando cada vez mais importante nos dois países. Não devemos confundir um estado plurinacional com um estado multinacional, este último exemplificado pelo Reino Unido e Suíça. O plurinacionalismo encarna uma nova forma de soberania em que a soberania tradicional do Estado coexiste com ideias indígenas de nação e autodeterminação.
No entanto, os dois países permanecem suscetíveis a pressões externas. A medida de fechar a ONG Acción Ecológica foi tomada pelo governo do Equador após uma denúncia da empresa de mineração chinesa Explorocobres (EXSA), o que pode ser lido como um enfraquecimento da soberania nacional a pedido de um poderoso investidor internacional.
Reconhecimento internacional
A crescente popularidade da jurisprudência da Terra não se limita apenas à América Latina. Seus proponentes argumentam que a ideia de que a natureza é composta de objetos é uma premissa falsa criada pelos sistemas jurídicos convencionais, que tratam o meio ambiente como se ele se resumisse a recursos sujeitos aos direitos de propriedade. Eles defendem a subjetificação da natureza, em vez de sua objetificação; tratar a natureza e seus ecossistemas e espécies como sujeitos plenos de direitos, da mesma forma como as democracias liberais tratam as pessoas como cidadãos plenos de direitos.
Essa ideia conquistou algum reconhecimento nos Estados Unidos, embora apenas no nível subestadual. Por exemplo, duas autoridades públicas do estado da Pensilvânia, nos condados de Tamaqua Borough e Pittsburgh, aprovaram decretos reconhecendo os direitos da natureza.
O reconhecimento não estatal desses direitos também se estende além das fronteiras da América Latina e de grupos como o Acción Ecológica. Em 2012, a rede global de conservação União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) adotou a Resolução 100, “Incorporação dos Direitos da Natureza como ponto organizacional focal na tomada de decisões da IUCN”, o qual exige que os direitos da natureza se tornem um “elemento-chave fundamental e absoluto nos planejamentos, ações e avaliações” da organização.
A Bolívia e o Equador desempenharam um papel central em chamar atenção mundial para os conceitos de buen vivir e direitos da natureza. No entanto, assegurar a manutenção deles em seus respectivos países ainda é uma obra em progresso.
Os dois países continuam fortemente ligados a modelos de desenvolvimento econômico que focam no extrativismo imposto de cima para baixo, com violações diárias dos ‘direitos da natureza’. Parece que os direitos da natureza serão respeitados apenas em uma esfera abstrata e teórica até haver uma estrutura jurídica funcional para fazê-los serem cumpridos.