Lener Fonseca e Freddy Navas eram os dois últimos líderes do Movimento Camponês Anticanal na Nicarágua que não estavam presos ou no exílio, até que na semana passada foram capturados em um refúgio onde se escondiam em Manágua.
Ambos foram sequestrados por paramilitares, um braço civil armado a serviço do governo, e levados à prisão de segurança máxima de El Chipote. O prédio era utilizado por Anastasio Somoza, o ditador que governou a Nicarágua até 1979, para prender seus adversários políticos. O governo de Daniel Ortega iniciou, a partir de abril, uma caçada feroz a todos que encabeçaram protestos contra ele. Gradativamente, seu governo lotou as prisões de presos políticos.
As manifestações começaram quando o governo anunciou uma mudança na Previdência Social que diminuía em 5% a pensão dos aposentados e aumentava as taxas de contribuição de patrões e trabalhadores.
A repressão aos protestos já resultou em quase 400 mortos, 4 mil feridos, 600 presos políticos e 50 mil exilados na Costa Rica, Estados Unidos e outros países.
Desde que o início das demonstrações, o movimento camponês se uniu em oposição a um projeto polêmico que propõe a construção de um canal de 270 quilômetros, mais de três vezes o comprimento do Canal do Panamá, que ligaria os oceanos Pacífico e Atlântico através do Mar do Caribe. O projeto de 50 bilhões de dólares é uma criação do empresário chinês Wang Jing e conta com o total apoio do governo nicaraguense, que afirma que o canal dará um grande impulso à economia do país, a segunda mais pobre do hemisfério ocidental depois do Haiti.
Enquanto os estudantes ocupavam três universidades e as objeções contra o governo cresciam nas cidades, as bases camponesas bloquearam as principais estradas para paralisar o país e exigir a saída de Ortega.
A resistência contra o canal
A luta camponesa contra o canal teve início em julho de 2012 quando os deputados governistas do FSLN aprovaram a Lei 840, conhecida como a Lei do Canal, que cedia ao empresário chinês Wang Jing o direito de explorá-lo durante 100 anos. O parlamento lhe deu, também, segundo a interpretação de juristas, pode de confiscar terras de camponeses onde julgasse conveniente.
Apesar de o canal não ter sido construído e as terras não terem sido tomadas, a lei abriu as portas para uma violação dos direitos dos camponeses. A brecha causou indignação generalizada.
A aprovação da Lei 840 levou os camponeses a organizarem mais de cem marchas exigindo sua revogação, mas nenhuma teve impacto ou gerou solidariedade nos setores urbanos, onde o governo mantinha programas sociais populares.
“Quando as manifestações estudantis principiaram, os camponeses, com forte sentimento antigovernamental, se juntaram a elas”, explica o analista político Eliseo Núñez. “E então as contestações se espalharam por todo o país”.
Um grupo de aposentados saiu às ruas em León, uma cidade muito culta – berço do poeta Rubén Darío e de outros intelectuais de renome – localizada ao oeste do país, onde foram reprimidos pelo governo. Nas redes sociais foram postados vídeos e fotografias de anciãos de 70 anos sendo derrubados, golpeados e intimidados.
No dia seguinte, 19 de abril, em Manágua, estudantes da Universidade Centro-Americana, uma instituição jesuíta, protestaram e tiveram a mesma sorte. Foram atacados com tacos de beisebol por simpatizantes do governo, sob o olhar passivo das tropas especiais da Polícia. Ao amanhecer de 20 de abril, as universidades de Manágua se rebelaram.
Mas o enfrentamento custou muito caro. Seus principais líderes estão presos ou exilados. O governo descaracterizou o movimento: acusa-os de terrorismo.
Neste dia, morreram os primeiros estudantes diante de uma repressão desmedida do governo. Ortega retrocedeu as reformas na Previdência Social um dia depois, mas os protestos se alastraram por todo o país, exigindo sua renúncia e justiça para os primeiros mortos.
“O movimento camponês, o único que havia mantido os protestos contra o governo desde 2013, quando a Assembleia aprovou a lei do canal, recebeu forte apoio dos estudantes, e isso deixou o governo nas cordas”, analisa Núñez. “Durante os onze anos do governo de Ortega, o único grupo que lhe fez frente nas ruas foi o dos camponeses”.
Mas o enfrentamento custou muito caro. Seus principais líderes estão presos ou exilados. O governo descaracterizou o movimento: acusa-os de terrorismo.
“Medardo Mairena (o coordenador do Movimento Camponês Anticanal) está sendo torturado em uma cela de segurança máxima e acusado de terrorista”, diz seu advogado de defesa Julio Espinioza.
Além de Mairena, também estão presos outros dirigentes, como Pedro Mena, Víctor Díaz e Ronald Enríquez. A eles, agora se somam Fonseca e Navas. Outras figuras emblemáticas da luta camponesa, como Francisca Ramírez, Henry Ruiz e a advogada ambientalista Mónica López, estão exiliados na Costa Rica, organizando-se para quando possam regressar e continuar sua luta.
“O golpe contra os movimentos camponês e estudantil foi muito duro”, ressalta Núñez. “Mas sairão mais fortalecidos de tudo isto”.
O movimento se prepara para retornar
“Estamos nos organizando para voltar”, disse a líder camponesa Francisca Ramírez em um vídeo, filmado na Costa Rica. Ela relatou que escapou da Nicarágua por montanhas e lugares ermos com toda sua família, porque sua vida estava ameaçada.
Quando o Movimento Camponês Anticanal iniciou os protestos, não tinha uma bandeira política, tampouco exigia a saída de Ortega. Sua única demanda era a anulação de uma lei ainda considerada perigoso para seu direito à terra. Mas durante os protestos mudou seu foco e pediu a renúncia do presidente.
Em maio, no único dia em que compareceu ao chamado Diálogo Nacional, criado por Ortega para tentar estabelecer diálogo com manifestantes, Mairena afirmou, “Exigimos sua saída, sua renúncia e eleições antecipadas”.
Em pouco tempo, as negociações cessaram, e a polícia impediu bloqueios mantidos por camponeses nas vias e estradas.
“A luta mudou e passou a exigir a saída de Ortega, porque os camponeses entenderam que a única maneira da Lei 840 ser revogada é com outro governo”, sustenta Núñez.
Enquanto isso, o presidente Ortega declarou que os protestos contra ele são ilegais e uma ameaça à paz e segurança do país. Em seu último discurso público, Ortega insistiu em teorias conspiratórias contra os manifestantes: “Eles foram financiados pelos Estados Unidos e por organizações européias para ONGs na Nicarágua”.