Em setembro de 2018, a América Latina fez história ao apresentar o Acordo de Escazú, o primeiro tratado regional em todo o mundo que busca aprimorar o acesso à informação pública, a participação cidadã e a justiça em temas ambientais. No último fim de semana, os 21 países signatários se reuniram em San Jose, na Costa Rica, para verificar os avanços. Mas, afinal, como vai esse acordo inovador que poderia ajudar a reduzir os conflitos sociais e a proteger os defensores ambientais na região?
O Acordo de Escazú, negociado durante três anos e assinado durante a Assembleia Geral das Nações Unidas ano passado, poderia ajudar a América Latina a deixar para trás um vergonhoso recorde: ser a região com maior número de assassinatos de líderes ambientais e maior número de conflitos por questões ligadas ao meio ambiente.
Entre os problemas mais urgentes enfrentados por países latino-americanos estão a galopante taxa de impunidade para quem pratica crimes contra militantes ambientais, o não cumprimento do direito à consulta prévia das comunidades sobre possíveis impactos de grandes projetos de desenvolvimento, e as dificuldades de acesso à informação sobre questões ambientais.
Este é o ABC do Acordo de Escazú:
Por que o tratado de Escazú é importante?
- Proporciona aos cidadãos maior acesso à informação pública em temas ambientais, inclusive sobre grandes projetos de desenvolvimento
- Promove uma maior participação cidadã em decisões ambientais
- Proporciona maior facilidade de acesso à justiça em temas ambientais
- Propõe prevenir, investigar e punir todos os ataques contra defensores de direitos ambientais. É o primeiro tratado internacional que contempla medidas específicas para protegê-los.
Como vai o Escazú?
Onze dos 33 países da América Latina e do Caribe precisam ratificar o tratado para que o acordo possa entrar em vigor.
Cinco países já o ratificaram: Bolívia, Guiana, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadinas, e Uruguai.
Outros 16 países já assinaram o acordo, mas ainda precisam ratificá-lo: Antígua e Barbuda, Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, Granada, Guatemala, Haiti, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Santa Lúcia.
Onze países não assinaram o acordo ainda: Bahamas, Barbados, Belize, Chile, Colômbia, Cuba, Dominica, El Salvador, Honduras, Suriname, Trinidade e Tobago, e Venezuela.
Dois países declararam publicamente que assinarão: Colômbia e Chile.
Por que o Acordo de Escazú é necessário para proteger líderes ambientais?
A América Latina ocupa o vergonhoso primeiro lugar em todos os níveis de risco para defensores ambientais
Segundo o relatório de Michel Forst, relator especial da ONU para ativistas de direitos humanos, apresentado nas Nações Unidas em 2016:
- Os 10 países mais perigosos para defensores ambientais incluem seis da América Latina: Brasil, Colômbia, Guatemala, Honduras, México e Peru
- Das 135 comunicações enviadas por Forst a governos e empresas sobre violência contra defensores ambientais, 48% dizem respeito a casos na região
Segundo o relatório da ONG Global Witness deste ano, 164 defensores ambientais foram assassinados em 2018 em todo o mundo:
- Mais da metade desses assassinatos ocorreram na América Latina, que se tornou a região mais violenta para ativistas ambientais desde que o relatório começou a ser produzido, em 2012.
- Colômbia, Brasil, Guatemala e México figuram no vergonhoso top 6. Também registraram assassinatos Honduras, Venezuela e Chile.
- Pela primeira vez desde 2012, o Brasil não ocupou o primeiro lugar, embora apareça em quarto. Na Guatemala, o número de assassinatos quintuplicou, tornando-se o país mais perigoso para ativistas ambientais, proporcionalmente.
O projeto jornalístico Terra de Resistentes, que reuniu mais de 35 jornalistas de sete países, investigou a situação dos defensores ambientais em Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, México e Peru:
- Foram verificados ao menos 1.356 ataques e episódios de violência contra defensores ambientais entre 2009 e 2018, nesses sete países.
- Os alvos de 56% desses ataques pertencem a alguma minoria étnica, demonstrando que os territórios indígenas e afrodescendentes são especialmente vulneráveis a interesses criminais.
- Informações conclusivas sobre sentenças (condenação ou absolvição) foram encontradas em apenas 50 casos (3,68% do total), mostrando que a justiça é extremamente ineficiente nesse tipo de ataque. Em boa parte dos casos, as sentenças julgaram os autores materiais dos crimes, não os idealizadores.
- Em ao menos 545 casos de ataques (40,19% do total), houve denúncias das vítimas e suas comunidades para autoridades, desde instituições estatais até instâncias internacionais como a Comissão ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos.