Justiça

Futuro incerto para o Acordo de Escazú no Peru

Assassinatos de ativistas ambientais continuam aumentando no país, onde indígenas e jovens defendem a introdução do acordo
<p>O rio Apurimac, localizado no Peru, é a nascente do rio Amazonas (imagem: Alamy)</p>

O rio Apurimac, localizado no Peru, é a nascente do rio Amazonas (imagem: Alamy)

As eleições presidenciais do Peru podem enterrar de vez a oportunidade de o país ratificar o Acordo de Escazú. Povos indígenas e outros defensores do pacto internacional estão pouco otimistas em relação à posição tanto do Congresso quanto dos dois candidatos no páreo do segundo turno marcado para 6 de junho. 

O acordo entrou em vigor no dia 22 de abril depois de ser ratificado por 12 países, e sua implementação deve garantir o acesso à informação ambiental, ajudar a proteger ativistas ambientais e garantir a participação pública nas decisões ambientais. O Peru não foi uma das nações que o ratificou, apesar de ser um dos primeiros defensores.

12


países já ratificaram o Acordo de Escazú

A esperança que resta de reabrir o debate sobre o acordo centra-se agora nos jovens que protestaram quando o Congresso decidiu arquivar o projeto de ratificação enviado pelo então presidente Martín Vizcarra em 5 de agosto de 2019; nas organizações civis que iniciaram uma campanha para combater a desinformação e as mentiras disseminadas por empresários e políticos de direita, temendo que seus interesses fossem afetados; mas, acima de tudo, sobre a população indígena, que sofre com os assassinatos de seus líderes, ocupações ilegais de seus territórios e a contaminação de seus solos e rios. 

Desde que o governo peruano decretou a emergência sanitária da Covid-19 em 16 de março de 2020, pelo menos sete ativistas pela proteção da Amazônia no Peru foram assassinados, segundo o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Eduardo Vega. Já a Defensoria Pública e as organizações indígenas somam de oito a dez crimes. 

Segundo a Defensoria, em 2020, cinco ativistas ambientais foram assassinados: em abril, Arbildo Meléndez Grándes (Huánuco) e Benjamín Ríos Urimishi (Ucayali); em maio, Gonzalo Pío Flores (Junín); em julho, Lorenzo Wampagkit Yamil (Amazonas); e, em setembro, Roberto Pacheco (Madre de Dios). Em fevereiro deste ano, Herasmo García Grau e Yenes Ríos (Ucayali) foram mortos; e em março, Estela Casanto Mauricio (Ucayali).

O que todos concordam é que em 2021 houve três assassinatos: em fevereiro, dos líderes indígenas Herasmo García Grau e Yenes Ríos Bonsano (Ucayali); e em março, de Estela Casanto Mauricio (Ucayali), confirmaram a Associação Interétnica de Desenvolvimento da Floresta Peruana (Aidesep) e o Ministério da Justiça e Direitos Humanos. A esses crimes somam-se as ameaças e agressões sofridas por líderes indígenas e membros de suas comunidades praticadas por pessoas envolvidas em atividades ilegais, como tráfico de drogas, desmatamento, mineração ilegal e grilagem. 

Na véspera do Dia da Terra, em 21 de abril, o governo peruano aprovou um decreto que cria um mecanismo intersetorial para a proteção dos ativistas de direitos humanos. “Uma vez detectados sinais de ameaças contra os líderes indígenas, um protocolo é ativado para proporcionar-lhes transporte e proteção, se o caso exigir, e prevenir a impunidade”, afirmou o ministro Eduardo Vega.

O ministro reconheceu a gravidade da situação dos ativistas de direitos humanos, em sua maioria líderes indígenas, que foram mortos no último ano como resultado da defesa de seus territórios na Amazônia em várias partes do país. “Esses líderes indígenas foram mortos como resultado da expansão do tráfico de drogas em seus territórios, invasões de suas terras e outras atividades ilegais, como o corte de madeira e o tráfico de pessoas”, afirmou Vega. 

Um dos líderes indígenas ameaçados é apu (líder) Berlin Diques, presidente da organização regional Aidesep Ucayali, que considera o Acordo de Escazú um instrumento importante para a proteção dos defensores do meio ambiente e uma garantia de acesso à informação para os povos indígenas. “Precisamos da ratificação para garantir a proteção efetiva dos povos indígenas”, afirma Diques.

Ele lembra que as poucas conquistas dos povos indígenas se deram por meio de lutas. Por isso, as organizações da Amazônia estão se unindo para conseguir ratificar o acordo junto aos novos poderes do Executivo e Legislativo peruanos.

Dois candidatos, um futuro incerto

Entre a direitista Keiko Fujimori, candidata presidencial do Partido Popular Fuerza e filha do ex-presidente Alberto Fujimori — que cumpre 25 anos de prisão por violações dos direitos humanos —,  e o esquerdista Pedro Castillo, candidato presidencial do Partido Peru Libre e líder do sindicato dos professores, aparentemente não há lugar para o Acordo de Escazú.

Os congressistas do partido de Fujimori se opuseram à ratificação do pacto em outubro passado, enquanto que a organização política de Castillo não expressou rejeição ao tratado, mas critica duramente as organizações multilaterais e convenções internacionais.

Lizardo Cauper, presidente da Aidesep e do povo Shipibo, da região de Ucayali, não desanima com o novo cenário político e diz que buscará diálogo com as diversas bancadas para que o novo Congresso avalie, discuta e ratifique o acordo, o qual ajudará a proteger os territórios e povos da Amazônia.

“Longe de garantir a vida de seus cidadãos, o Estado desempenha um papel para favorecer as grandes elites, as economias legais e ilegais, que violam direitos. Há anos temos essa demanda. Exigimos segurança jurídica para garantir os territórios”, diz Lizardo Cauper, cujos irmãos foram mortos por defenderem seus territórios, suas florestas, sua biodiversidade.

Para Lizardo Cauper, os assassinatos de ativistas ambientais no último ano na Amazônia peruana são apenas a parte mais visível do problema. Há mais líderes indígenas e moradores ameaçados, mas eles permanecem em silêncio por medo, porque os estrangeiros que entram em seus territórios para plantar coca ou cometer outros atos ilegais os ameaçam. Se os advertem, se reclamam, simplesmente desaparecem. 

“Apesar das ameaças, continuamos a denunciá-las porque não vemos uma reação imediata do Estado peruano”, afirma Cauper.

O congressista Alberto de Belaunde, do Partido Púrpura, não está muito otimista, mas guarda alguma esperança. Por isso, quando, em outubro de 2020, a maioria dos membros do Comitê de Relações Exteriores do Congresso decidiu arquivar o Acordo de Escazú, ele e outros dois parlamentares assinaram um requerimento para que o novo parlamento traga a discussão de volta à mesa.

O documento de Belaunde explica a importância do Acordo de Escazú para fortalecer as instituições ambientais do país, com o direito de acesso à justiça em matéria ambiental, à informação e participação, assim como a proteção de ativistas do meio ambiente. Além disso, dedica-se a “quebrar os mitos e mentiras que foram criados em torno do pacto”, como a afirmação de que este acordo ameaça a soberania do país e que a Amazônia seria doada.

Longe de garantir a vida de seus cidadãos, o Estado desempenha um papel para favorecer as grandes elites, as economias legais e ilegais, que violam direitos. 

Embora Keiko Fujimori e Pedro Castillo não tenham falado sobre o Acordo de Escazú durante suas campanhas eleitorais, Belaunde destaca a rejeição do tratado pelo partido Força Popular e a posição crítica de Castillo em relação aos mecanismos multilaterais, tais como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. “Hoje não há muito otimismo sobre o que o novo governo poderia significar para a ratificação do Acordo de Escazú”, reconhece.

Apesar do pessimismo, Belaunde diz que se a ratificação for alcançada no próximo governo, será graças aos jovens que promovem a agenda ambiental, à sua capacidade não só de ativismo, mas também de defesa estratégica dentro do parlamento. “Embora não esteja muito esperançoso quanto ao papel do próximo governo em relação ao Acordo de Escazú, estou, sim, esperançoso quanto ao papel que os jovens podem desempenhar na mudança desse panorama”, conclui o congressista. 

Olhando para o segundo turno eleitoral, Belaunde propõe obter compromissos concretos dos dois candidatos presidenciais “para garantir uma imagem mais clara e mais ferramentas de pressão cidadã aos coletivos que têm promovido esta agenda ambiental”.

Como os líderes indígenas ameaçados não podem esperar por uma mudança no novo governo, Belaunde apresentou um projeto de lei para proteger ativistas ambientais e de direitos humanos. A proposta tramita em uma das comissões parlamentares.

Aída Gamboa, coordenadora do programa Amazônia de Direito, Ambiente e Recursos Naturais, enxerga uma oportunidade de que os novos membros do Congresso incorporem a discussão na Comissão de Relações Exteriores. No entanto, ela reconhece que existe o risco de uma contra-campanha, já que vários partidos políticos que terão uma forte presença no Congresso foram contra o Acordo de Escazú, como a Renovação Popular, liderada por Rafael López Aliaga, membro da Opus Dei.

“Os que se opõem prevalecem, mas creio que dependerá da defesa que a sociedade civil fizer, como, por exemplo, ter reuniões com congressistas, participar de debates no Congresso, discutir o assunto em nível local e regional. Poderia ser uma oportunidade para, mais uma vez, demonstrar que o acordo pode ser benéfico para nosso país, especialmente para incluir as vozes dos jovens e dos povos indígenas, que exigiram a ratificação”, diz Gamboa.

Empresários contra Acordo de Escazú

Entre os principais opositores à ratificação do Acordo de Escazú estão empresários. Em 15 de julho de 2020, a Confederação Nacional das Instituições Empresariais Privadas (Confiep) emitiu uma declaração contra a ratificação do tratado, com vistas a que o Congresso arquivasse o projeto enviado pelo Poder Executivo.

“Vamos expor mais de 60% do território nacional, que é a Amazônia peruana, assim como o território andino, costeiro e marinho, a um tratado que gera instabilidade jurídica no país, sem dúvida afetando os investimentos e o próprio desenvolvimento das populações de nosso território”, diz a declaração.

A Confiep discorda da ratificação do acordo, com vias de proteger “a soberania nacional e proporcionar segurança jurídica às atividades econômicas do país”.

O Peru foi um dos líderes na negociação do Acordo de Escazú e um dos primeiros a assiná-lo, em 27 de setembro de 2018. Como tal, a comunidade internacional esperava que o país fosse um dos primeiros a ratificá-lo. Mas não há prazo para que isso aconteça, obrigando ativistas a continuarem lutando até que o Congresso o ratifique.

Esta história faz parte do Tierra de Resistentes, um projeto coordenado pelo Consejo de Redacción, com o apoio da organização Ambiente y Sociedad e financiado pela Rainforest Foundation Norway.