Justiça

‘América Latina deve assumir responsabilidade por suas emissões’

Javier Dávalos, da organização AIDA, discute responsabilidades de países antes da COP26 e insuficiência de metas do México
<p>A Pemex, a empresa petrolífera estatal do México, está entre as 20 empresas que mais emitiram gases de efeito estufa na história (Imagem: <a href="https://flickr.com/photos/rutlo/5337912858/in/photolist-98Gcwj-2kxnjiC-5RUD2j-5PoozE-5exo2c-5extnM-5extrr-2Wsbq-9A5HXA-2kS9tjz-5Pj5bz-9CcXrP-4Cfkeq-DR5PBj-a6eDUp-4zHg4i-52a2pD-Q1tnL-5JEUwc-H9YjhD-bnG2aC-jULkWJ-z9mpT-RaYUi-5YNSB-5ERvHK-PMGy5-Nyo4x-9m4wZW-F1nGJ-4xwncC-2kSKqiC-mBb3wB-8rzavu-qiFUhm-qAfGM2-irQ2x-8ruDPZ-52kkDV-6HMtgK-6HMqPR-9idBmt-bF4356-6HMqai-dRN6GU-6HMpfM-7eF6Zp-6HMpLv-6HMpP8-6e4bsj">Flickr</a>)</p>

A Pemex, a empresa petrolífera estatal do México, está entre as 20 empresas que mais emitiram gases de efeito estufa na história (Imagem: Flickr)

Em menos de duas semanas terá início a COP26, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, e as expectativas são altas. Após o mais recente relatório do IPCC ter previsto um futuro de aumento acelerado da temperatura global, resta saber se os líderes mundiais serão capazes de apresentar metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

O Diálogo Chino conversou com Javier Dávalos, advogado sênior do programa de mudanças climáticas da Associação Interamericana de Defesa do Meio Ambiente (AIDA) e líder em mudanças climáticas na região. A AIDA é uma das poucas organizações de direito ambiental na América Latina e tem usado seus conhecimentos jurídicos para garantir justiça e proteção ambiental em conflitos em toda a região.

Para Dávalos, a América Latina deve exigir financiamento para programas relacionados ao clima e, por sua vez, países latino-americanos devem reconhecer sua responsabilidade como emissores. Nesse sentido, Dávalos falou especificamente sobre o México, que está chegando à COP26 em meio a uma ação judicial da sociedade civil por ter ambições muito baixas e por não mostrar um compromisso real diante de um cenário de mudanças climáticas cada vez mais urgente.

Alguns especialistas argumentam que o México perdeu seu estatuto de líder climático na América Latina. Como você enxerga o México nessas negociações? Como o México se diferencia de outras administrações?

O México apresentou sua primeiro CND em 2015, na primeira rodada do Acordo de Paris, de redução de 22% [das emissões], o que foi curiosamente parte de seu objetivo incondicional, sem cooperação internacional ou financiamento externo. Isto foi muito especial. Eles se comprometeram a uma redução de 51% no chamado carbono negro, que são gases de efeito estufa mais potentes do que o CO2. O México foi um dos únicos a incluir poluentes de curta duração em suas CNDs. Juntamente com o impulso às energias renováveis, isso fez com que o México se destacasse. Nos últimos anos, isto arrefeceu.

22%


era a meta de redução de emissões do México apresentada em 2015

Em dezembro, o México atualizou sua CND e houve um grave problema, pois o método foi ajustado, portanto o objetivo do México não mudou. O Climate Action Tracker, organização independente que analisa as CNDs, identificou que a CND do México se tornou insuficiente nos níveis atuais de aquecimento. O México tem grande responsabilidade, como o maior emissor da América Latina.

O Greenpeace entrou com uma ação judicial em relação à CND. Em março deste ano, um tribunal distrital disse que o Greenpeace não tinha uma base forte, mas outro tribunal deu uma liminar e disse que a atual CND está suspensa. Então agora há um limbo interessante, porque o México apresentou uma CND, mas um tribunal disse que ela está suspenso.

O Greenpeace argumentou que a meta de 22% não deveria ser relaxada. Agora que a COP26 está se aproximando, não está muito claro quais são os compromissos do México.

Que papel pode a sociedade civil desempenhar a este respeito? E o que a sociedade civil tem feito para pressionar o México a ser mais ambicioso em sua agenda climática?

Conheço o trabalho de organizações no México como a OCCA, observadora da qualidade do ar da Cidade do México, que monitora os graves impactos da poluição e está prestes a fazer uma declaração sobre esses fatos. Há também a Aliança Mexicana Contra o Fracking (a extração de combustíveis do subsolo) que também procura impedir isso no México, o que é uma promessa atual, mas não há nenhuma proibição legal ou constitucional.

Quanto a outros atores, diria que, primeiro, o setor privado tem de reconhecer sua responsabilidade e ajudar para uma transição energética justa. Trata-se de um papel muito importante. Quanto às organizações sociais ou academia, muito tem sido feito para promover a transição para uma energia justa, procurando fontes mais descentralizadas para se afastar dos grandes projetos que só podem ser geridos por grandes empresas públicas. Há muitas organizações que estão se preparando para a COP26, como a Climate Action Network. É muito interessante ver esta rede global de organizações que estão tentando fazer com que os países atinjam seus objetivos climáticos atuais. Elas estão fazendo o seu melhor para influenciar as políticas.

Diálogo Chino: Antes da COP26, os Estados Unidos e a China fizeram importantes anúncios sobre a redução de suas emissões. Qual é o papel dos países em desenvolvimento?

Javier Dávalos: A América Latina deve desempenhar seu papel em exigir justiça climática aos países desenvolvidos que contribuíram com percentagens muito elevadas de gases do efeito estufa em seus processos de industrialização e que têm uma responsabilidade histórica. Mas a América Latina tem que promover a ideia de justiça climática, reconhecendo que também tem responsabilidade.

A Pemex [do México] e Petrobras estão entre as 20 empresas que mais emitiram gases de efeito estufa na história

Os governos não podem se esconder dessa responsabilidade. A Pemex [do México] e Petrobras estão entre as 20 empresas que mais emitiram gases de efeito estufa na história. Elas são conhecidas como “Carbon Majors”. Governos como os do México e Brasil têm que arcar com isso, além de proteger seus ecossistemas e comunidades.

Nas negociações, podemos pontuar a vulnerabilidade que nossa região tem devido às condições geográficas e econômicas que nos tornam vulneráveis às mudanças climáticas. Uma tarefa fundamental é a preparação para a adaptação climática. Ao mesmo tempo, é importante destacar a necessidade de receber financiamento e de cumprir os objetivos do Acordo de Paris. O fundamental é que a América Latina tem que embarcar na transição energética o mais rápido possível, porque se não, estaremos sempre um passo atrás.

Como você enxerga a questão de gênero nas negociações climáticas? Como isso está sendo abordado nas negociações e o que poderia melhorar?

É muito mais amplo do que apenas pensar em como as mudanças climáticas afetam as mulheres de forma diferente: a perspectiva de gênero está olhando para como as mudanças climáticas afetam diferentes setores da população de forma diferente. Em termos de uma transição energética justa, há um risco diferente [para homens e mulheres] quando se trata de mudar os papéis profissionais ou quando há impacto em relação à agricultura, por exemplo.

Mesmo na mitigação, a ideia é que deve haver reconhecimento de medidas diferenciadas, incluindo direitos sexuais e reprodutivos. Em geral, as mulheres são muito mais responsáveis pelas tarefas de cuidado. Se há uma grande migração, há um aumento significativo da carga de trabalho para as mulheres. Temos que pensar sobre a distribuição da carga de trabalho. Já existem países que implementaram uma perspectiva de gênero para as Contribuição Nacionalmente Determinada (CNDs), por exemplo, no Equador.