Justiça

Chile sedia primeiro encontro sobre o Acordo de Escazú

Representantes do governo e da sociedade civil vão se reunir em Santiago para avançar na implementação do histórico acordo ambiental
<p>Criança pinta um cartaz com os dizeres &#8220;Escazú agora!&#8221; em uma manifestação em frente ao Palácio Judiciário do Peru (Imagem: <span id="automationNormalName">Fotoholica Press Agency</span> / Alamy)</p>

Criança pinta um cartaz com os dizeres “Escazú agora!” em uma manifestação em frente ao Palácio Judiciário do Peru (Imagem: Fotoholica Press Agency / Alamy)

O Acordo de Escazú, acordo ambiental inédito na América Latina e Caribe, terá sua primeira cúpula das partes (COP1) na capital chilena de Santiago de 20 a 22 de abril. Representantes de governos e sociedade civil tentarão dar novos passos para implementar o acordo e assegurar a ratificação por países signatários cujos processos estão pendentes.

O Escazú foi aprovado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em 2018, após seis anos de negociações, e entrou em vigor em 2021. Um grupo de 12 países assinou e ratificou o acordo, enquanto outros 11 não concluíram o processo, entre eles Brasil, Chile, Peru e Colômbia.

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países latino-americanos já ratificaram o Acordo de Escazú e 11 já o assinaram mas sem ratificá-lo, como é o caso do Brasil.

O acordo busca garantir a aplicação “plena e efetiva” dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública e justiça, além do direito de viver em um ambiente saudável. A América Latina é a região com mais mortes de ativistas ambientais no mundo.

A cúpula terá um escopo técnico, concentrando-se em três artigos do Escazú: as regras para sua implementação, incluindo a de participação pública; o financiamento necessário para seu funcionamento e implementação; e a criação de um comitê de apoio para sua implementação e conformidade.

Natalia Gómez, da organização EarthRights International e uma das seis representantes da sociedade civil na cúpula, afirma que o artigo do comitê de apoio é uma das questões-chave do evento.

“O coração do Escazú é o comitê. Ele garante que os países não vão apenas assinar o Escazú para ficar bem na opinião pública, mas que as obrigações assumidas a nível internacional sejam realmente aplicadas e executadas a nível nacional”, disse.

Escazú: participação ativa

Um dos aspectos marcantes da COP1 de Escazú é a oportunidade de participação de cidadãos. Isso distingue a cúpula de outras reuniões internacionais sobre meio ambiente e clima, em que apenas representantes oficiais dos países influenciam nas decisões. Comumente, a sociedade civil ocupa espaços alternativos e fora do ambiente oficial.

Os seis representantes da sociedade civil foram eleitos por meio de uma votação aberta organizada pela Cepal. Os escolhidos são ativistas socioambientais e membros de organizações que trabalham pela transparência e pela justiça ambiental.

A chilena Andrea Sanhueza, diretora do think tank Espaço Público, tem participado ativamente do processo por meio de sua organização.

O Chile sempre teve uma postura internacional de honrar com seus compromissos. O que aconteceu com o Escazú foi uma ruptura total dessa tradição

“Nos reunimos em 2012 como parte de uma rede global para falar sobre qual era nossa meta, o que queríamos alcançar”, disse Sanhueza. “A partir daí, tivemos a ideia de desenvolver acordos em diferentes regiões, com base no princípio 10 da Declaração do Rio, que fala sobre o acesso à informação e à justiça ambiental”.

A participação pública direta desempenha um papel importante nos processos de discussão, de acordo com Gómez: “Os representantes da sociedade civil servem como uma ponte entre a sociedade e os países que se sentam à mesa de negociações. É por meio deles que é possível canalizar pedidos e comentários”.

A reunião também confere o direito de fala a qualquer pessoa que se registre para participar. Para Andrea Sanhueza, esse ponto ajuda os cidadãos a desempenhar um papel mais ativo para influenciar o acordo.

Espera-se que a reunião avance rapidamente, já que os países participantes têm trabalhado em versões preliminares há meses. No início de março, foi realizada uma transmissão online da Pré-Cop, com a presença de Estados e representantes da sociedade civil.

Comitê é fundamental para o sucesso de Escazú

A criação de um Comitê de Apoio à Implementação e Conformidade é uma das principais questões a serem discutidas na COP1 de Escazú e deve gerar debates, diz Gómez.

“Escazú foi concluído em 2018, e agora os Estados vão negociar as regras para implementar alguns dos artigos, principalmente a COP e como a conferência vai funcionar. O que me parece mais importante é o Comitê de Apoio à Implementação e Conformidade, que é o artigo 18″, disse a advogada ambientalista.

Sanhueza acredita que a criação do comitê e a metodologia a ser usada terão implicações para os cidadãos.”Esse comitê tem que ser criado na primeira COP. É uma das coisas mais importantes, porque qualquer pessoa terá o direito de ir ao comitê e escrever para ele”, disse.

De acordo com a programação da Cepal, no primeiro dia os países participantes devem apresentar as ações já realizadas. Na quinta-feira, 21 de abril, haverá uma discussão detalhada sobre as regras para a implementação do acordo e o papel do comitê. As discussões sobre o financiamento de Escazú serão realizadas na sexta-feira 22, Dia da Terra, que também será marcado por uma celebração.

Brasil, Chile e Colômbia pendentes na ratificação

Os países signatários do Acordo de Escazú se enquadram em três categorias, dependendo da fase do processo de ratificação do acordo em que se encontram. Isso determina seu nível de participação. Há Estados Participantes, Signatários e Observadores.

Linha do tempo do Acordo de Escazú

Embora o prazo para assinar o acordo tenha terminado há dois anos, qualquer Estado da região ainda pode se tornar um Estado Participante, desde que ratifique o acordo. Entretanto, se antes os países apenas assinaram e ratificaram o documento, agora será necessário enviar um projeto de lei de adesão ao Congresso de cada país — exatamente o que o Chile fez recentemente após a posse de seu novo presidente, Gabriel Boric.

O relacionamento do governo chileno com o Acordo de Escazú foi repleto de reviravoltas. Seu governo anterior começou como um de seus principais idealizadores do acordo, mas voltou atrás poucos dias após sua assinatura. O então Ministério das Relações Exteriores havia alegado, na época, que o acordo era “inconveniente para o Chile”.

Sanhueza participou das primeiras negociações e lembra a brusca mudança de rumo: “O caso do Chile foi muito triste, tinha muita liderança. Trabalhei com eles durante todos esses anos. Vários de nós acreditamos que isso também atrasou o progresso em outros países”.

“O Chile sempre teve uma postura internacional de dizer algo e honrar com seus compromissos. E quando escolhe por não fazê-lo, o faz por bons motivos. O que aconteceu com o Escazú foi uma ruptura total dessa tradição”, acrescentou.

Segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos, existem 128 conflitos socioambientais no Chile, espalhados por todas as regiões. Desses, 85% afetam o direito humano de viver em um ambiente livre de poluição, e 30%, o direito à participação e consulta indígena.

É nesse contexto que o Chile está elaborando uma nova Constituição, que será votada pelos cidadãos em setembro. Um dos encarregados de escrever a nova Carta Magna é César Uribe, ativista ambiental e membro da convenção do distrito eleitoral 19, que engloba várias cidades do sul do Chile.

“A principal razão pela qual me tornei um constituinte é a luta socioambiental que temos em relação à defesa do rio e a defesa do território da montanha na região do Ñuble“, disse Uribe. “Vamos ser o segundo país do mundo, depois do Equador, em que os direitos à natureza são estabelecidos, o que significa mais proteção”.

Como o Chile, a Colômbia enviou um projeto de lei ao Congresso sobre o Escazú por causa da pressão social. Diálogos nacionais foram organizados para que os cidadãos pudessem expressar suas opiniões. Gómez disse que os diálogos resultaram no pedido expresso de assinatura do acordo de Escazú, com o qual o governo se comprometeu.

A Colômbia foi convidada a participar da COP1 de Escazú como signatária, mas a participação do país, que se prepara para as eleições presidenciais do primeiro turno, em 29 de maio, ainda não foi confirmada.

Para Gómez, há uma contradição na posição da Colômbia em relação a Escazú. “O presidente prometeu assinar o acordo e enviar o projeto de lei ao Congresso com certa urgência, mas seu próprio partido o engavetou”, disse.

Já no Brasil, o Acordo de Escazú foi assinado pelo ex-presidente Michel Temer em 2018, mas está parado desde que Jair Bolsonaro assumiu o poder. Com eleições presidenciais marcadas para outubro, há expectativas de que o país assuma compromissos mais ambiciosos em sua agenda ambiental.