Já se passou mais de uma década desde o início das negociações do Acordo de Escazú, tratado ambiental da América Latina e do Caribe que visa melhorar o acesso à informação, enfrentar a violência desenfreada contra ativistas socioambientais e assegurar às comunidades o direito de consulta prévia, livre e informada sobre os impactos de grandes projetos em seus territórios.
O acordo entrou em vigor em 2021 e, até o momento, foi ratificado por 16 países da região. A Dominica foi a última a fazê-lo, em abril. O Brasil é signatário, mas ainda não ratificou o Escazú.
Embora a implementação do acordo ainda seja um processo em construção, ele já tem sido aplicado em ações ligadas à justiça ambiental.
Em 2023, a Suprema Corte do Panamá declarou inconstitucional a renovação do contrato de uma mineradora canadense que queria seguir explorando cobre por mais 20 anos no país. O tribunal entendeu que a avaliação de impacto ambiental do projeto estava desatualizada e, portanto, violava o objetivo do acordo de fornecer acesso à informação ambiental sobre tais empreendimentos.
Em alguns países, os tratados internacionais são automaticamente integrados à legislação nacional e, portanto, podem ser aplicados em ações judiciais. Um exemplo disso é o México, onde a Suprema Corte suspendeu uma obra para expandir o porto de Veracruz, na costa leste — a decisão foi favorável às comunidades e ativistas que buscavam proteger os recifes de corais na região.
Na Argentina, a Corte Federal de Mar del Plata bloqueou em 2022 um projeto de exploração offshore de combustíveis fósseis na região, em um processo movido pelo Greenpeace. A sentença destacou a falta de participação pública e de acesso à informação no processo, pré-requisitos exigidos pelo Acordo de Escazú. Porém, a decisão foi anulada em instâncias superiores. A Justiça argentina também rejeitou um pedido liminar do Greenpeace sobre a exploração, apesar de o Ministério Público ter indicado que a atividade não respeitava o Escazú.
Casos exemplares no Caribe
No Caribe, o Acordo de Escazú tem sido usado como escudo contra planos pouco transparentes de governos da região.
Em Antígua e Barbuda, dois cidadãos iniciaram uma batalha legal para barrar a construção de um aeroporto particular a serviço de resorts de luxo no país. Jacklyn Frank e John Mussington afirmam que o empreendimento — envolvido em casos de grilagem de terras — está destruindo florestas e manguezais.
O pedido da dupla antiguana, que alegou a falta de consulta prévia sobre o projeto, foi rejeitado pela Justiça. Porém, o Conselho Privado do Reino Unido — a Suprema Corte para membros da Commonwealth — discordou da decisão. O conselho publicou uma nova sentença em fevereiro assegurando a Frank e Mussington o direito de continuar na disputa legal — conforme previsto no Acordo de Escazú, ratificado por Antígua e Barbuda em 2020.
A batalha agora retornará aos tribunais em uma nova ação legal. Mussington disse que a decisão evidenciou a falta de comprometimento do país caribenho com o tratado regional, embora tenha sido um de seus primeiros signatários — em 27 de setembro de 2018. “Enquanto apresentávamos esse questionamento ao governo [em 2020], eles estavam ratificando o Escazú”, observou ele. “Acho que, no futuro, eles provavelmente não cometerão esse erro”.
O processo judicial movido por Frank e Mussington abre precedentes para que outros cidadãos contestem as decisões governamentais que prejudiquem o meio ambiente. Muitas dessas ações judiciais são apoiadas pela Rede de Ação Legal Global (Glan, na sigla em inglês).
Junto de George Jeffery, pescador e guia do santuário de aves de Barbuda, a Glan entrou com um processo contra a Autoridade de Desenvolvimento e Controle do país por ter aprovado a construção de uma residência de luxo de um milionário inglês em Cedar Tree Point, dentro de uma área protegida. Eles alegaram que o empreendimento ameaçava ninhos de tartarugas marinhas raras e a reprodução da fragata, pássaro considerado símbolo de Antígua e Barbuda.
Enquanto isso, a rede Ativistas da Terra em Granada (GLA, em inglês) entrou com uma ação contra o Departamento de Planejamento da ilha caribenha de Granada pela aprovação de três mega empreendimentos turísticos. A organização argumentou que as obras desmataram manguezais, impactaram espécies protegidas e restringiram ou negaram o trânsito de comunidades tradicionais. Uma audiência está marcada para outubro.
Sarah O’Malley, advogada da Glan, disse que o governo de Granada havia se baseado na decisão que rejeitou o caso de Barbuda: “A reviravolta no caso de Mussington significa que agora a GLA pode se concentrar no mérito da ação”.
Uma ação judicial semelhante será apresentada em Dominica, que está construindo um aeroporto internacional em uma área ecologicamente sensível.
Influência internacional
A pressão internacional tem sido um fator importante para o Acordo Escazú. O Chile, que havia rejeitado o tratado, tornou-se signatário e Estado-membro em 2022. No ano seguinte, o país foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) por violar a liberdade de expressão de Carlos Baraona Bray, advogado condenado por difamação após acusar um senador de exercer pressão política para autorizar o corte ilegal de ciprestes na Patagônia.
Em sua decisão, a Corte destacou que o Escazú garante “um ambiente seguro e propício” para ativistas ambientais e determinou ações para protegê-los.
O acordo também foi brevemente mencionado em outras duas decisões da CorteIDH: uma contra o Estado peruano por violar o direito a um ambiente saudável da população na cidade minerária de La Oroya; e outra reconhecendo os direitos indígenas na Guatemala. Nenhum dos dois países ratificou o acordo.
Viviana Krsticevic, diretora-executiva do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), disse ao Dialogue Earth que o Acordo de Escazú já é forte por si só, mas há iniciativas para reforçá-lo com outros instrumentos jurídicos internacionais.
É provável que o acordo seja mencionado no próximo parecer consultivo da Corte Interamericana sobre mudanças climáticas e direitos humanos, no qual o Cejil desempenhou um papel fundamental. Embora a principal tarefa da Corte seja defender a Convenção Americana — o pacto de direitos humanos ratificado por 24 estados do hemisfério ocidental —, o Acordo de Escazú foi mencionado várias vezes em apresentações escritas e orais sobre esse parecer.
“Esperamos que isso dê aos Estados das Américas um conjunto de obrigações claras com base em uma interpretação integrada da Convenção Americana e do Escazú”, disse Krsticevic.
A Fundação para o Meio Ambiente e Recursos Naturais (Farn), sediada na Argentina, também tem um caso pendente na Suprema Corte de seu país para unificar o entendimento sobre o Escazú e o Acordo de Paris. A Farn busca uma medida cautelar que impeça a exploração de combustíveis fósseis offshore até que os impactos ambientais sejam devidamente avaliados.
Cristian Fernández, coordenador jurídico da Farn, disse que as ações judiciais baseadas no acesso à informação são relativamente simples, mas que a aplicação de outros itens do Escazú pode ser mais difícil, incluindo o “princípio da não regressão” — pelo qual os Estados se comprometem a não retroceder em padrões regulatórios. É o que a Farn tenta defender em seu processo.
Uma das principais limitações do Acordo de Escazú é que ele não tem seu próprio tribunal, observou Krsticevic. Há apenas o Comitê de Apoio para sua Implementação e Cumprimento, definindo regras para as consultas públicas e outras recomendações, criado na mais recente conferência sobre o tratado.
Para que os tribunais realmente usem o acordo, ainda há uma enorme lacunaNatalia Gomez, assessora para políticas de mudanças climáticas da EarthRights International
Natalia Gomez, assessora para políticas de mudança climática da EarthRights International e ex-representante do povo no Acordo de Escazú, disse que o comitê começará a atuar dois anos após a ratificação do acordo nos países. Embora o comitê ainda não tenha recebido denúncias formais, fontes consultadas pelo Dialogue Earth adiantaram que organizações estão prestes a fazê-lo.
Gomez destacou que alguns países resistiram à criação do comitê por temerem que os novos mecanismos atribuíssem mais responsabilidades aos Estados. Ela diz que o comitê não pode sancionar legalmente os governos, mas poderia ter um peso político e jurídico, considerando experiências com outros acordos internacionais, como a Convenção de Aarhus da União Europeia sobre o acesso a informações ambientais: “Muitas vezes, essas decisões são seguidas pelos tribunais”.
Ela acrescentou que ainda há muito trabalho a ser feito para adaptar o Judiciário ao Acordo de Escazú, algo em que muitas organizações estão trabalhando. Além disso, apesar de o acordo incentivar a criação de tribunais especializados em meio ambiente, poucos países da América Latina e do Caribe têm essas instâncias. “Para a aplicação direta e para que os tribunais realmente usem o acordo, ainda há uma enorme lacuna”, disse Gomez.