Nos últimos meses, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tem buscado preencher o vácuo de liderança no movimento de oposição ao grupo político de extrema direita ligado ao presidente Jair Bolsonaro. Entrevistas, conversas com políticos de direita e esquerda — inclusive o ex-presidente Lula — e a inclusão de seu nome em uma pesquisa sobre as eleições presidenciais de 2022 alimentam especulações sobre seu desejo de se tornar presidente do Brasil.
Mas o conflito entre seu governo e uma comunidade tradicional se tornou uma pedra no sapato das aspirações políticas de Dino. A comunidade do Cajueiro está sendo removida para a construção de um megaporto na cidade de São Luís por uma empresa brasileira e outra chinesa, a China Communications Construction Company (CCCC).
Dino tem se eximido de responsabilidade no caso, argumentando que o governo apenas cumpre ordens judiciais. “Não tenho poderes para impedir projetos privados”, escreveu no Twitter. Mas o episódio do porto despertou críticas de ambientalistas, acadêmicos e cientistas políticos. Eles lembram que a pauta ambiental, sob ataques do governo Bolsonaro, também é frequentemente deixada de lado em nome de grandes projetos de infraestrutura por políticos desenvolvimentistas de esquerda como Flávio Dino.
Com Dino no poder, teríamos uma projeção nacional do que ocorre no Maranhão
Bartolomeu Mendonça, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal do Maranhão, diz que, quando Dino foi eleito pela primeira vez em 2014, havia grandes expectativas de que seu governo seria positivo para comunidades tradicionais e à proteção ambiental. Ele derrotara um candidato ligado à família Sarney, um grupo conservador que há mais de 50 anos dominava o estado.
“Mas seu padrão de desenvolvimento econômico é reproduzir o que vinha sendo feito pela política tradicional há mais de meio século no Maranhão”, avalia Mendonça, “mantendo projetos de desenvolvimento econômico com alto impacto ambiental e sobre populações rurais, indígenas e tradicionais”.
O Ministério Público Federal aponta que não houve consulta prévia a mais de 60 comunidades quilombolas que serão afetadas pela duplicação da BR-135, para facilitar o escoamento de grãos e minérios. Só no quilombo Santa Rosa, 345 casas podem ser removidas. A construção do primeiro parque eólico do Maranhão, na região de Paulino Neves, prejudicou o acesso ao mar de pescadores, e sua linha para transmissão de energia cruza comunidades rurais em outros 9 municípios.
11%
da produção brasileira de soja vem do Matopiba, território que inclui o Maranhão
O agronegócio desloca populações tradicionais e devora o verde no Matopiba – território entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que responde por 11% da produção nacional de soja. Na região de Imperatriz, quebradeiras de coco babaçu enfrentam a implantação de lavouras de eucalipto e fábricas para a produção de celulose e papel em seu território tradicional. A disputa por terras de populações rurais cresce também com a implantação de termelétricas a gás na região metropolitana de São Luís, interior e norte do estado. As informações são da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O Maranhão lidera o ranking nacional de conflitos no campo, com mais de 2,5 mil casos registrados de 1990 a 2018 pela CPT
Fábio Pacheco é coordenador da Associação Agroecológica Tijupá, entidade que apoia populações afetadas por projetos de desenvolvimento em todo o Maranhão. Ele conta que muitos iniciativas acontecem sem diálogo com populações impactadas.
“Sua remoção se torna um ‘mal necessário’ ao desenvolvimento econômico do Maranhão”, ele conta. “Programas e órgãos estaduais que poderiam melhor conduzir esses projetos e reduzir danos socioambientais têm baixo orçamento e pouco pessoal se comparados com os órgãos ligados ao mercado, como as secretarias de Indústria e Comércio e de Agricultura”.
A expulsão de comunidades tradicionais por um gigantesco porto China-Brasil é, no entanto, uma das maiores crises enfrentadas pelo governador Flávio Dino. Decretos para desapropriação de famílias publicados desde 2014, dois deles em seu governo, apoiaram decisões judiciais que podem varrer do mapa a Comunidade do Cajueiro. Removê-la permitirá o avanço da obra voltada ao escoamento de minérios e grãos. Entre os últimos moradores no local, há dois idosos com mais de 80 anos.
O Porto São Luís também recebeu licenças dos órgãos estaduais de meio ambiente, apesar da devastação da floresta amazônica que provocou, de repetidas denúncias de violência contra moradores tradicionais e de investigações em curso do Ministério Público estadual apontando que a obra se desenvolve sobre terras que foram griladas e depois vendidas às empresas responsáveis pelo projeto.
Em outro inquérito, a WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais e os empresários Walter Torre Júnior e Paulo Remy Gillet Neto, ligados à construção do porto, respondem a processo na Justiça do Maranhão por crimes como matança de animais, desmatamento de florestas protegidas e descumprimento de condições do licenciamento da obra.
Para Pacheco, da Tijupá, caso Dino de fato alcance a Presidência da República, mesmo que rompa o desmonte das políticas e estruturas de proteção do meio ambiente do governo Bolsonaro, deverá recuperar alguns dos aspectos mais preocupantes da política ambiental dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Apesar de alguns avanços, seus governos não consolidaram a Reforma Agrária, reduziram o ritmo de criação de terras indígenas e outras áreas protegidas e tiraram do armário projetos paridos na Ditadura Militar.
A controversa hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, é uma dessas empreitadas. Desengavetada por Dilma, Belo Monte tem causado enorme impacto ambiental e social, com aumento da violência, comunidades desalojadas e graves problemas de saneamento básico.
“Com Dino no poder, teríamos uma projeção nacional do que ocorre no Maranhão”, conclui Pacheco, “com políticas de desenvolvimento que manteriam a defesa do meio ambiente e das populações tradicionais e indígenas, subalternas aos interesses dos grandes mercados e de países hegemônicos como China”.