Em Madri, representantes de mais de 190 países buscam avançar nas negociações sobre mudanças climáticas na cúpula das Nações Unidas COP25. Apesar disso, o nível de progresso está longe de ser o desejado, com questionamentos a países como o Brasil por sua falta de ambição.
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do Brasil, viajou a Madri para participar das atividades da sociedade civil e dos povos indígenas da COP25. Em entrevista ao Diálogo Chino, Silva destacou sua preocupação com as políticas climáticas do presidente Jair Bolsonaro e com as mudanças recentes na América Latina.
Diálogo Chino [DC]: Qual é o papel da América Latina na COP25, após a mudança de sede para Madri?
Marina Silva [MS]: Perdemos muita força. Esta era uma oportunidade de realizar uma COP em nosso continente, com o objetivo de aumentar os compromissos para estabilizar a vida no planeta. Mas a posição do Brasil criou um prejuízo para todo o continente. O Brasil teve uma influência terrível nas negociações do clima. O país veio com uma visão negacionista das mudanças climáticas e com um desempenho negativo. Hoje, temos um processo de violência no país contra líderes ambientais e uma criminalização de líderes sociais. Bolsonaro criou uma situação indesejada para a América Latina.
DC: Os compromissos climáticos da região não estão de acordo com o Acordo de Paris. Uma maior ambição climática na região poderia ser alcançada?
MS: Não gosto da palavra ambição, tenho dificuldade com ela. Está associada a algo negativo, e, devido à falta de ambição, estamos nessa situação. Mas as pessoas que falam bem dos mercados criaram esse termo para as mudanças climáticas. O que realmente precisamos é de um compromisso maior para proteger a água, as florestas e a biodiversidade. O contexto global é muito negativo, são necessários mais compromissos de todos os países. A crise política na América Latina está ligada à expansão da direita, que cria problemas para a ambição climática.
DC: Quais resultados você espera para o encerramento da COP25?
MS: São necessários mais esforços para impedir que a cúpula seja um fracasso completo. Espero que, ao final, avanços sejam alcançados, mas o cenário não é positivo. O progresso aqui é muito importante. Mas, mesmo se tivermos uma situação difícil aqui, também precisamos nos preocupar com o cenário mais amplo. As eleições presidenciais dos Estados Unidos podem dar a vitória a um democrata e isso seria muito favorável para a próxima COP.
DC: O Chile, que preside a COP25, não assinou o Acordo de Escazú, essencial para a proteção de líderes ambientais da região. Qual seria a importância da sua assinatura?
MS: Acordos como Escazú são importantes porque a violência, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são processos que se retroalimentam. A violência que mata os indígenas ocorre devido a atividades econômicas que geram emissões de carbono e perda de biodiversidade. O Acordo de Escazú deve ser ratificado e cumprido em nível nacional na América Latina.
DC: A América Latina está passando por profundas mudanças nos níveis social, político e econômico. A que essas mudanças respondem?
MS: Eu tenho uma visão de preocupação com a América Latina. De um lado, há políticos de esquerda e, de outro, neoliberais sem compromissos com problemas sociais e ambientais. Os dois grupos acabam formando uma polarização. Estamos em um processo de descrença na democracia. Precisamos de políticas na região que sejam orientadas por princípios e valores. Meio ambiente, proteção dos povos nativos e fortalecimento da democracia são princípios e valores inegociáveis, ganhe a esquerda ou a direita.
DC: Os povos indígenas e a sociedade civil no Brasil têm papel de destaque na COP, com atividades sem o governo federal. Como você avalia essa divisão?
MS: O papel do governo Bolsonaro provoca tristeza e indignação. O Brasil sempre credenciou a sociedade civil como parte de sua delegação oficial. É a primeira vez que não são concedidas credenciais a este setor. Foi a própria sociedade que marcou a presença do Brasil aqui na cúpula. Bolsonaro chega à COP25 com uma posição negacionista e de desconstrução das políticas ambientais.
DC: Bolsonaro primeiro rejeitou uma aliança com a China e depois a aceitou, em recente cúpula do BRICS. A quais fatores a senhora associa essa mudança?
MS: É necessário ter princípios e valores. Se eu defender meus interesses nacionais e minha soberania, não devo ter alinhamentos automáticos com ninguém. Bolsonaro ama os Estados Unidos, mas a China é uma grande potência comercial, e ele deveria ter percebido isso quando assumiu. Ele é uma pessoa que não tem conhecimento nem estatura para lidar com as relações internacionais.
DC: Da mesma forma, Bolsonaro mostrou distância em relação ao novo presidente argentino Alberto Fernández, ameaçando deixar o bloco regional do Mercosul. Como você explica essa rejeição?
MS: Bolsonaro tem uma visão autoritária e pretensiosa. Quem decide sobre a Argentina é o povo argentino. A Argentina teve um processo democrático limpo e nós não somos ninguém para questioná-lo. Isso não significa que o Brasil deve ter um alinhamento com a Argentina, mas manter relações é essencial.